terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Xadrez de como o TRF4 desmoralizou a Justiça brasileira

 

LUIS NASSIF, no JORNAL/GGN

João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente entrarão para a história do Direito penal brasileiro.  A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometidos com a seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do colega Sérgio Mouro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final dos operadores de direito brasileiros perante a comunidade jurídica internacional.  Partiu do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.   Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram rasgadas.

Peça 1 – os crimes indeterminados

Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala mais nisso.  Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local, as circunstâncias, mas que existiu, existiu.

Peça 2 – a lavagem de dinheiro

A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex, mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.

Peça 3 – o crime de solicitar

Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”, figura não prevista no Código Penal.

Peça 4 – a tal teoria do fato

De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.   No entanto considerou-se que um presidente da República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria com os contratos de uma das estatais.

Peça 5 – a competência da Lava Jato

Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.  Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.  Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações. 

Peça 6 – as sentenças ampliadas

Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias superiores.  Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio Moro e os três desembargadores, mais os procuradores da Lava Jato.
Passo 1 -  enquadraram Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.  Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.
Passo 2 – as prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a respeito de prescrições de penas: Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:   (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).  I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;  II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;  III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;  IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;  V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;  Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção passiva há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16 anos.  Mas há uma cláusula que não foi considerada pela brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de prescrição cai pela metade, ou oito anos.  Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.  Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.
Passo 3 – das penas máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O Código Penal tem requisitos e STF (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.  No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima, quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar nenhum fato específico.

Peça 7 – os tribunais superiores

Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.  Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi “atípico”.  A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico” porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não seria condenar Lula, mas absolver Moro das   excentricidades de sua sentença. Dino considera trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.  Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300 anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o crime.  Independentemente da linha política em jogo, Dino considera que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos fundamentais:  1.     Permitir a prisão de Lula enquanto tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente, diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.  2.     Buscar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não concorrer.  Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus entram para a história política e do direito brasileiro, como três magistrados que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua profissão, em favor de objetivos menores.  A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final na pantomima da Lava Jato.

'Aloprou'??? Moro manda vender tríplex da OAS para derrubar decisão do TJ-DF

 


O juiz Sergio Moro determinou nesta segunda-feira 29 a venda do triplex da OAS, que foi penhorado a credores da construtora. Ele tomou essa decisão depois que uma juíza(federal) de Brasília determinou a penhora do imóvel,  tornando explícito que Lula não é proprietário do imóvel.  Com isso, Moro passa por cima da Justiça de Brasília para sustentar a sua tese – a de que o ex-presidente seria o “proprietário de fato” do imóvel, uma figura inexistente no direito brasileiro. Confira a decisão estapafúrdia AQUI.

Moro admite  “dar”  triplex 

a Lula, se não for “de Lula”

tauto

FERNANDO BRITO no TIJOLAÇO

O juiz Sérgio Moro, afinal, tornou-se a primeira pessoa a admitir, formalmente, que o apartamento triplex do Guarujá pertence a Lula, coisa que ninguém fez até hoje, nem os delatores de encomenda.  |||  No despacho em que manda suspender a penhora feita pela 2a. Vara de Execuções do DF e leiloar o apartamento, Moro determina que o dinheiro obtido na venda seja “depositado em conta judicial” e, ao final, se decretado insubsistente o confisco que decretou, seja “devolvido à OAS Empreeendimentos  ou ao  ex-presidente”. “Ao ex-presidente”?  |||  Vejam a que ponto chegam as tautologias do juiz de Sérgio Moro.  Se, ao final do processo – como se não fosse sabido de antemão o final do processo… – ficar estabelecido que o apartamento não é e nunca foi de Lula, ele ainda será de Lula, para quem seria revertido o valor do leilão judicial!  |||  O apartamento é de Lula, ainda que a Justiça diga que não é de Lula, decreta Moro.  Ora, se Lula negou, ao longo de todo o processo, ser titular da propriedade do imóvel, qual é o fundamento jurídico de admitir que seja atribuído a ele o produto da venda em hasta pública?  Simples. “É dele e eu, Moro, o sustentarei até o fim”.  |||  Sérgio Moro não é só um desqualificado moralmente para o exercício da judicatura com um mínimo de imparcialidade. É um desqualificado para o simples manejo da lógica.  É, ao contrário, a personificação de um tipo penal: o exercício arbitrário de suas próprias razões.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Eleição não
é artimética
   eledissevargas
FERNANDO BRITO, no TIJOLAÇO
Pode ser que, lendo um pouco mais, ache-se algo de análise política nos  jornais que vá além do primário exercício aritmético de especulações sobre o destino dos votos de Lula.  |||  Delírios que não são só dos analistas, mas alguns candidatos,  os com menos decoro, como Marina Silva que, em O Globo, sugere ao PT, PSDB, PMDB e ao DEM o que ela própria faz, que decretem “quatro anos sabáticos” para reler seus programas e, talvez, fazerem uma “elevação espiritual”. Típico de Marina, sem nenhum outro compromisso que não com a sua própria ambição e que não hesita em fugir da luta política e apostando em uma possível megassena eleitoral, com seus números vencendo porque os outros foram retirados do “sorteio”.  |||  O Globo estima que 53 milhões de votos só nas cidades do interior o butim que se abre com a exclusão de Lula e os analistas de pesquisa ouvidos pelo jornal deveriam, sobre eles, recordar a frase atribuída a D. Maria Maluf, quando os futuros herdeiros brigavam pelo controle do grupo Eucatex, pertencente à família: “não se depena a galinha ainda viva”.  |||  Agora, pior ainda, porque agora se trata, em autodefinição, de uma jararaca e só mesmo os muito tolos descuidam dela mesmo depois de um golpe aparentemente fatal.  |||  Não é visível, neste momento, que alguém, exceto Jair Bolsonaro, tenha saído vitorioso deste episódio. O autoritarismo que representa, ao menos institucionalmente, venceu e, sendo a truculência dos “homens da lei” aceita como ordem adequada à sociedade, por que não elevar um deles ao ex-primeiro-cargo da República (embora isso esteja fora de moda, depois da atribuição de poderes totais a qualquer juiz de 1ª instância)?  |||  Claro que todos terão algum incremento em seus números de pesquisa: afinal, haveria de tudo em quase 40% dos votos que detém o ex-presidente. Marina, porém, deixou sequelas com sua postura desde 2010, agravada em 2014 pelos afagos a Aécio Neves. Já Ciro, com uma correção de rota ao final, tem cicatrizes mais recentes, embora curáveis, com o lulismo. De Alckmin, Meirelles e Maia, nem é preciso falar.  |||  É por isso que a “solução Huck” voltou à liça eleitoral. Contra o “azarão”, porém, pesam sua amizade baladeira com o mesmo Aécio, o escancarado oportunismo e a marca da Globo tatuada à testa.  |||  Falta, porém, a estes cálculos, o ronco surdo no sentimento do povão, que é difícil precisar, o artificialismo da situação política a que fomos levados e que, se não normalizado – ainda que não por espírito democrático, por medo de onde pode nos levar  – deixa tudo com a solidez de um castelo de cartas e, finalmente,  se não voltar a lucidez, o efeito imprevisível do “ele disse”.  |||  Lembra a história que, num tempo com muito menos poder de comunicação, um “ele merece os nossos sufrágios” de Getúlio Vargas, a poucos dias da eleição, levou uma reconhecida inaptidão(o obscuro general Dutra) à vitória em dezembro de 1945.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Crime de Lula foi vencer desafio

