sábado, 31 de dezembro de 2016





Pouparei o internauta, nessa minha última coluna do ano, de lamúrias, lembranças dolorosas, bravatas sobre “coragem” e “resistência”, e xaropadas sobre otimismo ou pessimismo.
Faltando poucas horas para 2017, suponho que ninguém quer remoer as desgraças que afligiram o nosso país neste que parece ter sido o ano mais difícil em tanto tempo.
Recordo-me de que o final de 2015, que também foi um ano terrível, nos trouxe algum alívio. Houve uma ilusão de que o golpe havia sido derrotado porque não nos parecia possível que as elites embarcassem numa loucura tão grande.
Sabíamos que o golpe tinha dois planos paralelos: o plano A era o impeachment; o plano B, a cassação via TSE. Tínhamos ainda, ao final de 2015, uma certa ilusão sobre a razoabilidade de nossas elites.
Ao final deste ano, não nos resta mais ilusão nenhuma. Não é sequer correto chamá-los, aos golpistas que assaltaram o poder, de “elites”. São antes grupos usurpadores, encastelados na burocracia, de um lado, e nas grandes empresas de mídia, de outro.
O golpe serviu para deixar claro, para os setores da opinião pública que ainda detêm uma consciência democrática, que uma democracia não é viável se não existe um sistema de comunicação minimamente democrático.
O debate sobre esse tema sempre foi truncado. Frequentemente se faz confusão entre os conceitos de comunicação e política. Quando se criticava a comunicação do governo, alguns entendiam que faltava “propaganda”. Não era isso. Comunicação é um conceito muito mais abrangente que propaganda e, se entendido em sua acepção mais nobre, inclui também a questão política.
Para ter uma comunicação melhor, o governo derrubado deveria ter desenvolvido uma super-estrutura política muito mais sofisticada.
A estupidez política que marcou o governo Dilma permanecerá um doloroso mistério por muitos anos.
Entretanto, agora está claro para mim que essa crítica, para ser justa, deveria ser estendida a muitos outros setores nacionais. A academia, por exemplo. Em certo sentido, a academia é até mais culpada que o governo, por sua ausência histórica no processo de produzir inteligência crítica.
Por que a academia, com a exceção brilhante do Manchetômetro, de João Feres, jamais abordou o problema da concentração dos meios de comunicação, e o seu efeito deletério sobre a vitalidade e cultura democráticas do país?
A mesma coisa vale para a cultura. No ano de preparação do golpe, o Fundo Setorial do Cinema bancava, com milhões de reais, a produção de Candidato Honesto, um filme inteiramente acoplado aos valores da Globo e do golpe.
Por que as políticas públicas de cultura jamais atacaram, como prioridade, o problema da concentração da mídia?
Eu sei, em parte, pelas conversas que tinha com gente do setor. Porque havia um sentimento, mistura de ingenuidade, covardia e oportunismo, sem base em nenhum estudo, de que a grande mídia “morreria” naturalmente, e que as novas mídias assumiriam o seu lugar. Com base nesse pensamento, os próprios blogs políticos eram subestimados, porque vistos como empenhados numa guerra inútil contra um sistema de comunicação já falido. Não era verdade, como se viu. Tanto nos momentos eleitorais como de crise política, os blogs se viram como plataformas essenciais para existir um mínimo de pluralidade no debate de ideias.
Não houve nenhuma política pública para libertar o cinema, a literatura, as artes plásticas, as artes dramáticas, da ditadura da midia.
Daí que não temos, hoje, praticamente nenhuma narrativa que denuncie a mídia. Isso é sinistro!
O primeiro filme moderno é Cidadão Kane, de Orson Welles, uma denúncia ao Roberto Marinho norte-americano. Aqui no Brasil, que temos uma concentração midiática infinitamente pior que aquela representada pela figura de William Hearst, qual a denúncia do audiovisual contra isso?
Nenhuma. Ao invés disso, os recursos públicos do audivisual, em todos esses anos de Lula/Dilma, foram destinados, em grande parte, para o sistema Globo ou para narrativas previamente domesticadas pelos valores platinados.
Até mesmo os filmes sobre a ditadura eram oportunamente esmasculados pela submissão aos valores da nova ditadura instalada, a ditadura da mídia.
Mas tudo isso era, de certa forma, previsível, visto que a transição da ditadura para a democracia foi meio que um negócio celebrado pelos donos da mídia. Daí que todos os “guerrilheiros” da ditadura foram trabalhar na Globo ou ganharam, por um tempo, tratamento diferenciado junto a seus telejornais.
Faltou crítica também aos erros do governo. Quer dizer, não bastava apontar os erros. Teria sido preciso estudar a origem dos erros e apontar soluções.
O trem-bala, por exemplo. Por anos o governo sinalizou a construção do trem-bala entre Rio e São Paulo. Divulgou-se um estudo sobre a viabiliade de trens ligando todas as capitais brasileiras.
De repente, o projeto sumiu. Nem se falava mais nele. Isso é um erro, do governo, da academia e dos intelectuais. Este blogueiro, nas vezes em que entrevistava Dilma, perguntava: e o trem-bala, e os trens de alta velocidade?
Nenhuma resposta.
Se não havia condições políticas, financeiras ou de qualquer outra ordem para a construção de um trem-bala, então, ao menos, governo deveria manter a chama da ideia acesa, divulgando estudos, projetos, para que ela pudesse ser defendida e compreendida pela opinião pública.
