sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Teori suspende operação do “juizeco de Renan” e avoca caso(das varrudas do Senado) para o STF

O Ministro Teori Zavascki fez o óbvio.
Suspendeu a  Operação Métis, na qual a Polícia Federal invadiu o Senado na semana passada, e retirou o processo da 10ª Vara Federal do DF, levando-o para o STF.
A invasão de competência do juiz Vallisney de Souza Oliveira é tão evidente que custa a crer tenha sido praticada por alguém que é juiz de direito e professor universitário.
O absurdo pode ser provado em uma simples equação de frases.
Para que as varreduras nos gabinetes e casas de senadores fossem uma obstrução à Justiça seria preciso que fossem feitas com o objetivo de descobrir escutas legalmente autorizadas sobre eles.
Se a escuta é legalmente autorizada, só quem pode autoriza-las é o STF e todos os que as autorizam e realizam estão sujeitos ao mais absoluto sigilo funcional.
Logo, o juiz Vallisney não poderia saber de sua existência.
Não se vai imaginar que havia escutas autorizadas e que ele sabia, porque assim ele estaria sendo cúmplicie de um crime, o de quebra de sigilo judicial.
Simples assim.
Mas a Doutora Carmem Lúcia, tomou, sem ressalvas, as dores do doutor que foi chamado de “juizeco” pelo presidente do Senado.
E as instituições entraram em pé de guerra.
E agora, que Teori mostrou, com um ato, que há razão na reclamação de Renan?
Espera-se que a Doutora Carmem Lúcia não o chame de “ministreco”, não é?
Mas os lobos, nas redes sociais, já o estão fazendo.
E se a atitude de usurpação de competência do magistrado – pois é este o caso, em tese – for parar no CNJ, a Doutora Carmem poderá ser imparcial, se tomou sua defesa de público, com palavras as mais duras?
O Doutor Vallisney é um homem muito importante, não se esqueçam.
Sob sua 'elevada prudência', seu 'descortínio jurídico' e seu 'equilíbrio nas decisões' está seu réu, Lula, numa ação que, para variar, tem um caminhão de convicções e nem um dedal de provas.

Xadrez dos impasses

do governo Temer    


Luis Nassif                           


Peça 1 – a guerra dos vencedores

O golpe teve dois movimentos.
No primeiro, bastou um governo inerte e um movimento de manipulação da opinião pública para criar a figura do inimigo. Não havia riscos em afrontar o poder e havia as vantagens de se alinhar ao bloco dos vencedores.
Houve uma debandada geral do navio petista e dilmista, de parlamentares aliados a magistrados, de autoridades que ascenderam nas ondas do lulismo a petistas arrependidos.
Foi uma celebração que reuniu a malta da Câmara aos PhDs do Ministério Público, dos torquemadas da Lava Jato aos bruxos do Senado, que permitiu um exercício amplo da hipocrisia, com os presidenciáveis do PSDB propondo a fogueira aos adversários do PT, pelos mesmos pecados que ambos praticaram, enquanto Ministros do Supremo e o Procurador Geral se confraternizavam no meio da turba, agraciados com placas moldadas em chumbo quente e selfies apontando-os como salvadores da honra nacional.
O grande porre da hipocrisia nacional chegou ao fim. Agora, entra-se no segundo tempo.

Peça 2 – os agentes (não) moderadores

Perpetrado o maior ato de subversão da moderna história do país – a deposição por motivo fútil de uma presidente eleita – romperam-se os cordões do equilíbrio institucional, tanto nas relações entre os poderes, como na própria disciplina interna de cada poder.
Tem-se agora, uma guerra intestina, entre e intra-poderes, com poucos agentes moderadores.