da fome, diz diretor da FAO

  
No portal VERMELHO

"Ironia sinistra que o articulador das políticas de distribuição de riqueza em seu país, que conseguiu, em pouco mais de uma década, resgatar da pobreza extrema mais de 36 milhões de brasileiros, reduzir a mortalidade infantil em 45%, diminuir o número de pessoas subnutridas em 82% e tirar o Brasil – o maior país da América Latina e onde o fosso entre ricos e pobres era o maior do mundo – do mapa da fome que a FAO produz anualmente está prestes a ser levado prisão", diz ele.  |||  Yeves lembra que a década prodigiosa com Lula e Dilma no governo fez com que a pobreza geral caísse no Brasil de 22% para 8% entre 2001 e 2013, enquanto a pobreza extrema caiu de 14% para 3,5%. "O acesso a alimentos adequados atingiu 98% dos brasileiros. Nessa década, a renda dos 20% mais pobres da população foi multiplicada por três em relação aos dos 20% mais ricos. O exemplo do Brasil, um país complexo e enorme, com mais de 200 milhões de pessoas, que já foi considerado internacionalmente como uma das experiências mais bem sucedidas na redução da desnutrição na história recente, logo serviu de inspiração para outros países", afirma. 

Leia, abaixo, o artigo na íntegra:

A luta contra a fome, atrás das grades

É uma ironia perversa que o arquiteto do maior sucesso internacional na luta contra a fome e a pobreza, ex-presidente Lula da Silva, foi convidado neste fim de semana na Etiópia pelos presidentes da União Africana para participar de um evento para mostrar os segredos do "milagre brasileiro", que inspira os líderes do continente africano através do seu programa Fome Zero, uma referência mundial no progresso social, enquanto que, em seu próprio país, estão fazendo todo o possível para colocá-lo na prisão. E eles estão bem perto de obtê-lo. Para começar, no último minuto, um juiz retirou o passaporte na sexta-feira e impediu-o de embarcar no avião.  ***  
Ironia sinistra que o articulador das políticas de distribuição de riqueza em seu país, que conseguiu, em pouco mais de uma década, resgatar da pobreza extrema mais de 36 milhões de brasileiros, reduzir a mortalidade infantil em 45%, diminuir o número de pessoas subnutridas em 82% e tirar o Brasil – o maior país da América Latina e onde o fosso entre ricos e pobres era o maior do mundo – do mapa da fome que a FAO produz anualmente está prestes a ser levado prisão A acusação formal é beneficiar de um apartamento que não é e nunca foi dele, e o crime real é ser neste momento o líder mais valorizado em um país em crise profunda, e em plena disputa eleitoral.  ***  
Porque, de fato, se houve um crime, é precisamente isso: todos concordam – opositores e detratores – que, quando as próximas eleições gerais forem realizadas – agendadas para o mês de outubro deste ano – existe um vencedor seguro, Lula. Se o deixarem candidatar.  ***  
No complexo mundo da cooperação internacional, cada vez que falamos sobre uma fórmula para reduzir a fome e a pobreza, citamos o programa Fome Zero que o presidente Lula e seus colaboradores implementaram em seu país quando tomaram posse em 2003. Cada vez que um país deseja alcançar objetivos semelhantes, seja na Ásia ou na África, eles olham com admiração para o "modelo brasileiro", que eles então adaptam às suas próprias necessidades. Toda vez que queremos mostrar que é possível erradicar a fome, falamos sobre o Brasil. Toda vez que explicamos como a riqueza pode ser redistribuída para beneficiar as camadas mais vulneráveis ​​de maneira ordenada e metódica, citamos o Brasil.  ***  
É por isso que os países africanos, reunidos neste fim de semana na capital etíope em sua cúpula anual, pediram a Lula para lhes dizer novamente como ele fez e como ele pode ajudá-los em seu continente. É um relacionamento colaborativo que ganhou um impulso decisivo na reunião realizada em julho de 2013, também em Adis Abeba, durante a qual foi lançada uma iniciativa da União Africana, da FAO e do Instituto Lula com o objetivo de erradicar a fome em África até 2025. Um ano depois, os resultados dessa reunião foram consolidados através da Declaração de Malabo, apoiada por líderes africanos, que agora querem avaliar como se deu o caminho tortuoso e difícil para erradicar a fome no continente. Eles ficaram com o desejo.  ***  
Pergunta-se por que se esforçam em seu país para torná-lo inelegível, e está se tornando cada vez mais evidente. O "modelo brasileiro" é muito perigoso. É muito eficiente. Pode ser replicado. E, o que é ainda pior para alguns, pode ser reintroduzido se ele ganhar as eleições. É por isso que todos os esforços são direcionados para um único objetivo: impedir que ele se candidate para as eleições de outubro.  ***  
A década prodigiosa com Lula no leme – e mais tarde sua sucessora, Dilma – fez com que a pobreza geral caísse no Brasil de 22% para 8% entre 2001 e 2013, enquanto a pobreza extrema caiu de 14% para 3,5%. O acesso a alimentos adequados atingiu 98% dos brasileiros. Nessa década, a renda dos 20% mais pobres da população foi multiplicada por três em relação aos dos 20% mais ricos.  ***  
O exemplo do Brasil, um país complexo e enorme, com mais de 200 milhões de pessoas, que já foi considerado internacionalmente como uma das experiências mais bem sucedidas na redução da desnutrição na história recente,   logo serviu de inspiração para  outros países.  ***  
Na América Latina, os líderes se comprometeram em 2005, com o apoio da FAO, à erradicação da fome na região através da Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome (IALSCH). A região foi pioneira em assumir esse desafio e respondeu através do seu principal órgão de integração, a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, o CELAC, que implementa um ambicioso Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome. Como resultado de tudo isso, a América Latina foi a região que fez o maior progresso na redução da fome e da pobreza em todo o mundo desde o início do século XXI. Os dados são fortes e não deixa espaço para dúvidas. No final dos anos noventa, havia cerca de 66 milhões de pessoas, ou seja, 14,7% de sua população, que sofriam de fome, que não podiam acessar o alimento necessário para levar uma vida saudável. Em uma década e meia, essa porcentagem diminuiu para 5%, reduzindo o número de pessoas afetadas para 34 milhões (tendo em conta, além disso, que nesse período a população aumentou cerca de 130 milhões).  ***  
São todos os avanços que eles querem aprisionar hoje no Brasil, a qualquer custo. Isto é o que é jogado não só pelos brasileiros, mas também por todos aqueles que estão preocupados em enfrentar um dos maiores desafios coletivos que temos em nosso planeta: erradicar a fome e a pobreza. Talvez eles possam deixar Lula da Silva atrás das grades. Mas eles não podem fazê-lo com os 815 milhões de pessoas que sofrem de fome no mundo hoje — uma em nove. A prisão não serve para resolver esses desafios. O que serve são pessoas como Lula. Os líderes africanos sabem e por isso o convidaram neste fim de semana na Etiópia. Lula sabe disso. E, infelizmente, aqueles que estão determinados a não avançar para resolver o problema também perceberam. Uma ironia perversa.

(
Enrique Yeves é jornalista e escritor especializado em questões de desenvolvimento internacional. Atualmente é Diretor de Comunicação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura-FAO).