As elites brasileiras parecem ter perdido qualquer capacidade de sonhar.
Uma infra-estrutura moderna de transporte não é um projeto “esquerdista” ou “bolivariano”. É um projeto de país. E para que este seja materializado, é necessário que a sociedade brasileira entenda que ele é possível de ser materializado.
Se os donos de empresas de ônibus tinham medo da ideia de trens, cuja implementação poderia lhes prejudicar, então que se criasse um fundo do qual eles também participassem, para que eles entendessem que também poderiam ganhar.
A alienação das universidades brasileiras da vida prática nacional também deve ser computada como um dos erros políticos que nos levaram ao golpe.
O problema da crise política nos parece particularmente grave porque ela parece ter nos roubado também a esperança.
A grande imprensa nacional não consegue esconder mais que exerce, descaradamente, a função de segurança armada de um regime autoritário e golpista.
Agora, é preciso entender que o núcleo do golpe não é o governo Temer. Por isso, de nada adianta tirá-lo de lá, e por isso este é um golpe tão difícil de vencer.
O núcleo do golpe são as castas burocráticas, de um lado, e os grupos de mídia, de outro.
Para tomar o poder, não é preciso ter apoio da maioria do país. Basta ser o mais forte dentre os grupos que disputam o poder.
A participação internacional no golpe vem através de sua relação com essas duas forças: com as castas burocráticas, em especial o setor jurídico (MP, PF e Judiciário), via acordos de cooperação internacional; e com a mídia, via agências de publicidade, hoje um setor inteiramente dominado pelos Estados Unidos.
A luta contra o golpe demandará, portanto, a construção de uma estratégia de inteligência que vai muito além de vitórias eleitorais. Não adianta eleger Lula sem derrotar, por exemplo, as castas burocráticas, porque elas não o deixarão governar. TCU, TSE, MP, Judiciário, todos se unirão para impedi-lo.
O TCU não aprovará as contas de Lula. O TSE tentará incansavelmente cassá-lo. O MP multiplicará os indiciamentos. O Judiciário aceitará qualquer liminar impedindo-o de governar. São coisas que já viraram rotina nos últimos anos.
Para derrotar o regime autoritário instalado hoje no país, a populaçao precisará, portanto, derrotar as castas burocráticas, o que talvez seja um desafio muito maior do que foi derrotar a ditadura militar.
A coesão das castas em torno do mesmo objetivo, a saber, consolidar o golpe e cassar Lula, é impressionante. TCU, Receita, MP, Judiciário, todos os mandarins se uniram para destruir aquele que, hoje, representa a democracia.
Lula não é perfeito. Não é um Deus. Não sei se é o melhor candidato para 2018. Parte dos problemas que vivemos hoje deriva de seus erros: dos ministros do STF que ele indicou, todos covardes, traíras ou ambos; da covardia ao lidar com o problema de comunicação; da estupidez de não criar estruturas de inteligência estratégica que permitissem a Dilma encontrar saídas para o golpe.
Lula, ao passar a faixa presidencial à sucessora, entregou-a às feras, sem nenhuma estrutura de defesa política e foi dar suas palestras.
A própria escolha de Dilma foi um erro trágico de Lula, porque, apesar da inegável integridade e honestidade da presidenta, ela jamais possuiu as virtudes necessárias para enfrentar os desafios de governar o Brasil. Assim que entrou no governo, para lembrarmos apenas de um erro de Dilma, ela abraçou a Globo de uma maneira quase criminosa, se pensarmos no que a Globo representava em termos de perigo para o regime democrático.
Não me eximo de culpa também. Embora não tenha ilusão de que o golpe poderia ter sido vencido se tivesse escrito melhores artigos, e tampouco pense que ele será vencido no futuro com posts em blogs, eu certamente poderia ter trabalhado mais.
O golpe não será derrotado, igualmente, por nenhum tipo de coitadismo.
Para vencê-lo, precisaremos reconstruir as nossas estratégias do zero. Como nos organizar, como nos financiar, como evitarmos em cair nas infinitas armadilhas que qualquer organização política produz.
Como escaparemos de uma repressão que, justamente por vir de um regime que se finge democrático, é às vezes mais perigosa que aquela imposta por uma ditadura escancarada?
Já está claro, por exemplo, que o novo regime autoritário é bem mais inteligente que a ditadura militar, por entender que não adianta “prender” o adversário. Muito mais importante é destruir-lhe moralmente.
Não é uma estratégia nova. Ao contrário, é a estratégia mais antiga dos regimes autoritários, mas ela só é eficiente se o regime conseguir disfarçar o seu autoritarismo.
Aí entra a figura do juiz justiceiro. Ela representa todos os anseios daqueles que pediam “intervenção militar”, sem o inconveniente de passar a imagem, obviamente desastrada, de um regime político não-democrático.
Então, se derrotar as castas burocráticas é, naturalmente, uma missão impossível, muito mais difícil do que derrubar um regime militar, o que fazer em 2017?
A pergunta nos leva ao segundo grande desafio que terá de ser enfrentado na luta contra o golpe: mudar a cultura política.
Este é um processo que levará anos, mas que devemos iniciar já, e para o qual podemos construir inúmeras pequenas e importantes vitórias no curto e médio prazo.