O STF

Deflagrada esta semana, a Operação Métis – que deteve policiais do Senado que estavam fazendo varreduras em casa de senadores – é um fenômeno típico da desordem institucional do país. Os policiais cumpriam ordens. Os mandantes eram senadores, mais que isso, o próprio presidente do Senado. Qualquer intervenção teria que ter a autorização expressa do Supremo.
Em vez disso, um juiz de 1ª instância autorizou a prisão dos funcionários do Senado, com a mesma sem-cerimônia com que PMs invadem bares de São Paulo e Rio para espancar clientes.
O mais grave da história não foi o explícito abuso de autoridade, mas a defesa do juiz pela presidente do Supremo, Carmen Lúcia. Ficou-se à beira de uma crise institucional, corrigida a tempo pela decisão do Ministro Teori Zavascki de segurar a operação e, por vias indiretas, enquadrar a presidente.
O episódio confirma a falta de noção de Carmen Lúcia. E fornece sinais claros sobre sua estratégia.
Não será um agente da paz e da concórdia, mas um instrumento para acirrar a guerra política.
Ela tem lado – o de Aécio Neves – e uma vontade imensa de exercer o mando e o protagonismo político, inversamente proporcional ao seu conhecimento das estruturas de poder. Seu trabalho consistirá em enfraquecer os aliados peemedebistas e investir contra o governador mineiro Fernando Pimentel.
Portanto, tem-se na presidente do Supremo um ponto de instabilidade.

A Lava Jato e o PGR

Dia desses, um investigador da PF ousou dar uma entrevista e imediatamente foi enquadrado pelo comando. A PF tem lado, mas tem comando.
Já o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot tornou-se um ponto morto. Em dias distantes, ousou confrontar a Lava Jato, recebeu de volta a ameaça de demissão coletiva e definitivamente refugou.
Hoje em dia, é incapaz, sequer, de responder aos ataques que a instituição recebe do Ministro Gilmar Mendes. Quem fala pelo Ministério Público Federal é o procurador Carlos Fernando Santos Lima. É ele que investe contra os que tentam enfraquecer o MPF e a Lava Jato.
A falta de comando de Janot será crucial quando se ingressar na guerra mundial que se avizinha.

A Polícia Federal

A Operação Acrônimo, em Minas Gerais, é um abuso de poder e uma politização da PF mais grave que a própria Lava Jato. É toda baseada em um marqueteiro suspeito, o tal de Bené. Um dia, a PF detém  Bené e solta trechos da sua delação. Depois, solta o Bené. Mais tarde, prende de novo o Bené para novas averiguações e novas manchetes. É um movimento contínuo de marola, com o único intuito de impedir o governador de governar.
O caso Bené é elucidativo. Montou-se a operação em pleno segundo turno das eleições. Pimentel já estava eleito, mas se pensava em influenciar a campanha para presidente.  Ele foi detido em um avião com uma pasta com algum dinheiro. Bastou para se tentar tirar o mandato de um governador eleito. Na mesma época, descobriu-se um helicóptero com 500 quilos de cocaína – de propriedade de um senador mineiro – e não resultou em nada.
Tentou-se o impeachment do governador através da operação. Uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) matou a tentativa. Por 8 x 6 os ministros decidiram que qualquer tentativa de processo teria que ter autorização da Assembleia Legislativa.
Na semana passada, o Estadão já deu o mote: o Supremo, pautado por Carmen Lúcia, poderá apreciar a decisão do STJ.

O Senado

Em que pese as denúncias contra ele, o presidente do Senado, Renan Calheiros, é um dos poucos agentes moderadores no quadro atual. Tem noção da relevância do cargo, da responsabilidade institucional, da importância de preservar o espaço de mediação Senado em meio ao tiroteio. Mas está vulnerável.

Peça 3 – os fatores de instabilidade

Esse quadro de poucos agentes moderadores, de mediocrização do alto comando institucional, torna mais perigosos os movimentos desestabilizadores.