Lula preso e a

democracia

sem povo

A interdição de Lula precisa ser entendida como mais um movimento na busca da construção de uma democracia sem povo. Única opção para a manutenção das nossas classes dominantes no poder - fora de uma ditadura 'clássica'.
democracia
SÉRGIO SARAIVA, no JORNAL/GGN
A cidadania deformada e o Poder
antidemocrático e classista
No Brasil, uma fração de 10 milhões de pessoas detém tanta riqueza quanto os outros 190 milhões de brasileiros somados. É também um país que historicamente possui enormes déficits em educação e saúde públicas. A combinação de concentração de renda e serviços públicos precários forma e realimenta o mecanismo perverso responsável pela deformação da nossa cidadania. Deforma as instituições da nossa cidadania porque condiciona a formação dos quadros da nossa burocracia estatal. Deforma mesmo os conceitos salutares de administração pública que formos capazes de desenvolver.  |||  Vejamos. O acesso ao serviço público no Brasil se dá por concurso público. Quem poderia ser contra? Ocorre que a combinação de concurso público exigindo qualificação e concentração de renda acaba reservando a apenas uma classe social o acesso não só aos altos postos da burocracia estatal, mas, principalmente, aos postos superiores e decisórios do Poder Judiciário – os ricos que podem obter privadamente a qualificação exigida.  ||| Nosso Judiciário e alta burocracia estatal são, portanto, formados, então, essencialmente por elementos vindos de uma mesma classe social – a classe dominante economicamente. Com um recorte especialmente cruel - essa é a classe social dos brancos brasileiros. Para entender a contribuição da questão étnica na constituição do poder antidemocrático: O Brasil dos brancos e a negação como formadora da identidade sociopolítica|||  Por razões históricas e culturais que nos remetem à “casa grande e senzala”, não fomos capazes de formar uma elite aristocrática. Formamos classes dominantes e subalternas. E assim o Judiciário e a alta burocracia estatal sempre foram um Poder antidemocrático e classista.
A luta de classes e a formação do Estado brasileiro
O Estado Democrático de Direito instituído no Brasil com o advento da Constituição Cidadã de 88 apoia-se na existência e funcionamento independente e harmônico de três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Executivo e Legislativos eleitos pelo voto popular e sufrágio secreto e universal. E sabiamente condiciona a formação do STF – Superior Tribunal Federal – STJ Superior Tribunal de Justiça e PGR – Procuradoria Geral da República a indicações do Executivo e aprovação do Legislativo. Afim de dar à cúpula do Judiciário a característica democrática que a sua formação básica não tem. Já que a base é formada através de concurso público.  |||  Sendo o Judiciário brasileiro um Poder antidemocrático e classista, cuja base é formada pela classe hegemônica através de um modelo de concurso público que interdita a participação das classes populares, o antagonismo entre esse Judiciário formado pelos representante das classes dominantes e o Executivo e Legislativo formado pela vontade majoritária das classes subalternas seria inevitável. Um claro conflito de interesses. A luta de classes minando a própria formação do Estado.
A longa construção da democracia sem povo
Enquanto as classes dominantes lograram eleger seus representantes – caso de Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso – o conflito manteve-se surdo. Lula alteraria todo o quadro político-social. Lula representa, mesmo que simbolicamente, a tomada do poder pelas classes subalternas. Desequilibrando um contrato social espúrio que vigorava havia 500 anos – com breves interregnos de características populistas resolvidos com golpes e ditaduras.  |||  Ocorre que o Ocidente optou, a partir dos anos 90 do século passado, pela adoção do modelo democrático. Obrigando o Brasil a democratizar-se também. E no modelo democrático, não há - por princípio - classes sociais dominantes e subalternas – um homem, um voto. E nesse regime, Lula – se não é invencível – perdeu quatro eleições até chegar ao poder – tornou-se imbatível depois que a ele chegou. E Lula é a manifestação das classes subalternas. Assim começa a persistente busca de formar uma democracia sem povo.
O mensalão do PT e o Poder Moderador
Foi a primeira tentativa – a de tornar o Supremo Tribunal Federal um Poder Moderador pairando sobre os outros dois Poderes. Não obteve sucesso dada a egolatria de seus componentes que torna o STF incapaz de formar um poder unificado. Mas destruiu os quadros ideológicos do PT. E demonstrou ser possível condenar baseado apenas na narrativa proporcionada pela mídia. Essa sim capaz de atuar unificada. Lula se reelegeu. Mas estava enfraquecido. Reergueu-se com tratamento acertado que deu à crise de 2008 e fez sua sucessora – Dilma Rousseff.
Gilmar Mendes – o corregedor do voto popular
A reeleição de Dilma – quarta vitória petista sucessiva – fez surgir um novo modelo de interdição do voto popular. O TSE como corregedor. A aprovação das contas de campanha como mote para a interdição do eleito que não fosse do agrado das classes dominantes. Sofisticado. Não vingou apenas dada a promiscuidade do financiamento das campanhas eleitorais por todos os partidos.
A Lei da Ficha Limpa e as listas tríplices
Aqui atuou novamente o mecanismo de deformação tratado anteriormente. A lei da Ficha Limpa é salutar – mas pressupõe a isenção político-partidária do Judiciário. Nosso Judiciário, como vimos, é antidemocrático e classista e também já se mostrou partidário. A lei da Ficha Limpa, que poderia ser um mecanismo de depuração da nossa política, acabou por ser a aplicação prática do conceito maquiavélico de “aos amigos tudo, aos inimigos a fria letra da lei”.  |||  Como não se investigam os delitos dos políticos que pertencem ao partido das classes dominantes, esse serão sempre “fichas limpas”. Os adversários serão interditados pelo movimento contrário. Inicialmente, desde que houvesse crime que puni-los. A Lava Jato vai mudar esse princípio. Não será mais necessário o crime em si. Mas a acusação.  |||  As listas tríplices para a indicação do Procurador Geral da República foram um erro crucial de Lula no poder. Um republicanismo ingênuo e irresponsável. Com elas o Ministério Público tornou-se um poder autônomo insubmisso aos freios e contrapesos montesquianos.
A 'Lava Jato' e a seletividade do punitivismo
Com o insucesso da 'doutrina Gilmar Mendes', chegamos à 'Lava Jato'. O somatório de todas as tentativas anteriores, acrescido de um novo partícipe –  o Departamento de Estado Americano municiando o MPF de informações obtidas por seus “meios não convencionais”. A bem da 'Lava Jato' diga-se que há duas 'Lava Jato' – ou a mesma 'Lava Jato' em dois momentos.  |||  A primeira terminou com o desbaratamento de uma quadrilha que agia na Petrobras desde os anos FHC e deixou a claro a corrupção do poder econômico sobre o poder político. Entregou uma lista de 51 nomes de políticos de todos os partidos – inclusive do partido das classes dominantes - ao Procurador Geral da República.   |||  Essa é a Lava Jato meritosa que servirá de cortina de fumaça para a atuação da outra Lava Jato. A que foi decisiva para o Golpe de 2016. A que gravou e divulgou ilegalmente diálogos da presidência. Incentivou movimentos pró-impeachment. E a que condenou Lula sem provas. E que pretende interditá-lo eleitoralmente se não conseguir também encarcerá-lo.
Os tutores do voto popular e a democracia sem povo
Lula é o nome mais poderoso do campo democrático e virtual eleito nas eleições de 2018. Lula é só um nome. É só um homem. Poderia já não estar entre nós – venceu uma doença terrível. O PT e a democracia deverão ser capazes de sobreviver sem Lula. Nada do que a Lava Jato faça deverá impedir Lula de ser o grande cabo eleitoral das eleições de 2018. E então o que ocorrerá? |||  O golpe não foi derrubar Dilma e interditar Lula. O golpe é direcionar as eleições de 2018. Não as fraudar. Há mecanismos de proteção. Impedi-las como? Mas direcioná-las garantindo o resultado esperado, apesar do voto popular.  |||  E é nesse sentido que preocupa e assusta a brutalidade primária e arrogante da escandalosa condenação de Lula sem provas e contra as provas. Sem nenhuma sofisticação intelectual argumentativa. Nem mesmo a vista nas prestidigitações do ministro Joaquim Barbosa no Mensalão do PT.  |||  Preocupa porque talvez a construção da democracia sem povo tenha baixado de nível. E criado a figura do tutor da vontade popular. E a partir de agora, o povo votará livremente naqueles nomes que o Judiciário previamente autorizar. Qual a chance de algo assim resultar em sucesso? Fora isso – a ditadura. Pura e simples.