Não ter consciência da importância de se mudar a cultura política foi talvez o maior erro do governo Dilma. Sempre que ele entendia não ser possível vencer uma batalha parlamentar, ele ignorava a possiblidade de avançar, ao menos, no campo da cultura política. Aparentemente, o governo parecia desprezar, e isso só se explica por uma profunda estupidez, a batalha, muito mais singela, e muito mais fácil de ser travada, da opinião pública. Essa batalha não produz apenas vencedores e derrotados, porque as derrotas e vitórias se dividem em miríades de subgrupos. Pode-se perder a batalha geral sobre um tema jurídico, por exemplo, mas se ganhar junto à comunidade jurídica, ou a um subgrupo específico da comunidade jurídica.
Se o governo entendia que não não havia correlação de forças para se implementar uma regulamentação da mídia no congresso nacional, então que ao menos levasse a batalha para a sociedade. O abandono de todas as lutas políticas foi fatal para o governo, porque gerou um imenso desprezo e indiferença junto ao próprio eleitorado progressista. As pessoas entendem e perdoam as derrotas políticas. O que as pessoas não entendem e não perdoam é a covardia de quem se recusa a lutar. Em se tratando de um governo cuja vitória custou tanto esforço, um governo tocado por profissionais da política cuja função, regiamente paga pelos impostos, era levar adiante a luta política, essa indiferença pelas batalhas políticas gerou um desencanto e uma perplexidade que duram até hoje.
Na minha opinião, portanto, nossa estratégia para vencer o golpe deve focar na mudança da cultura política. Essa é uma guerra de muitas batalhas, muitas das quais inclusive temos vencido nos últimos meses.
O que significa “mudar a cultura política”? Do meu ponto-de-vista, isso significa criar uma nova cultura política, mais democrática, humanista, solidária.
Como deve ser, por exemplo, o nosso sistema eleitoral? Os eleitores não deveriam ter o direito de assistirem debates, em horário nobre, entre os candidatos? Por que concessões públicas, que vivem às custas do erário, só permitem debates, mesmo em ano de eleições presidenciais, em horários incompatíveis com o tempo livre da maioria da classe trabalhadora?
Para isso ser possível, porém, é preciso informação, conhecimento, pesquisa e debate. No campo da comunicação, é um absurdo a pobreza de estudos comparativos, que nos permitam entender melhor até que ponto somos vítimas de uma máquina brutal de manipulação. Como é a regulamentação da mídia nos Estados Unidos, na Europa?
O livro de campanha de Bernie Sanders, o candidato democrata que, segundo tantos analistas, poderia ter vencido Trump, tem um capítulo inteiramente dedicado à denúncia da concentração da mídia nos Estados Unidos e o perigo que isso representa à democracia. Evidentemente, a mídia brasileira, incluindo aí todos os funcionários da Globo que apoiaram Sanders, nunca tocou nesse ponto. Mas a esquerda brasileira organizada deveria tê-lo feito!
É decepcionante que as lideranças políticas brasileiras, e vimos isso nas últimas eleições municipais, não entendam essa tema como estratégico. Mas não podemos, naturalmente, nos limitar à questão eleitoral. Esse tema é muito mais importante que eleições, porque ele é anterior. Ele determina as eleições. Ele é determinante, pelo mesmo motivo, para qualquer reforma política, porque como será possível produzir um debate minimante plural se as concessões públicas de rádio e tv são controladas por um cartel dominado por uma só família de bilionários?
Os “think-tanks” dos principais partidos políticos progressistas, como a Perseu Abramo (PT) e o Grabois (PCdoB), se tornaram inúteis cabides de emprego, sem nenhum compromisso com a construção de novas estratégias políticas. Para se ter uma ideia, o principal esforço de comunicação da Perseu Abramo parece ser a produção de um boletim econômico de 1 página, que repete, ipsis literis, texto e gráfico da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Isso também explica porque houve o golpe. A única coisa interessante no portal da Abramo é o livro de Maria Luiza Quaresma Tonelli, sobre a judicialização da política.
A Fundação Maurício Grabois, do PCdoB, tem um excelente portal, mas que nunca se preocupou em divulgar em lugar nenhum. Sua preocupação, porém, não parece ser as agruras do dia. A manchete do site é “100 anos da revolução russa”.
O que me espanta, sobretudo na Abramo, é seu provincianismo radical. Não se procura novos autores. A esquerda tem milhares de intelectuais em todo o país, todos ansiosos para colaborar, mas a Abramo só vê espaço para a publicação das mesmas figuras de sempre. E dá-lhe overdose de vermelho e estrelinhas, como se fosse preciso provar o tempo inteiro que é um site do PT, para o PT, voltado exclusivamente para o público petista. É a mesma lógica da criação da “Agência PT”.
O “think tank” do PSOL, a Fundação Lauro Campos, não tem site.
Enquanto isso, o MBL organiza congresso, com presença de ministros do STF (Gilmar Mendes), e o Instituto Millenium tem um site atualizado com vídeos, áudios e entrevistas, abordando sempre as polêmicas atuais.
Feliz 2017 para todos e que o próximo ano nos dê energia e saúde para continuar a nossa luta por um Brasil mais democrático e mais livre!