1.     Lava Jato

Continuará tentando manter seu protagonismo político.
Até agora, os procuradores acreditavam que conseguiram romper a muralha que protegia a elite brasileira graças ao seu extraordinário trabalho (e a ajuda indispensável da cooperação internacional), com o apoio desinteressado da mídia.
Daqui para frente irão se confrontar com as verdadeiras estruturas de poder, o pacto tácito entre mídia, lideranças tucanas, a PGR e os Ministros mais combativos do STF. E perceberão a diferença entre bater em um governo inerte e investir contra o poder real.
Será um embate curioso.
Embora haja  uma clara tomada de posição de toda a Lava Jato contra Lula/PT e a favor do PSDB, a mina Lula está prestes a se esgotar. Para sobreviver, a Lava Jato terá que virar o disco. E virar o disco significará romper com o pacto de impunidade do PSDB.
Não é por outro motivo que Gilmar Mendes e seus blogueiros começaram a bater forte na operação e em Sérgio Moro.
Sempre haverá maneiras de procrastinar, valendo-se da estratégia padrão. Periodicamente, divulga-se uma denúncia ou outra contra um parlamentar aliado. Não permanece mais que um dia nos jornais. Procuradores e delegados tem o poder de controlar os fluxos seguintes de vazamentos, para uma mídia pouco propensa a dar espaço contra os seus. Depois, no âmbito do STF – para onde irão os acusados com foro privilegiado – a PGR poderá se valer do fator tempo de acordo com seus critérios. Bastará colocar mais gás em alguns processos que nos outros, para controlar os efeitos políticos.
Mesmo assim, a mega-delação da Odebrecht significa artilharia pesada a todos os frequentadores do saloon, em um momento em que a blindagem do PSDB passou a incomodar até a opinião a pública não alinhada.

2.     Economia andando de lado

O único fator capaz de legitimar a gestão Michel Temer seria uma eventual recuperação da economia. Mas não espere recuperação da economia com o governo Temer. Não existe nenhum fator de demanda no horizonte:
·       O aumento dos gastos fiscais não priorizou investimentos.
·       A política monetária do BC eleva de tal maneira a TIR (Taxa Interna de Retorno) para novos investimentos, que praticamente os inviabiliza.
·       A apreciação do câmbio inverteu novamente a balança comercial, desestimulando as exportações.
·       Para 2017 espera-se um aperto fiscal ainda maior, na véspera de um ano eleitoral.
·       A questão da segurança jurídica foi para o espaço tanto pela perda de legitimidade do governo Temer como pela atuação do MPF de criminalizar qualquer tipo de política pública e de contratos.
Virando o ano, ficará mais clara a incapacidade do governo Temer de virar o jogo econômico.

3.     A corrosão do governo Temer

Talvez o governo Temer entregue a PEC 241. Mas não vai entregar a reforma da Previdência. Todos os membros da camarilha que tomou o poder – incluindo o próprio Temer – estão nas delações da Odebrecht.
Além disso, Temer não possui a menor envergadura moral e política para articular um arranjo entre os poderes, que permita baixar a fervura política. É politicamente pequeno, desinformado, domina as mesóclises, mas não os rituais do cargo, e não tem envergadura para ser nem o líder político, nem o mediador com os demais poderes de que o momento necessita.

Peça 4 – o cenário imponderável

Está-se naqueles momentos de impasse, que abrem um leque enorme de possibilidades.
Tem-se, de um lado, centros difusos de poder, articulando-se, reorganizando-se, mas de maneira caótica, sem um fio condutor, sem uma liderança clara, com algumas peças sem nenhum controle, como o canhão solto no convés do navio – como é o caso da Lava Jato.
Movem-se em um cenário caótico, sem a presença de agentes moderadores, nem sequer de lideranças articuladoras.
Nesse terreno movediço, há duas variáveis chave: a delação da Odebrecht e o julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) da chapa Dilma-Temer.
Ambas são armas relevantes nas mãos de quem conseguir se articular melhor.
A eventual derrubada de Temer está condicionada aos seguintes fatores:
1.     Nenhum partido quer pegar o pepino de um governo provisório, a não ser no bojo de uma conspiração mais ampla, destinada a interromper as eleições de 2018.
2.     Por outro lado, a deterioração do governo Temer é uma ameaça geral. A desmoralização se acentuará com a não recuperação da economia, com os desmandos do seu ministério e com o aprofundamento do arrocho fiscal no próximo ano.
3.     Vive-se um caos institucional, no qual a presença de um presidente fraco não interessa a ninguém.
Há um conjunto de processos em andamento – conforme relatado em outro Xadrez -, como o maior protagonismo militar, mas ainda incipiente. Ainda não há um quadro maduro permitindo apostar todas as fichas em uma ou outra direção, embora ocorra um processo acelerado de deslegitimação de Temer.
Portanto, aos cenários que traço abaixo deve ser dado o devido desconto.
Cenário 1 – Temer se arrastando até 2018.
Cenário 2 – Temer sendo derrubado no TSE e sendo substituído por um presidente eleito indiretamente.
A eventual queda de Temer significaria o PMDB voltando ao seu papel de adjunto do poder. Mas dificilmente entraria um presidente alinhado com o PSDB, tanto pela herança pesada, como pelas divisões entre os tucanos e pelas resistências dos peemedebistas.
A hipótese de um tertius é a mais razoável.
Nesse caso, não deve ser menosprezada a alternativa Nelson Jobim, aventada recentemente. Tem senioridade, autoridade, preparo, transita bem por muitos setores.
A incógnita maior seria o conjunto de forças que o apoiaria e o perfil de seu governo: se se acomodaria a um governo de transição ou não.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