Lula, a prisão, o candidato e as ruas. Para Aragão, próximas semanas são decisivas

Ex-ministro aponta para "julgamento teatrológico" e os recursos possíveis. Advogado diz que direito a candidatura é assegurado. Wadih Damous vê fascistização do sistema de Justiça...
FPA
Reunião do PTPresidenta do PT, Gleisi Hoffman, ao lado de Dilma e Lula, abre reunião que oficializa indicação de Lula para a disputa
PAULO DONIZETTI DE SOUZA, na REDE BRASIL ATUAL
As próximas duas semanas serão decisivas para a estratégica jurídica de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação é do jurista Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, que classificou o julgamento de 24 de janeiro no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, como uma farsa. Em reunião da direção nacional do PT na sede da CUT em São Paulo, Aragão afirmou que os três desembargadores atuaram como advogados de defesa do juiz de primeira instância Sérgio Moro – até mesmo na decisão de ampliar a pena antes de nove anos e meio para 12 anos e um mês.  |||  Foi um julgamento teatrológico. Dentro do TRF a gente sabe que o ambiente é conflagrado. O relator chegou a falar em autodefesa do Judiciário, como se colocassem vitimas de uma agressão”, criticou. “Chegou a ser um escândalo. O Tribunal assumiu as dores do juiz Moro. Os magistrados funcionaram mais como advogados de Moro do que como magistrados”, afirmou, lembrando que os desembargadores se utilizaram de “um quadro geral”, como se houvesse uma prática consistente de crime. “O acórdão não diz qual é o fato. Do que foi dito no voto do relator, o presidente Lula não se defendeu. Viram a fragilidade da questão do apartamento e foram por outros caminhos que não eram matéria da acusação, do julgamento.”  |||  Para o ex-ministro, o julgamento “com sua truculência” impõe caminhos que deverão ser seguidos no âmbito processual (leia destaque ao final deste texto).
eugenio-aragao-ministro-justica-foto-lulamarquesagenciapt-4.jpg
Aragão: foi um julgamento teatrológico. Dentro do TRF a gente sabe que o ambiente é conflagrado   

Lula candidato

O advogado Luiz Fernando Pereira afirma que não há como impedir antecipadamente o registro da candidatura do presidente Lula. O pedido de registro é feito em 15 de agosto. "É de competência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e isso só vai acontecer lá”, disse Pereira, especialista em legislação eleitoral.  |||  Segundo ele, a condenação criminal diz que a suspensão dos direitos políticos só tem efeito depois do trânsito em julgado. “Ou seja, o presidente está em pleno gozo dos direitos políticos. A chance vai depender do que vai acontecer de hoje até o momento do registro da candidatura. Cabem recursos ao STJ, ao STF. A decisão favorável de reversão da condenação pode se dar a qualquer momento e isso restabelece a legibilidade do presidente Lula.”  |||  O advogado explicou que o parecer solicitado pelo PT não é uma construção em favor de Lula ou do PT. “É um parecer que diz precisamente sobre o que diz a lei, a jurisprudência do TSE. Não se trata de criar uma tese em favor de uma candidatura. É assim há muitos anos, e é assim, porque a lei diz que é assim”.  |||  Pereira contou que essa constatação foi vista com alguma surpresa por alguns até dentro do partido, mas os especialistas concordam. “Desde que se tornou conhecido no meio jurídico, esse parecer jamais foi contestado”, observou, acrescentando que mais de 140 candidatos a prefeito em 2016 disputaram eleições sob efeito de condenações inconclusas e muitos deles conseguiram assegurar sua posse após o trânsito de seus recursos. E se desculpou: “Pode até parecer que eu disse o óbvio, mas às vezes nesse país é preciso dizer o óbvio”.