No  El  País,  pesquisa  mostra

que controle ideológico no MP

começa cedo

   control
Quem acha que o Ministério Público vive numa redoma de pureza política e independência  ideológica deve ler a pesquisa, publicada pelo El País(LEIA AQUI), sobre os mecanismos – mais que de controle -de conformação conservadora aplicados sobre os procuradores, realizado pela Conectas, uma organização de Direitos Humanos com 15 anos de existência e acreditada  com  status consultivo pela ONU.
Em reportagem de Daniel Mello e Eliane Gonçalves, da Agência Pública, ela revela como se forma o perfil e os cordéis de controle político que conduzem o movimento conservador dos integrantes do Ministério Público de São Paulo e os cordéis de controle  político que, certamente, ajudam a explicar as escandalosas diferenças de tratamento que lá receberam, por exemplo, a tosca manifestação dos procuradores-patetas no caso do apartamento que teimam em atribuir a Lula e a dormência que marca a apuração dos desvios bilionários do cartel dos trens.
A (de)formação doutrinária , segundo a professora da Faculdade de Direito da USP Evorah Cardoso, começa desde o  período probatório, quando o promotor ainda não tem estabilidade:
” Os promotores novatos precisam enviar relatórios mensais de suas atividades: denúncias realizadas, recursos impetrados, justificativas para processos arquivados. Os relatórios são analisados e o corregedor e seus assistentes atribuem a eles os conceitos ótimo, bom, regular e insuficiente, como um boletim escolar. Rafael Custódio, um dos responsáveis pela pesquisa da Conectas, compara essa estrutura a uma “espécie de Big Brother” que dita o caminho a ser trilhado. “Não está monitorando se o promotor foi pego dirigindo alcoolizado ou se está ganhando dinheiro fora da lei. Está monitorando o teor das manifestações. Esse monitoramento é ilegal. É perigoso. [O promotor] Não tem mais que agir conforme sua cabeça, mas agir pensando no que a corregedoria vai ver.”
Desse modo, os promotores são influenciados, segundo Evorah, a adotar um modo de agir ligado a valores e ideias mais conservadoras e punitivistas, do ponto de vista penal. “
Quem não reza pela “cartilha” vai para a margem. Vira, neste caso, “marginal”, como define a sua situação o promotor Antonio Alberto Machado, que foi para o “desvio” por, segundo ele, “encher a Promotoria de pobre” e defender os direitos sociais:
Como é a vida do promotor que não se alinha ao pensamento hegemônico da instituição?
É uma vida marginal. Marginal no sentido de que você está à margem da ideologia oficial, hegemônica.
Ser marginal tem impacto na carreira?
 Eu tive. Eu fui preterido por oito anos, por exemplo. Fui processado [pela Corregedoria do MP] três vezes.
Preterido como?
Eu não era promovido. Fiquei em Sertãozinho [município de 120 mil habitantes, na região metropolitana de Ribeirão Preto] por oito anos. Muitos promotores que entraram depois de mim na carreira chegaram em Ribeirão Preto muito primeiro que eu.
 Então a antiguidade não é o único critério de ascensão na carreira? Não caminha sozinha?
 Não, não caminha. Ela caminha também por merecimento.
E como se julga o merecimento?
 Merecimento é relacionamento.
Imperdível a matéria, que mostra ainda o troca-troca entre posições no Ministério Público e no Executivo paulista, revelando, segundo um dos pesquisadores, como “o governador gosta dos procuradores”.
A recíproca é verdadeira.