É ilógico que o Congresso fique sujeito a um juiz de 1ª instância, e não ao STF

Janio de Freitas                  
Resultado de imagem para Fotos de renan Calheiros
O esbravejar de associações de juízes e de procuradores contra um protesto do presidente do Senado não é, apenas, mais uma das tantas manifestações de corporativismo com que tais categorias se privilegiam. A reação desproporcional teve também a finalidade de depressa encobrir, com o barulho exaltado, uma ordem judicial vista como abusiva. É dar as costas à democracia.
Nem por ser quem é, Renan Calheiros está impedido de ter, vez ou outra, atitudes corretas. Se a forma como o faça for descabida, e no caso foi, não é o sentido da atitude que deve pagar. Mesmo porque, se falarmos em democracia, defender a soberania relativa do Congresso é tão democrático quanto invadi-lo policialmente não é.
Ainda não consta, embora não falte muito, que os cidadãos –quaisquer cidadãos –tenham perdido o direito de verificar se seus telefonemas, sua correspondência, sua casa e trabalho, enfim, sua intimidade, estão sendo violados. Mesmo a ordem judicial para a violação não cassa tal direito, pois se é desconhecida do vigiado. E não só por ordem judicial há violações à intimidade. É só constatá-lo nos anúncios de detetives particulares e seu instrumental de violações remuneradas.
É inesquecível o caso criado por Gilmar Mendes quando, gravado em telefonema no seu gabinete, acusou Lula de instaurar o estado policial. Um escarcéu. Nelson Jobim foi à Câmara, com prospectos de uma aparelhagem que o Exército comprara e, a seu ver, era a usada para gravar Mendes. Logo se viu que Jobim só mostrara o que era, de fato, uma propaganda na internet. E a gravação foi feita pelo próprio amigo telefônico a quem o ministro do Supremo pedira, para sua enteada, um emprego boca-rica no Senado.
Gravadores clandestinos do SNI foram encontrados por “varreduras” em muitos gabinetes da ditadura. Fernando Henrique foi gravado manipulando a “privatização” da Vale. Depois que Eduardo Cunha deixou a presidência da Telerj, evidências de gravações clandestinas tornaram-se epidêmicas no Rio. Até que foi descoberta, perto de uma instalação da FAB no centro, uma central onde foram presos um ex-técnico da Telerj e um sargento. Na Barra da Tijuca, foi localizada uma central chefiada por um coronel. Em São Paulo, usar apelidos e metáforas era frequente em muitos círculos. Nunca deixou de sê-lo por completo, mas mudou: agora é o permanente. A insegurança no país, pela bandidagem ou pelos novos poderes, torna as “varreduras” aconselháveis: hoje, até a palavra amigo é associada a crime.
Fazer “varredura” é ilegal? Não. Ou sim, desde que direitos, vários, ficaram à mercê do que pretenda um procurador ou um juiz das novas forças – poucos, ainda bem. A conclusão deles, de que “as ‘varreduras’ nas casas de três senadores e de um ex-presidente eram obstrução à Lava Jato”, carece de sentido. Ninguém está obrigado a se sujeitar à hipótese de que esteja com suas conversas sob gravação. Impedir de ter a intimidade violada clandestinamente não é obstrução ilegal. Além disso, nem houve obstrução prática, por falta do que fosse obstruível.
Grampo ilegal foi posto na cela de Alberto Youssef por policiais federais, em Curitiba. Alguns dos que faziam campanha nas redes contra Dilma e o PT e pró-Aécio, o que hoje se pode ver como uma das primeiras evidências da missão político-ideológica que tinham. Têm. Mas a gravação clandestina e a propaganda ficaram nisso mesmo: certas ilegalidades são mais legais do que a lei, a depender do policial, procurador ou juiz que as cometa.
Como disse a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, “cada vez que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido”. Sem ressalvas. Logo, não importa o que o juiz faça. Calheiros fez pequena agressão verbal ao juiz de primeira instância que mandou a PF apreender equipamentos do Senados e prender quatro da Polícia Legislativa.
Se um congressista só pode ser processado e julgado pelo Supremo, no mínimo é ilógico que o próprio Congresso fique sujeito a um juiz de primeira instância, e não a decisões do Supremo. Ainda mais se a ordem é de que a Polícia Federal, dependência do Executivo, arrebate bens patrimoniais do Poder Legislativo