Nos tribunais e nas ruas

Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em seu estado, o julgamento foi absolutamente “coerente com o que acontece no Brasil, quando o sistema jurídico é a linha de frente da fascistização de setores da Polícia Federal, do Judiciário e do Ministério Públicos hoje hegemônicos."  |||  Essa turminha playboy, fascista, tenta levar os métodos da Operação Lava Jato para outros países, interferindo na política por meio da judicialização. Temos uma linha de frente do Judiciário e do Ministério Público bem assentada. E é nas ruas que nós temos de barrar isso”, afirmou.  |||  Damous disse ter aprendido muito com o ato realizado em São Paulo logo após o fim do julgamento. Cerca de 50 mil pessoas reunidas na Praça da República decidiram sair em passeata rumo à Avenida Paulista, fechada para a manifestação de pouco mais de 100 pessoas contrárias a Lula. "O que aconteceu  com a desobediência da ordem do governador(Geraldo Alckmin, do PSDB) de não ir à Paulista foi muito importante. Não cabe a nós ficar de braços cruzados, respeitando decisões inconstitucionais. Ontem pra mim foi uma lição, um exemplo de como devemos enfrentar o fascismo. O fascismo se enfrenta nas ruas.” 
O que pode ser feito nas esferas criminal e eleitoral

O TRF4 deve emitir nos próximos dias o acórdão oficializando a decisão do julgamento desta quarta-feira em Porto Alegre.  |||  
defesa de Lula tem dois dias, após o acórdão, para ingressar com embargos de declaração, em que solicitam esclarecimentos sobre os motivos da sentença.  |||  
Os embargos são então apreciados pelo TRF4, e segundo Aragão serão provavelmente rejeitados muito rapidamente.  |||  
É possível ainda ingressar com recurso especial junto ao presidente do TRF4 pedindo a nulidade da sentença dos desembargadores da 8ª Turma. Uma vez rejeitado, a defesa pode interpor um pedido de agravo junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).  |||  
O problema, explica Aragão, é a súmula que determina prisão tão logo se publique a conclusão da segunda instância após o trâmite dos recursos.  |||  
Caberão ainda medidas cautelares, pedidos de habeas corpus, possibilidade de contestação da prisão após segunda instância, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento controverso sobre o tema.  |||  
A obtenção, junto ao STF, de um efeito suspensivo à execução da pena deixaria suspensa também a inelegibilidade (a Lei da Ficha Limpa veta a eleição de condenados em segunda instância).  |||  
A interposição e a tramitação desses recursos – ainda que a Lei da Ficha Limpa seja levada em conta pelo TSE – pode proporcionar também o ingresso de recurso junto ao Tribunal Eleitoral para que a candidatura possa ser registrada e seja viabilizada a participação de Lula na campanha e até mesmo sua posse, em caso de vitória.
A mensagem de Lula à África,  que um juizeco (substituto) não  calou
   lulafao
Impedido de comparecer pessoalmente, por uma disputa de vaidade entre juizes para ver “quem é o dono do Lula”, o ex-presidente mandou, em vídeo, uma breve intervenção para a reunião que se realizou nesse sábado(27), na Etiópia, sobre segurança alimentar na reunião de Cúpula da União Africana, para debater o relatório de “Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo de 2017 “, em que a FAO, órgão da ONU dedicado à alimentação, detecta, depois de anos em queda, a fome novamente em ascensão no planeta.
Assista à fala de Lula, abaixo:
    

sábado, 27 de janeiro de 2018

O julgamento de Lula e os 

espectros de Porto Alegre

O que vemos nesse processo é uma espécie de “justiça fast-food”, em que as conclusões já vêm prontas...
 Thomas Bustamante

THOMAS BUSTAMENTE (*), na CARTA CAPITAL

Na decisão pelo TRF-4 da apelação de Lula, contra a sentença condenatória de primeira instância, a narrativa da Operação Lava-Jato sofre uma importante mutação em relação à decisão de Sérgio Moro.  |||  Na primeira instância, o PT era apontado como beneficiário de atos indeterminados decorrentes de uma espécie de “conta corrente” de propina que mantinha com a OAS. Mas culpa de Lula não era de gerir esse esquema, autorizar e chefiar as fraudes em licitações etc. Lula foi condenado por Moro em razão de supostamente ter recebido um apartamento da OAS, ou melhor, recebido um apartamento melhor e mais valioso do que aquele que havia sido por ele adquirido de uma incorporadora posteriormente adquirida pela OAS.  |||  Como não se comprovou nenhum “ato de ofício” de Lula conferindo qualquer vantagem à OAS, Moro sustenta que esses “atos de ofício” são dispensáveis e que a responsabilidade de Lula deriva do fato de ele ter aceito o apartamento em troca da quitação de dívidas espúrias que a OAS tinha com o seu partido.  |||  Essa narrativa é frágil por várias razões. Primeiramente, Lula não era Presidente da República desde 2010 e, por isso, não poderia ter praticado qualquer ato de governo capaz de conferir à OAS um benefício que justificasse essa benesse. Em segundo lugar, a própria “conta de propina” não estava provada no processo, uma vez que foi indeferida perícia contábil e inexiste prova do denominado “caminho do dinheiro”, ou seja, a origem e o destino dos recursos oferecidos pela OAS.  |||  Finalmente, ainda que houvesse uma prova de que a OAS “reservou” o apartamento tríplex para Lula, não estava provado que Lula tivesse aceito o apartamento e definitivamente não estava provado que o ex-presidente recebeu o apartamento ou tenha qualquer outro tipo de acréscimo patrimonial. Pelo contrário, a prova que se tem é de que o apartamento permanece até os dias atuais na propriedade da OAS.  |||  O acórdão do TRF, no entanto, aprofunda a violação ao princípio do Estado de Direito. Na nova narrativa, Lula seria responsável não apenas por ter recebido para si uma vantagem – o apartamento no Guarujá – mas por ser o “grande gerente do esquema de propina” montado na Petrobrás. Gibran, Paulsen e Laus consideram Lula responsável por todos os malfeitos de todos os diretores da Petrobrás, simplesmente por tê-los nomeado ou mantido nos seus cargos depois de iniciado o esquema de propina para favorecimento em licitações. O apartamento no Guarujá passa a ser apenas um detalhe, uma espécie de sobra que Lula pega para si após ter se beneficiado do esquema por mais de uma década.  |||  Qual o problema dessa segunda narrativa? O mais grave problema, provavelmente, está no fato de que essa mirabolante narrativa não tem lastro probatório nos autos. Mesmo se tomarmos como incontroverso que houve um esquema criminoso entre os diretores da Petrobrás e as empresas participantes dos consórcios vencedores, teria que estar provado que Lula participou desse esquema, nele interveio ou deixou propositalmente de atuar para terminar com ele depois que tomou ciência de sua existência.  |||  O TRF-4 adota, dessa vez de maneira muito mais expressa do que Moro, a denominada “teoria do domínio do fato”. Lula é pessoalmente responsável, do ponto de vista criminal, por tudo o que Paulo Roberto Costa, por exemplo, fez de errado na direção da Petrobrás.  |||  O problema dessa narrativa é que ela pressupõe essa conclusão como uma verdade dada, não se preocupando em provar a veracidade dessa história “mais além de qualquer dúvida razoável” (beyond reasonable doubt).  |||  Raras vezes, no Brasil, se leu uma decisão tão preocupada em discorrer considerações teóricas sobre a prova, mas raras vezes se viu também uma decisão tão pouco preocupada em manter-se fiel aos rigorosos standards de prova que ela prometeu aplicar.  |||  A decisão afirma estar aplicando o critério da prova inequívoca, que não admite qualquer dúvida razoável, mas se contenta apenas em estabelecer uma versão que seja coerente com os indícios encontrados nos depoimentos de co-réus e em notícias de jornal citadas na sentença de primeiro grau.  |||  Ao tentar se justificar para o público externo, a corte enfaticamente sustenta: “estamos julgando fatos, não pessoas”; ou então: “uma convicção há que estar provada mais além de qualquer dúvida”, não sendo lícito ao juiz decidir apenas com base nas suas impressões.  |||  No entanto, contenta-se com uma espécie de “reconstrução coerentista” que é aceita como suficiente para oferecer a prova para suas convicções. Nessa perspectiva, basta ao juiz apresentar uma versão dos denominados “fatos primários” (aqueles capazes de levar à tipificação da conduta na norma) que seja coerente com os “fatos secundários” (aqueles de fato verificados no processo com base em parâmetros objetivos).  |||  O standard da “prova mais além de qualquer dúvida” não se sustenta com a possibilidade (ou mesmo uma probabilidade!) da versão narrada na denúncia estar correta. Ele exige muito mais. Só se cumpre esse critério probatório se não for possível imaginar nenhum “mundo possível” (possible world) em que os fatos secundários sejam verdadeiros, mas os fatos primários sejam falsos|||  Traduzido em termos concretos, o tribunal deveria ter formulado a seguinte pergunta: “é possível imaginar, diante da prova apresentada, uma explicação da realidade em que sejam verdadeiros os fatos secundários, mas não os primários?” Ou ainda: “é possível imaginar um cenário em que as propinas pagas à Petrobrás tenham existido, mas não tenham beneficiado a Lula ou este não tivesse conhecimento e controle sobre elas?”  |||  Repare que aqui não basta que seja possível, ou coerente, ou até mesmo provável que Lula soubesse dos acertos de propina e tivesse controle sobre eles. Exige-se mais: que não seja possível uma explicação alternativa para os fatos, na qual Lula não configure como o grande gerente desse esquema de propinas.  |||  No processo, não há nada que leve a essa conclusão. Aliás, uma análise cuidadosa deixa perguntas que dificilmente um defensor da tese do Tribunal conseguiria responder: “por que, então, Paulo Roberto Costa recebeu para si centenas de milhões de dólares de propina, enquanto Lula ficaria apenas com uma reforma em um apartamento de classe média?” Ou então: “por que Lula só receberia sua fração em 2014, quatro anos depois de seu mandato ter acabado?”  |||  Se Lula era o grande articulador talvez fosse possível imaginar duas hipóteses: 1) ou Lula queria beneficiar a si próprio e a seus parceiros com essa propina, ou 2) Lula queria manter o seu partido no poder e financiar campanhas eleitorais.  |||  Na primeira hipótese, a pergunta seria então: “por que Lula não recebeu mais nada durante o mandato?” “Se ele era o grande chefe, por que Paulo Roberto Costa, que seria o seu subordinado, recebeu centenas de milhões de dólares?  |||  Na segunda hipótese, a pergunta seria: “por que Lula deixou Paulo Roberto Costa receber centenas de milhões de dólares enquanto o seu partido político ficava com menos do que isso?”  |||  Se estivéssemos diante de um pragmatismo absurdo, de alguém que coloca o seu partido político acima do Estado de Direito e da lei, que é tão instrumentalista a ponto de achar que a sua permanência no poder é mais importante do que a preservação do patrimônio do povo que ele pretende governar, “por que deixar alguém que estaria roubando os recursos que seriam do próprio partido político que ele resolve proteger mesmo à custa de tanto risco e tanta ilegalidade”?  |||  Essas perguntas poderiam ser feitas, mas em nenhum momento são sequer cogitadas. E pior, a hipótese de que Lula seria o “grande gerente” que comandaria o esquema de propinas é tão coerente com os fatos provados nos autos quanto a hipótese de que os diretores da Petrobrás, líderes partidários e gerentes de empresas beneficiadas com o esquema estariam enganando a Lula e colhendo benefícios para si próprios sem o seu consentimento. O que leva, então, o tribunal a optar pela primeira hipótese?  |||  Não se poderia dizer, por exemplo, que Lula simplesmente perdeu o controle  sobre seus aliados, como é típico no “presidencialismo de coalizão”? Não foi exatamente isso (perder o controle sobre seus aliados) que fez com que Dilma Rousseff fosse cassada por um impeachment questionável? Ora, a prática ensina que no presidencialismo de coalizão é fácil perder o controle sobre uma enorme base aliada. Lula não poderia ter simplesmente perdido o controle moral e jurídico sobre essa base, da mesma forma que Dilma perdeu o controle político sobre sua base, levando a uma insurgência contra ela? Por que pressupor, a priori, que essa hipótese é impossível? Lula não poderia simplesmente estar sendo enganado pelas pessoas que ele indicou?  |||  De modo semelhante, no que concerne ao apartamento no Guarujá, a hipótese do primeiro depoimento de Léo Pinheiro é de que o apartamento não era de Lula (apesar de ter sido montado para tentar seduzi-lo com a possibilidade de compra) e este não sabia da existência de qualquer esquema de propinas em sua empresa, enquanto a hipótese do segundo depoimento de Léo Pinheiro é de que o apartamento seria de Lula e a ele teria sido dado como uma forma de pagamento pelos créditos que o PT adquiriu junto à OAS em vista dos alegados esquemas espúrios de corrupção.  |||  A pergunta que se faz é: por que acreditar no segundo depoimento de Léo Pinheiro, mas não no primeiro depoimento?  Seguramente, o segundo depoimento é coerente com a tese que o MP adota (de que Lula era o grande gerente do esquema de corrupção), mas será mesmo que existe prova “acima de qualquer dúvida razoável disso”? É realmente impossível a existência de qualquer outra explicação para o fato de a OAS ter reservado esse apartamento para Lula?  |||  Lembre-se de que o custo total das obras de reforma do apartamento foi um valor absolutamente ínfimo e insignificante, quando comparado aos valores bilionários dos contratos ou às centenas de milhões de dólares recebidas de propina pelos diretores da Petrobrás. Como acreditar então que Lula comprometeria tantos recursos do seu povo, correria tantos riscos, com tantos benefícios para pessoas que não exerciam funções-chave em seu projeto de governo, para ganhar tão pouco?  |||  O que vemos nesse processo é uma espécie de “justiça fast-food”, onde as conclusões já vêm prontas e o juiz se comporta como um roteirista que pretende criar uma história bonita que agrade a imprensa, ou acalme os mercados e os seus colegas quando a Justiça é acusada de politizar-se. É uma opção por um corporativismo que coloca em xeque o Estado de Direito e vende nossas garantias constitucionais a preço de banana.  |||  O que mais me escandaliza na decisão é que eu tive a impressão de que esses Desembargadores são completamente diferentes de Sérgio Moro. Moro é um juiz que declara seu ódio ao PT, aparece em foto se confraternizando com réu do PSDB, manda fazer condução coercitiva espalhafatosa contra Lula, manda conduzir coercitivamente blogueiros e jornalistas de esquerda, enquanto tolera que audiências protegidas pelo segredo de justiça sejam transmitidas ao vivo para sites de direita, faz interceptações telefônicas ilegais e depois manda para a imprensa, na véspera do julgamento de um impeachment de Presidente da República, com o objetivo de desestabilizar o país.  |||  Mas assistindo ao julgamento, não me passou pela cabeça em nenhum momento que os desembargadores estivessem em um complô malévolo para destruir o PT ou inviabilizar eleitoralmente a esquerda brasileira, como muitos estão alegando por aí. A impressão que eu tive é mais grave: é de que eles agem assim de forma natural, agem com base no arbítrio, na discricionariedade livre, no “achismo” e na narrativa mais coerente com as verdades ditadas pela grande imprensa e pela onda malévola de punitivismo mesmo quando pensam não estar agindo por preconceitos políticos. Ou seja, o espectro que nos ronda depois desse julgamento é o medo de que a forma como julgaram Lula seja a única maneira pela qual podemos esperar que eles julguem qualquer outra pessoa, como eu e você.
(*) Thomas Bustamante é doutor em Direito (PUC/RJ) e Mestre (UERJ), com período de investigação na University of Edinburgh, Reino Unido. É Professor de Filosofia do Direito da UFMG, onde é membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito. Autor da obra Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras jurisprudenciais.