Surreal: Políticos corruptos de São Paulo

na cruzada anticorrupção...

MBL, organização de picaretas,

heróis  com  pés  de  barro       

Documentos exclusivos revelam patrimônio obscuro e ligações de políticos corruptos com líderes de protestos contra Dilma e o PT...

Henrique Beirangê                  CartaCapital

 Movimento Brasil Livre

Um dos protagonistas das manifestações pró-impeachment, o Movimento Brasil Livre ganhou fama e, soube-se recentemente, dinheiro. Em uma mobilização formada majoritariamente por cidadãos brancos e acima dos 50 anos, os integrantes do MBL tornaram-se símbolos de uma nova geração “apartidária, ética e politizada”. O viés antiesquerdista e antipetista tornou os jovens ainda mais simpáticos à direita ansiosa em retomar o poder no Brasil.
Nos últimos tempos, acumulam-se evidências de que os integrantes do MBL não são exatamente os heróis emulados por uma parte da mídia. Estão longe de ser apartidários (um de seus líderes admitiu que o grupo recebeu apoio financeiro do PSDB, partido mais interessado em derrubar a presidenta Dilma Rousseff) ou mesmo ético.
Resultado de imagem para Foto de Kim  Kataguiri
Kim Kataguiri, agora 'colunista' da Folha/SP
Uma investigação de CartaCapital na cidade de origem do movimento, Vinhedo, de 70 mil habitantes na região metropolitana de Campinas (SP), revela que no próprio quintal a turma do MBL não hesita em adotar as velhas práticas criticadas nas manifestações “contra a corrupção”
Resultado de imagem para Foto de Holiday, vereador eleito de SP
Fernando Holiday, o 'negro de direita',
 eleito vereador em São Paulo, capital
 do neofascismo no Brasil
Em Vinhedo, a origem do MBL confunde-se com o poder do ex-prefeito Milton Serafim, do PTB. Eleito quatro vezes para comandar a cidade, Serafim acabou condenado a 32 anos de prisão por receber propina em troca da facilitação de licenças de loteamentos.

De acordo com o Tribunal de Contas de São Paulo, até mesmo a famosa festa da uva da cidade apresentou diferença na prestação de contas de gastos da prefeitura sob sua gestão. Em 2002, dos 162 mil reais gastos, apenas 41 mil tiveram as despesas comprovadas.

As falcatruas, segundo a Justiça, não param por aí.