Cristianismo,  comunismo

eleição  para  prefeito

do  Rio  de  Janeiro           

 
O segundo turno das eleições municipais no Rio de Janeiro apresenta um debate com repercussões para todo o Brasil sobre uma possível divergência entre o pensamento cristão e as ideias de esquerda. Segundo as diversas narrativas apresentadas, são proposituras irreconciliáveis. Será?
Em 1871, o anarquista Eugène Pottier, veterano da Comuna de Paris, escreveu um poema, mais tarde musicado por Pierre De Geyter, que tornou-se o lema de anarquistas, comunistas, socialistas e sociais-democratas de todo mundo, a Internacional. O poder de síntese dos versos dessa canção impressionam por manterem sua atualidade 145 anos depois. Uma mensagem que se assemelha a de um judeu rebelde que viveu dois mil anos atrás, um homem chamado Jesus, vindo de Nazaré.
Comunistas e cristãos discordam de muitas coisas no campo da filosofia, mas na ação prática são as vítimas da fome que movem sua luta por Justiça, por uma terra-mãe livre e comum. Se para uns é mais fácil um camelo passar num buraco de agulha que um rico entrar no Reino dos Céus, os outros insistem em lembrar que o crime do rico a lei o cobre, enquanto o Estado esmaga o oprimido. Ambos percebem uma sociedade onde não há direitos para o pobre, mas ao rico tudo é permitido. Compreendem também a necessidade de subverter esta sociedade.
Em Tiago (5,4), o autor conclama: “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que vocês retiveram com fraude, está clamando contra vocês. O lamento dos ceifeiros chegou aos ouvidos do Senhor dos Exércitos”.
No poema de Pottier se recorda e exige: “Abomináveis na grandeza / Os reis da mina e da fornalha / Edificaram a riqueza / Sobre o suor de quem trabalha / Todo o produto de quem sua / A corja rica o recolheu / Querendo que ela o restitua / O povo só quer o que é seu”. O amor ao próximo do cristão em nada difere da sociedade sem opressão, onde não haja direitos sem deveres nem deveres sem direitos, dos comunistas, afinal somos todos iguais.
As semelhanças entre as ideias cristãs e a hipótese comunista são maiores que muitos pensam. No Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, assim está estabelecido:
Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusai-nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar a imensa maioria da sociedade de toda propriedade.
Enquanto na encíclica papal Populorum Progressio, de Paulo VI, está escrito da seguinte forma:
‘Se alguém, gozando dos bens deste mundo, vir o seu irmão em necessidade e lhe fechar as entranhas, como permanece nele a caridade de Deus?’. Sabe-se com que insistência os Padres da Igreja determinaram qual deve ser a atitude daqueles que possuem em relação aos que estão em necessidade: ‘não dás da tua fortuna, assim afirma santo Ambrósio, ao seres generoso para com o pobre, tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos’. Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. Numa palavra, ‘o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos’. Surgindo algum conflito ‘entre os direitos privados e adquiridos e as exigências comunitárias primordiais’, é ao poder público que pertence ‘resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos sociais’. (…) O bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato da sua extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país.
Desta comunhão de pensamentos, devemos, independente da fé ou falta dela, nos empenharmos na construção de um outro modelo de sociedade, um modelo onde o bem-estar de todas as pessoas prevaleça sobre mesquinhos interesses individuais. Entretanto, vive-se hoje sob um padrão insustentável de produção, distribuição, acumulação e consumo, como o próprio Papa Francisco alerta na encíclica Laudato Si.
O poeta alemão Bertolt Brecht, em seu Elogio ao Revolucionário, nos traz o preciso par de versos, “pergunta a cada ideia: / serves a quem?”. Um debate que vale para qualquer campo teórico das chamadas ciências sociais. E aí devemos retornar ao Francisco, este papa tão incomum:
A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana (…) Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela intervenção humana. Além disso, quando se fala de biodiversidade, no máximo pensa-se nela como um reservatório de recursos econômicos que poderia ser explorado, mas não se considera seriamente o valor real das coisas, o seu significado para as pessoas e as culturas, os interesses e as necessidades dos pobres.
Dito isto, parece claro que não há divergência de fundo entre o pensamento do rebelde judeu de dois mil atrás e daqueles que tentam engendrar a hipótese comunista nos últimos dois séculos. E é exatamente porque mercadores da fé dizem trazer a palavra do Cristo sem compreender o Nazareno rebelde que pregava o amor que é fundamental que aqueles que têm sede de justiça fechem com Marcelo Freixo para prefeito do Rio de Janeiro.
Assim, podermos encarar o desafio proposto por Celso Furtado:
O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação num curto horizonte de tempo para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos. Devemos nos empenhar para que essa seja a tarefa maior dentre as que preocuparão os homens no correr do próximo século: estabelecer novas prioridades para a ação política em função de uma nova concepção do desenvolvimento, posto ao alcance de todos os povos e capaz de preservar o equilíbrio ecológico. O espantalho do subdesenvolvimento deve ser neutralizado. O principal objetivo da ação social deixaria de ser a reprodução dos padrões de consumo das minorias abastadas para ser a satisfação das necessidades fundamentais do conjunto da população e a educação concebida como desenvolvimento das potencialidades humanas nos planos ético, estético e da ação solidária. A criatividade humana, hoje orientada de forma obsessiva para a inovação técnica a serviço da acumulação econômica e do poder militar, seria reorientada para a busca do bem-estar coletivo, concebido este como a realização das potencialidades dos indivíduos e das comunidades vivendo solidariamente.


