LULA, O CONCILIADOR NAS ENTRELINHAS NEOLIBERAIS
Quando protagonista nas greves dos metalúrgicos do ABC paulista, fim dos anos 1970, em plena ditadura militar, o sindicalista Lula primou pelo escapismo ideológico ao ser perguntado se era de ‘direita’ ou ‘esquerda’: “Sou torneio-mecânico”.
A
realidade subsequente, que decretou o fim da longeva quartelada de 1964, apelidada
pelos golpistas, fardados e paisanos, de ‘Revolução Redentora’, gerou o confronto
entre recalcitrantes ‘direitistas’, saudosos das benesses do autoritarismo, e ‘neoesquerdistas’,
constituídos por sobreviventes comunistas e sociais-democratas acomodados no recém-nascido
PT de Lula, PDT de Brizola e PSB resgatado pela figura emblemática de Miguel
Arraes, todos a desfraldar bandeiras de perspectiva ‘socializante’(pelo menos
na retórica de suas lideranças).
Quatro
décadas depois, período da vitoriosa eclosão de Luís Inácio à frente do Partido
dos Trabalhadores, com aliados de circunstancial espectro político, a gerar
alentadores resultados nas urnas, projetos de inclusão socioeconômica do ‘andar
de baixo’, ganhos inéditos das elites e proeminente presença brasileira no
contexto internacional, o líder ressurgido de sórdida repressão centrada no
judicialismo canalha, do ‘Mensalão’ à ‘Lava-Jato’,
faz uma inflexão pragmática para se adequar a premissas conciliatórias com o imperial
‘Bigh Brother’ de Washington.
Na
questão específica das recentes eleições venezuelanas, a propalada ‘mediação’
de Lula nos impasses gerados pela encenação da extrema-direita golpista do
vizinho país, apeada do poder em 1998, explicita solene descarte do princípio
universal da autodeterminação dos povos, com forte indício de intromissão nos
assuntos internos de um país soberano.
Na
prática, o Lula ‘conciliador’ (que se contrapõe à lógica da ‘luta de classes’ em
curso, segundo Marx, desde tempos
imemoriais) avaliza com errática sutileza os interesses neocolonialistas
dos Estados Unidos, faz mais de um
século dependentes do petróleo venezuelano na operação do sistema
norte-americano de energia termoelétrica, então beneficiado pelos obsequiosos
custos da ‘commodity’ de nossos vizinhos,
governados por emboloradas oligarquias entreguistas.
A ‘Revolução
bolivariana’ liderada por Hugo Chavez, com renovado aval eleitoral, mudou a
relação de sabujo compadrismo entre a Venezuela e os Estados Unidos, a partir
da reformulação estatal da PDVESA(similar
de nossa Petrobrás), na extração e refino de hidrocarbonetos, cujos resultados financeiros
eram até então inexpressivamente transferidos às demandas socioestruturais da população.
O
petróleo da Venezuela responde por 1/3 do PIB, 80% das receitas de exportação e
mais da metade do financiamento da administração pública. Todavia, advieram, na
segunda década deste século, novecentas sanções dos Estados Unidos, abusivas e
unilaterais, geradoras de devastadora crise econômica decorrente
da escassez de insumos básicos, vitais à subsistência da população venezuelana,
concomitante com insurgências golpistas da oposição, afastadas do secular
processo de exploração do patrimônio nacional, financiadas por poderosas corporações
norte-americanas.
Os
Estados Unidos promovem a asfixia econômica da Venezuela com vista à retomada
dos preços vis que pagavam para garantir sua planta energética baseada em
termoelétricas, minando a resistente estrutura formulada por Chavez e mantida
por Maduro nos últimos 25 anos, suscetível, por óbvio, ao desgaste provocado por
notória perda de qualidade de vida da população.
A
perversa associação dos Estados Unidos a subservientes comparsas europeus e
latino-americanos reproduz midiaticamente a demonização da Venezuela
bolivariana, carimbada como uma ‘ditadura’, na contramão da democracia popular
lá instaurada, submetida a recorrentes consultas aos cidadãos, com um sistema
eleitoral eletrônico mais avançado que o brasileiro, de reconhecida inviolabilidade
por acreditados especialistas internacionais.
Por
fim, a desarrazoada interferência do Brasil e outros governos da América do Sul
que postergam ou rejeitam o reconhecimento da vitória de Maduro, confirmada em
todas as instâncias competentes de poder na Venezuela, na troca de figurinhas
com prepostos de uma elite golpista e desagregadora das instituições do vizinho
país no norte continental.
Em
sua anunciada ‘mediação’, Lula põe em dúvida, sub-repticiamente, a idoneidade
dos mecanismos institucionais de outro Estado, objeto dos arreganhos de
desafetos do atual governante, com os quais interage à distância, sobre o processo eleitoral de 28 de julho, à revelia da constatação de sua lisura por
mais de uma centena de observadores externos.
EM
TEMPO: a posição reticente de Lula no
contexto sul-americano sinaliza, conforme experientes críticos, que o ‘B’ (de ‘Brasil’)
pode proximamente desfalcar a sigla BRICS, afastando-nos do grupo formador da
nova geopolítica planetária, ora em promissora etapa de crescentes adesões. Os
encantos da Disney, de Mickey a Tio Patinhas, teriam, para desalento geral,
atraído a simpatia do ‘Lulinha-paz-e-amor’. A ver. (AMGóes)