Em abril deste ano, Serafim também foi condenado por envolvimento com a máfia dos sanguessugas. O esquema retirou cerca de 110 milhões de reais dos cofres públicos em desvios de recursos da compra de ambulâncias. Na conta, mais dois anos de prisão. Assim como em todas as acusações das quais é alvo, o ex-prefeito se diz inocente e objeto de perseguições. 
O petebista recorre em liberdade da condenação por recebimento de propinas na liberação de loteamentos na cidade, mas se viu obrigado a renunciar à prefeitura em 2014. Quem assumiu o comando foi o vice, Jaime Cruz, do PSDB. Cruz nunca escondeu sua amizade de longa data com Serafim. Em um vídeo daquele ano, afirma que o ex-prefeito “sempre será um homem livre para nos comandar”. 
O tucano parece entender bem a situação do petebista. No início deste ano, Cruz foi acusado de participação num esquema de superfaturamento da merenda escolar na cidade. Imagina-se que o MBL, combatente da corrupção, denuncie os desmandos de Serafim e Cruz, certo? Errado.
Renan Santos
Renan Santos, alvo de dezenas
 de processos na Justiça
O atual prefeito tem o apoio fiel de dois fundadores do movimento, os irmãos Renan(foto), coordenador nacional, e Alexandre Santos. A dupla costuma frequentar a Câmara de Vereadores não para pedir investigações a respeito do tucano e de seu antecessor, mas para ameaçar os parlamentares de oposição.
Chegaram ao ponto de insultos a quem denuncia qualquer aliado da atual administração. Renan Santos aparece em várias fotos ao lado de Cruz e do prefeito condenado. 
A Justiça Federal chegou a determinar o bloqueio de bens do prefeito, frequentemente fotografado com integrantes da Juventude do PSDB. Na liminar, o juiz Renato Camargo Nigro afirma: “E mesmo que não fosse assim, celebrar contratos com até 411% de sobrepreço para a aquisição de bens (gêneros alimentícios), neste primeiro momento tem-se que não há como falar em mera inépcia administrativa”.
E prossegue: “Há no caso indícios veementes de frustração à licitude do processo licitatório, mediante o direcionamento do certame (...) ao que indicam os elementos dos autos, por ora, vislumbra-se haver má-fé, dolo, vontade livre e consciente de angariar vantagens indevidas em detrimento do bem público”. 

Documento
Dono de jornal apoiador do MBL é preso com drogas;
pai de Rubinho, denunciado pelo MP

Quando era secretário de Educação e ocupava a pasta-alvo da investigação, Cruz saiu em defesa das compras que, segundo o MP, deu prejuízo de ao menos 17 milhões aos cofres municipais. Durante sessão na Câmara de Vereadores, alegou que o objetivo da reformulação do cardápio foi dar “qualidade às refeições das nossas crianças”.
Outro integrante do grupo é Rubinho Nunes, filho do vereador Rubens Nunes, denunciado por venda de produtos falsificados em 2000. 

Recentemente, Nunes pai comprou um terreno de 250 metros quadrados em um dos condomínios mais caros da cidade.

Declarou ter pago 100mil reais. Ergueu no terreno uma casa imponente. Segundo corretores da região, o imóvel custa ao menos 1 milhão de reais. O vereador não mora no local. Pelo menos é o que dizem registros oficiais na Câmara de Vinhedo. Sua residência fica em outro condomínio fechado da cidade.
Em meio à crise econômica, Nunes pai prosperou. Em 2012, havia declarado à Justiça Eleitoral um patrimônio de 220 mil reais. Antes de se tornar presidente da Câmara local, o político vivia em uma casa simples no bairro Três Irmãos.                                                          

Na declaração ao TRE, algumas informações prestadas do patrimônio já chamavam a atenção. Informados como prédios residenciais, dois dos imóveis estão listados nos valores de 20 mil e 80 mil reais, embora um deles localizados em área nobre da cidade.
A ligação do vereador com os líderes do MBL rendeu até mesmo homenagens na Câmara. Nunes assinou uma moção de aplausos ao grupo, pedindo que o coordenador nacional, Renan Santos, fosse comunicado da ação no Legislativo local. 
Enquanto isso, Nunes filho é um dos militantes mais ativos do MBL. Advogado, lançou sua candidatura à prefeitura da cidade pelo PMDB e costuma ser bem atuante nas redes sociais. Fã do ex-candidato a presidente da República Enéas Carneiro, defensor da aquisição de armas nucleares pelo Brasil, teve de prestar depoimento a respeito do comportamento do grupo na internet.
Por conta de suas declarações e das postagens ofensivas do movimento, foi convidado a depor na CPI dos Crimes Cibernéticos. No interrogatório, mostrou-se indignado com o convite: “A CPI tem de ir atrás é de estelionatários”. Uma pergunta do deputado Jean Willys, do PSOL, parece, no entanto, ter incomodado o militante do MBL.
O parlamentar quis saber se ele era sócio de José Luiz Gugelmin, autor de um pedido de cassação de vereadores da cidade que investigam a atual administração. Nunes filho negou: “Desafio qualquer pessoa a mostrar que somos ou fomos sócios”. 
Não foi difícil comprovar a relação. A Wayback Machine é uma ferramenta criada para recuperar dados apagados da internet. Entre 2008 e 2013, mostra o rastreamento, Nunes filho foi sócio do escritório Francisco Carvalho Advogados. Gugelmin figura no mesmo quadro societário até 2012.
Enquanto Nunes filho tenta promover os aliados políticos do pai acusados de corrupção, Renan Santos, o irmão e familiares especializaram-se em negócios estranhos. As empresas da família respondem a uma série de ações judiciais. A atividade de alguns desses empreendimentos chama a atenção.
Rubinho Nunes
Santos, enrolado com o Fisco, Holiday, que diz ter orgulho de ser 'negro de direita',
Kataguiri, o 'articulista' da Folha, e Rubinho Nunes em candidatura a prefeito pelo PMDB
A Portex Comércio de Esquadrias de Metal, anteriormente chamada Braido Silva e Filhos Ltda. e ainda RDC Solutions Comercial LTDA., e também Pereira e Marcondes Ltda, oferece uma gama de serviços. Sediada em Jundiaí, cidade próxima a Vinhedo, a companhia continua com registro ativo na Receita Federal. 
Segundo a Junta Comercial, a Portex presta serviços de incorporação de empreendimentos imobiliários, comércio de produtos siderúrgicos e atacadista de materiais de construção. Embora atue em tantos segmentos, a sede fica em um imóvel servido por uma portinhola.
Na entrada, um cartaz pede para a correspondência ser entregue em um modesto bazar ao lado. Renan deixou a sociedade e Alexandre é o principal sócio de um empreendimento com capital de 400 mil reais. No bazar, ninguém soube dizer quem são os irmãos. “Nem conheço. Sempre tá fechado. Empresa dentro da casa, só se for.” 
As sucessivas mudanças no quadro societário também despertam a atenção. Uma das parceiras, até 2012, foi a RSA Administradora de Bens LTDA. Com endereço em uma cidade pobre do interior da Bahia, Simões Filho, a empresa está registrada em uma rua na qual nada mais há do que casas humildes. Em Simões Filho, ninguém nunca ouviu falar da RSA ou dos irmãos Santos.
Eles operam e entendem de várias áreas no amontoado de empresas que coordenam. Lâmpadas, materiais elétricos, viagens, turismo, distribuição e logística, esquadrias e materiais metálicos, estamparia, metalurgia, filmagens, construção civil, panificadora, engenharia etc. 
A trajetória obscura dos negócios dos irmãos não fica nada a dever ao nascimento do MBL. Em 2014, cerca de dez jovens deram início a um movimento chamado “Renova Vinhedo”. Abraçados a “novas bandeiras”, apresentavam-se como “jovens e em geral fora da política”, que traziam “soluções mais modernas e de outros países”. Assim Renan Santos apresentou em vídeo o “Renova Vinhedo”.
Quanta mudança. Recentemente, o coordenador nacional do MBL foi flagrado em um áudio no qual admite que o movimento recebeu dinheiro do PSDB, PMDB, DEM e Solidariedade, todos com integrantes envolvidos na Lava Jato, para organizar manifestações contra Dilma Rousseff e o PT. 
PMDB e MBL
PMDB e MBL, de mãos dadas contra a corrupção
Os irmãos Santos foram filiados ao PSDB até março de 2015. Vivem em uma ampla casa, em terreno de mil metros quadrados, no Condomínio Estância Marambaia. Segundo a escritura, a propriedade está no nome de Stephanie Liporacci Ferreira dos Santos, irmã de Renan, que vive na Alemanha.
Na escritura, o imóvel é avaliado em 860 mil reais, muito abaixo do valor estimado por corretores locais: entre 1,5 milhão e 4 milhões de reais. Coincidência ou não, parte das contribuições ao MBL é destinada a uma conta de Stephanie Santos, conforme reportagem do portal UOL. 
Na defesa do ex-prefeito Serafim unem-se os integrantes do MBL e políticos do PSDB. Um dos mais ativos defensores do impeachment e coordenador da campanha presidencial de Aécio Neves em 2014, o deputado federal Carlos Sampaio defendeu em vídeo o ex-prefeito.
Promotor de carreira, Sampaio afirma na gravação que as acusações contra o petebista são “perseguições injustas” e diz ter “muito orgulho de ser seu amigo”. Também aproveita para agradecer a Cruz, o atual prefeito, por sua “lealdade”.
Em outro vídeo, durante uma das manifestações em frente ao Masp, na Avenida Paulista, a favor do impeachment, aparece ao lado de Renan Santos e Rubinho Nunes aos berros: “Chega de roubalheira”. 
Os militantes 'apartidários' do MBL não se recusaram a subir recentemente em um palanque do PMDB em Vinhedo. O presidente interino Michel Temer, acusado de receber propina do esquema da Petrobras, até mesmo aparece em um vídeo.
No evento, notáveis do movimento compareceram, entre eles Kim Kataguiri e Fernando Holiday. No mesmo palanque, o deputado federal Fernando Marchezan, denunciado por difamação contra um promotor de Justiça, conclama a militância do PMDB.
Na plateia figuravam outros envolvidos com a Justiça. Destaque para Alexandre Tasca, ex-secretário de Serafim, condenado a 21 anos de prisão (recorre em liberdade) por envolvimento no esquema. 
Arquivo
Dados apagados de site revelam que líder do grupo mentiu na CPI
Rubinho também é próximo ao senador Aécio Neves, citado cinco vezes por cinco delatores na Lava Jato. O coordenador do MBL aparece em várias fotos com o parlamentar e, inclusive, fez a “escolta” na Avenida Paulista para o senador na última manifestação pelo impeachment em 13 de março.
Em um vídeo ao qual a revista teve acesso, Rubinho faz o abre alas para o senador, enquanto Aécio tenta escapar das vaias na avenida. Curiosamente, as páginas do MBL nas redes sociais, as mesmas que fazem postagens sucessivas de suas ações políticas contra a “malversação do dinheiro público”, não registraram o evento do PMDB em Vinhedo. 
Na cidade, a mídia, como em outras partes do País, refere-se ao movimento de forma elogiosa. Um jornal local faz extensa cobertura das iniciativas do MBL. Rubinho Nunes costuma advogar para o periódico e é amigo do fundador da empresa jornalística.
O semanário é acusado em diversas ações de difamação contra políticos que se opõem à atual administração. Um site foi criado, chamado “falsojornalismo.com”, para denunciar as práticas da mídia local.
"Apartidários"
Apoio de Serafim e Carlos Sampaio. Casa de Renan Santos vale ao menos 1,5 milhão de reais. Na escritura, pouco mais da metade
O fundador do jornal, Juliano Gasparini, é acusado de chantagear políticos com reportagens depreciativas e foi condenado por difamar o promotor responsável por investigar a quadrilha de Serafim na cidade. Recentemente foi detido com cocaína, mas declarou ser “alvo de perseguição”. 
Rafael Carvalho, ex-sócio de Nunes filho, é ativo militante do MBL. Foi diretor-jurídico da Câmara Municipal de Vinhedo e lançou pré-candidatura à prefeitura pelo PSDB. Crítico contumaz da corrupção nas redes sociais, curiosamente deu um parecer jurídico contrário a uma lei da Ficha Limpa para a administração municipal, em 2012, quando dirigia o órgão jurídico do Legislativo local.
Na manifestação, disse que se baseava em pareceres jurídicos contrários à proposta. O projeto previa restrições na contratação, na prefeitura e na Câmara, de indivíduos com condenações transitadas em julgado.
Apesar da contrariedade do Jurídico, a proposta foi aprovada pelo plenário da Câmara Municipal. Ao mesmo tempo, o advogado, nas redes sociais, orgulha-se de possuir fotos empunhando um boneco “Pixuleco” e se apresenta como organizador do MBL em Vinhedo, contra a corrupção.
CartaCapital conversou com Rubinho Nunes por telefone. No primeiro contato, na quarta-feira 15, disse que não poderia responder aos questionamentos da reportagem em razão de compromissos políticos, mas que se manifestaria no dia seguinte e repassaria os questionamentos a todos os integrantes do MBL.
Em novo contato no dia seguinte, um assessor atendeu seu celular e informou que o pré-candidato estava em uma série de compromissos e que retornaria as ligações. A reportagem entrou também em contato com seu escritório profissional, mas também não obteve respostas. 
Família
Rubinho e Renan, ombro a ombro com aliados de Serafim, condenado.
Abaixo, Rubinho, a família e os prefeitos acusados de desvios


(*) Reportagem publicada originalmente na edição 905 de CartaCapital, com o título "Heróis com pés de barro"