Os sete pecados capitais da PEC 241

O Brasil precisa de ajuste e regra fiscal, mas as normas são rigorosas e criam novos problemas...

Fábio Terra (*)                  

  PEC 241

Para não dizer que não falei de flores, começarei com elas. O único mérito da PEC 241 é colocar no horizonte o debate, absolutamente preciso, sobre regras de condução dos gastos públicos. Regimes fiscais são necessários; muito menos para se fazer ajuste fiscal e muito mais para se evitar que exista a necessidade de se fazê-los, entra ano, sai ano. 
É importante de partida lembrar, aliás, que no Brasil só acontecerá uma verdadeira reestruturação fiscal com as reformas tributária e do mercado de dívida pública (Selic) além do regramento dos gastos. Os problemas fiscais que enfrentamos não são apenas das despesas públicas, como querem (fazer) crer os propositores da PEC, mas perpassam os dois outros âmbitos mencionados. No mercado de dívida, inclusive, encontra-se boa parte do porquê as despesas públicas com juros serem tão elevadas no Brasil. 
Contudo, a proposta de um novo regime fiscal via PEC 241 centra-se apenas no regramento dos gastos públicos. Ademais, ainda que um ajuste fiscal efetivo seja necessário, a PEC está bastante longe de ser uma boa solução. Listo abaixo sete pecados que ela cometerá. 
1) Como a PEC estabelece que os gastos cresçam ao ritmo da inflação, para que um órgão da administração pública federal e seu funcionalismo tenha ganho real de dotação orçamentária, outro terá que perder. Isto é, em uma metáfora que usarei daqui em diante, o pé (necessidade) será maior do que o sapato (orçamento).
Inclusive, em tese, Saúde e Educação podem ter ganhos reais ao longo dos próximos 20 anos, mas com outras áreas perdendo recursos ou até mesmo se extinguindo. Logo, a PEC estabelece um conflito pela distribuição de recursos na União. Ademais, a PEC cria um irrealismo da relação entre o que a União pode gastar e o custo que ele terá para ofertar serviços públicos. Ou seja, o sapato será pequeno não apenas para dentro do serviço público, mas também dele para com os produtos que ele adquire do setor privado. 
2) Não obstante, o sapato menor do que o pé fará com que, em médio prazo, a nossa escolha de candidaturas presidenciais se dê entre plataformas que disputem quais áreas sofrerão menos cortes para que outras tenham ganho real.
Por mais estranho que pareça, a PEC 241 estabelecerá, inclusive por ser gravada na Constituição Federal, uma certa independência orçamentária em relação aos governos democraticamente eleitos. Não contando com possibilidade de aumento real de gastos mesmo que as receitas cresçam, os projetos de quaisquer partidos somente dirão quais áreas priorizar em detrimento de outras. 
3) A PEC 241 limita a expansão dos gastos à inflação por 20 anos. Pensemos retroativamente. Nas últimas duas décadas ocorreram as crises asiática de 1997, russa de 1998, brasileira de 1999, argentina de 2001, energética brasileira de 2001, americana pós-11/9, mundial de 2007/8, europeia de 2012... Imaginemos se tais eventos se passam nos próximos 20 anos, o pecado seria o orçamento público não poder ajudar a enfrentá-los limitado como estará.
4) A PEC, pela sua lógica de funcionamento, será de impacto gradual no curto prazo, quando há necessidade de ajuste intenso, e incisivo no longo prazo, em que talvez se tenha mais folga fiscal. Portanto, a PEC peca ao inverter a ordem necessária.
5) Se o que se quer é regra e se regra existe para se administrar com responsabilidade, gerando-se credibilidade na ação pública, a PEC não é só um sapato apertado, é um tiro no pé; o sapato deverá ser trocado em médio prazo, o que gerará a desconfiança das mudanças de regra. Isso é tão custoso (e sujeito a desconfianças) quanto não se terem regras. É o pecado de não se escolher um meio termo.
6) Para calçar o sapato menor do que o pé, remendos deverão ser feitos. Ou seja, a PEC, para que seja efetiva, necessariamente deverá ser acompanhada de uma série de outras reformas, como a da Previdência, da administração pública, do federalismo fiscal.
No fundo, talvez seja esta a grande aposta dos propositores da PEC, forçar um ritmo de crescimento ao sapato, para que o tamanho do pé se adapte a ele, e não o contrário. O pecado reside na possibilidade de o pé não se adaptar, o que inutilizará o sapato rapidamente.   
7) Os recursos orçamentários federais são bastante vinculados, isto é, arrecada-se uma receita para um fim específico – daí o ajuste fiscal no País sempre ser feito pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Por volta de 10% das receitas não são vinculadas, principalmente investimento. Ou seja, à medida que o sapato for apertando, o investimento público, tão necessário para construir a infraestrutura do país, restará como variável de ajuste.
Não obstante, os créditos extraordinários, como o Refis ou os recursos da repatriação, não estão sujeitos ao teto de crescimento. Assim, eles serão usados pelo governo de plantão de forma desregrada. Se é para regrar, estes recursos deveriam se somar, no mínimo, às dotações para investimentos públicos. 
É ocioso dizer que o Brasil precisa de ajuste e regra fiscal, isso é fato e regramento trará benefícios. Porém, não é demais insistir nos deméritos da regra que se quer colocar via PEC 241. Estudo recente do FMI mostra que, dentre 88 países, inclusive as potências econômicas mundiais, nenhum estabeleceu regra tão rigorosa e inflexível quanto a que se pretende instituir no Brasil. Por que queremos ser mais experientes do que a experiência internacional? 
A PEC parece partir do pressuposto de que somos incompetentes e não conseguimos organizar nossas finanças públicas a não ser na vigência de excessiva constrição. Ou talvez ela queira apenas confirmar que o Brasil é um imenso jaboticabal, pois jabuticaba, exclusividade nacional, é o que mais se planta economicamente por aqui: a indexação generalizada dos contratos à inflação passada, a fusão dos mercados de dívida pública, a isenção mantida de tributação sobre lucros e dividendos, coisas só nossas na experiência internacional. Jabuticaba não é uva, dela não saem bons vinhos, pena insistirmos nessa tentativa. 
*Fábio Terra é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia.