segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"Minha primeira geladeira  e por que

o Brasil de  hoje  lembra a Inglaterra dos anos sessenta"                                      

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Eduardo MartinoAcho que nasci com alguma parte virada para a lua. Chegar ao mundo na Inglaterra em 1965 foi um golpe e tanto de sorte. Que momento! The Rolling Stones cantavam I Can’t Get no Satisfaction, mas a minha trilha sonora estava mais para uma música do The Who, Anyway, Anyhow, Anywhere.
Na minha infância, nossa família nunca teve carro ou telefone, e lembro a vida sem geladeira, televisão ou máquina de lavar. Mas eram apenas limitações, e não o medo e a pobreza que marcaram o início da vida dos meus pais.
Tive saúde e escolas dignas e de graça, um bairro novo e verde nos arredores de Londres, um apartamento com aluguel a preço popular – tudo fornecido pelo Estado. E tive oportunidades inéditas. Fui o primeiro da minha família a fazer faculdade, uma possibilidade além dos horizontes de gerações anteriores. E não era de graça. Melhor ainda, o Estado me bancava.
Olhando para trás, fica fácil identificar esse período como uma época de ouro. O curioso é que, quando lemos os jornais dessa época, a impressão é outra. Crise aqui, crise lá, turbulência econômica, política e de relações exteriores. Talvez isso revele um pouco a natureza do jornalismo, sempre procurando mazelas. É preciso dar um passo para trás das manchetes para ganhar perspectiva.
Será que, em parte, isso também se aplica ao Brasil de 2015?
Não tenho dúvidas de que o país é hoje melhor do que quando cheguei aqui, 21 anos atrás. A estabilidade relativa da moeda, o acesso ao crédito, a ampliação das oportunidades e as manchetes de crise – tudo me faz lembrar um pouco da Inglaterra da minha infância.
Por lá, a arquitetura das novas oportunidades foi construída pelo governo do Partido Trabalhista nos anos depois da Segunda Guerra (1945-55). E o Partido Conservador governou nos primeiros anos da expansão do consumo popular (1955-64). Eles contavam com um primeiro-ministro hábil e carismático, Harold Macmillan, que, em 1957, inventou a frase emblemática da época: "nunca foi tão bom para você" ("you’ve never had it so good", em inglês).
É a versão britânica do "nunca antes na história desse país". Impressionante, por sinal, como o discurso de Macmillan trazia quase as mesmas palavras, comemorando um "estado de prosperidade como nunca tivemos na história deste país" ("a state of prosperity such as we have never had in the history of this country", em inglês).
Arquivo PessoalImage copyrightArquivo Pessoal
Image captionVickery volta ao local onde passou sua infância
Macmillan, "Supermac" na mídia, era inteligente o suficiente para saber que uma ação gera uma reação. Sentia na pele que setores da classe média, base de apoio principal de seu partido, ficaram incomodados com a ascensão popular.
Em 1958, em meio a greves e negociações com os sindicatos, notou "a raiva da classe média" e temeu uma "luta de classes". Quatro anos mais tarde, com o seu partido indo mal nas pesquisas, ele interpretou o desempenho como resultado da "revolta da classe média e da classe média baixa", que se ressentiam da intensa melhora das condições de vida dos mais pobres ou da chamada "classe trabalhadora" ("working class", em inglês) na Inglaterra.
Em outras palavras, parte da crise política que ele enfrentava foi vista como um protesto contra o próprio progresso que o país tinha alcançado entre os mais pobres.
Mais uma vez, eu faço a pergunta – será que isso também se aplica ao Brasil de 2015?
Alguns anos atrás, encontrei um conterrâneo em uma pousada no litoral carioca. Ele, já senhor de idade, trabalhava como corretor da bolsa de valores. Me contou que saiu da Inglaterra no início da década de 70, revoltado porque a classe operária estava ganhando demais.
No Brasil semifeudal, achou o seu paraíso. Cortei a conversa, com vontade de vomitar. Como ele podia achar que suas atividades valessem mais do que as de trabalhadores em setores menos "nobres"? Me despedi do elemento com a mesquinha esperança de que um assalto pudesse mudar sua maneira de pensar a distribuição de renda.
Mais tarde, de cabeça fria, tentei entender. Ele crescera em uma ordem social que estava sendo ameaçada, e fugiu para um lugar onde as suas ultrapassadas certezas continuavam intactas.
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Image caption'Parte da crise política da Inglaterra foi vista como protesto contra o progresso entre os mais pobres', diz Vickery
Agora, não preciso nem fazer a pergunta. Posso fazer uma afirmação. Essa história se aplica perfeitamente ao Brasil de 2015. Tem muita gente por aqui com sentimentos parecidos. No fim das contas, estamos falando de uma sociedade com uma noção muito enraizada de hierarquia, onde, de uma maneira ainda leve e superficial, a ordem social está passando por transformações. Óbvio que isso vai gerar uma reação.
No cenário atual, sobram motivos para protestar. Um Estado ineficiente, um modelo econômico míope sofrendo desgaste, burocracia insana, corrupção generalizada, incentivada por um sistema político onde governabilidade se negocia.
A revolta contra tudo isso se sente na onda de protestos. Mas tem um outro fator muito mais nocivo que inegavelmente também faz parte dos protestos: uma reação contra o progresso popular. Há vozes estridentes incomodadas com o fato de que, agora, tem que dividir certos espaços (aeroportos, faculdades) com pessoas de origem mais humilde. Firme e forte é a mentalidade do: "de que adianta ir a Paris para cruzar com o meu porteiro?".
Harold Macmillan, décadas atrás, teve que administrar o mesmo sentimento elitista de seus seguidores. Mas, apesar das manchetes alarmistas da época, foi mais fácil para ele. Há mais riscos e volatilidade neste lado do Atlântico. Uma crise prolongada ameaça, inclusive, anular algumas das conquistas dos últimos anos. Consumo não é tudo, mas tem seu valor. Sei por experiência própria que a primeira geladeira a gente nunca esquece.
(*) Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick, na Inglaterra. Vickery é um dos poucos jornalistas estrangeiros a ter uma carreira verdadeiramente bilíngue, com colaborações regulares tanto para veículos brasileiros quanto estrangeiros, sobretudo britânicos. Tim Vickery tem uma colaboração de longa data com a BBC, tendo trabalhado para diferentes partes da organização na cobertura do futebol sul-americano. Nesta coluna, que é lançada em um momento em que o Brasil volta aos holofotes internacionais por conta da Olimpíada de 2016, ele fala menos de esporte e mais sobre a sociedade brasileira.

Cinicamente surreal! FHC se diz

vítima da compra de votos que

o levaram à reeleição em 1998

Paulo Nogueira                    

Vítima: FHC no programa de Mariana Godoy
Vítima: FHC no programa de Mariana Godoy
Vi uma entrevista(AQUI) de FHC para Mariana Godoy. Longe das perguntas enviadas pelo chefe Ali Kamel, Mariana Godoy é uma espécie de Risadinha de Saias, a versão feminina de Roberto D'Ávila.
A vida seria uma beleza se as entrevistas pudessem ser feitas apenas num ambiente de risadas.
Mas não é assim. E as melhores entrevistas da história contêm, todas elas, tensão e, não raro, antagonismo. Porque o objetivo não é alegrar o entrevistado e sim informar o público.
Uma clássica, da Playboy americana, foi bruscamente interrompida quando o entrevistado, o jovem Robert de Niro, pegou o gravador do jornalista e o espatifou contra a parede.
Mas, fora os sorrisos, o que mais me chamou a atenção na conversa de FHC com Mariana foi a postura dele em relação à compra de votos no Congresso para que ele pudesse ter um segundo mandato, então proibido pela Constituição.
FHC, durante muito tempo, negou essa realidade palpável, expressa em feias maletas cheias de numerário, conforme evidências tão fortes quanto as que trouxeram à luz as contas na Suíça de Eduardo Cunha.
Para tanto, FHC contou com o apoio da imprensa amiga, para a qual maletas com dinheiro não eram um assunto digno de ser colocado em entrevistas com FHC.
Mas a internet mudou as coisas, e em sites independentes a compra é frequentemente lembrada, em seus detalhes mais vívidos. E da internet o episódio ganhou, enfim, alguma atenção da imprensa.
Até no Roda Viva o assunto apareceu, claro que do jeito que você poderia esperar de um programa como aquele.
FHC, diante das novas circunstâncias, foi obrigado a aceitar o fato de que sua reeleição foi comprada.
Mas, e isto é fundamental, ele encontrou sua própria e personalíssima versão dos acontecimentos, como ficou claro no programa de Mariana Godoy.
FHC se coloca, indignado, como vítima da compra. O beneficiário foi ele. Tudo foi feito para ele. Cada cédula nas maletas tinha como objetivo proporcionar mais quatro anos de presidência para FHC. (AQUI, um vídeo de um repórter da Folha de S. Paulo que cobriu a compra, em 1997).
E no entanto ele fala do assunto como se tivesse sido vítima de uma armação infernal de forças ocultas.
Não foi coisa dele, não foi coisa do PSDB, não foi coisa do seu amigo Sérgio Motta, tesoureiro do partido e amigo seu de décadas.
Talvez FHC evolua, em breve, para a seguinte versão: foi coisa do PT. De Lula.
Em seu jorro de indignação, ele usa como argumento o fato de que a emenda foi aprovada com larga margem e que ele foi reeleito no primeiro turno.
Mas um momento.
Só faltava você 'comprar' votos no Congresso e perder na votação, tanto mais que o dinheiro – limpo, naturalmente – só era entregue contra a demonstração do voto comprado.
Quanto à vitória nas eleições presidenciais, o que uma coisa tem a ver com a outra? Nada, mas FHC decidiu dizer que tem. Se entendi, é como se o voto popular absolvesse e abençoasse a compra.
Então ficamos assim, como vimos no programa de Mariana 'Risadinha' Godoy.
FHC foi vítima do dinheiro que comprou seu segundo mandato.

Nem precisa 'Direito de Resposta': 

Estadão  é  desmentido  com

as  próprias  manchetes

    ESTDILMA
Estava tão evidente a armação, que este blog, tão logo saiu a notícia, mostrou tratar-se era uma(AQUI) tola manipulação para colocar Dilma Rousseff como “mentora” da indicação de Nestor Cerveró para a diretoria por razões suspeitas.
Três dias depois, o próprio Estadão, que fez a patranha, publica a parte do depoimento do ladrão  delator(AQUI) Fernando Baiano Soares, em que este confirmar ter Delcídio Amaral, ex-chefe de Cerveró quando era Diretor de Gás da Petrobras, no Governo FHC, indicado o colega de falcatruas.
Fato,  aliás,   nada  estranho à época: Cerveró era  qualificado executivo da Petrobras há 20 anos e não havia contra ele  qualquer suspeita quanto às suas improbidades funcionais.
O conteúdo das gravações já deixava claro que Cerveró era homem de confiança de Delcídio e o favorecia em negócios,  motivo de o senador alegar agora “razões humanitárias” para livrá-lo da prisão e mandá-lo para o exterior.
E que Cerveró – no desespero que toma conta desses sujeitos após saberem que, se não entregarem alguém acima deles, vão receber condenações  uma após outra e, ao contrário, se entregarem o que o MP e Sérgio Moro querem, logo estarão em casa, para gozar do que “sobrou” da fortuna surrupiada – armou uma ratoeira, provavelmente orientado pela PF e pelo próprio Ministério Público, para oferecer a cabeça do seu antigo padrinho pelo adorno de tornozelo com que ficará livre.
Não vale a pena mais traçar juízos morais da prática utilizada pela 'República do Paraná'.
Mas deveria ser uma lição para os jornais usarem um pouco mais a cabeça, com menos ânsia de “acertar” Dilma, para não serem desmentidos.
Não pela 'Lei do Direito de Resposta'.  Mas por suas próprias manchetes.


Delações contra Delcídio

arrastam  governo FHC 

para a ‘Lava Jato
              
                   


Embora Delcídio do Amaral (PT) tenha ganhado destaque na imprensa, nos últimos dias, por suspeita de receber propina pela transação de navios sondas e a compra de Pasadena pela Petrobras, outro fato relatado pelo delator Paulo Roberto Costa às autoridades da Lava Jato - incluindo o juiz Sergio Moro - relembrado após a prisão do senador dá conta de que ele também teria recebido vantagens indevidas em um negócio com a Alstom, em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Reportagem do Fato Online lembra que Delício foi diretor da Petrobras naquele ano e trabalhou com Nestor Cerveró, com quem teria dividido a propina sobre a contratação da Alstom durante a crise de geração de energia que marcou a gestão FHC. Delcídio foi preso com autorização do Supremo Tribunal Federal após ser flagrado tentando comprar o silêncio de Cerveró. Numa gravação, ele demonstra preocupação com exposição em relação ao caso Alstom.
As informações, segundo o Fato Online, já foram expostas na Lava Jato e em um inquérito contra Delcídio tocado pelo Ministério Público Federal há alguns anos. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu arquivamento da denúncia contra o senador diante dos dados de Paulo Roberto Costa, alegando falta de provas para encampar um pedido de inquérito.
Na Lava Jato, o que aconteceu na Petrobras antes dos governos Lula e Dilma Rousseff não tem sido alvo preferencial de investigações ou reportagens. A força-tarefa alega que o recorte dado à operação tem como fio-condutor a tese de que, a partir das gestões petistas, os esquemas de corrupção passaram a ter ligações com financiamento de políticos e campanhas.

de propina da Alstom a Delcídio
no governo FHC
Vasconcelos Quadros, no   Fato online
A retomada das investigações sobre a passagem do senador Delcídio do Amaral pela Petrobras, onde ele foi diretor de Gás e Energia antes de entrar na política, pode incluir, por tabela, o governo do PSDB no rol de suspeitos no escândalo da estatal. O fio da meada está num dos depoimentos do delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Ele relatou ao juiz Sérgio Moro ter tomado conhecimento que o senador e seu então "apadrinhado" político na estatal, Nestor Cerveró, teriam recebido em 2001 uma propina da multinacional francese Alstom para facilitar a compra de turbinas termelétricas no período em que o governo adotou medidas emergenciais para controlar a crise de abastecimento de energia provocado pelo "apagão" ocorrido no final da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Era de conhecimento interno da Petrobras, que teria havido um 'acerto' para viabilizar este contrato e que a propina paga pela Alstom teria sido destinada a Nestor Cerveró e Delcídio Amaral”, afirma o delator. Costa, que ocupava uma das gerências da diretoria chefiada por Delcídio, diz que na época não havia suspeitas sobre controle dos partidos políticos na estatal. “Não teria sido este dinheiro, aparentemente, destinado a qualquer campanha política”, afirma, sugerindo que a suposta propina não passou pelo núcleo político que tomou conta dos contratos da estatal a partir de 2006.
As declarações de Costa fazem parte da investigação preliminar aberta pelo procurador Geral da República, Rodrigo Janot, no início do ano, mas arquivadas em março, quando este anunciou a lista de 13 senadores e 26 deputados que se tornaram alvos de inquérito abertos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pelos desvios na Petrobras. Ao confirmar que ficara fora da “Lista de Janot”, o senador deu uma festa em sua residência, em Campo Grande. À época Janot considerou que não havia indícios suficientes e deixou a denúncia de lado, ressalvando que se surgisse fato novo, o caso poderia voltar a ser investigado.
Era a segunda vez que Delcídio escapava da mesma investigação. Em 2003, assim que assumiu o primeiro mandato como senador, Delcídio enfrentaria a primeira suspeita de recebimento de propina da Alstom. Uma ação aberta na Procuradoria da República do Distrito Federal por abuso de poder econômico na campanha do ano anterior traria a tona a compra de uma das turbinas, a que seria usada na Termo-Rio, em cujo negócio a Petrobras teria sido lesada em US$ 22 milhões.
Mais que o necessário
Segundo as investigações do MPF, o dinheiro supostamente desviado teria sido repassado pela empresa francesa a Delcídio e destinado a despesas de sua campanha e de outros políticos de Mato Grosso do Sul. A denúncia foi arquivada por falta de provas.
No início deste ano, Paulo Roberto Costa forneceu a procuradores e ao juiz Sérgio Moro detalhes que podem ligar os fios. Segundo ele, a demora no uso das turbinas compradas da Alstom “a um custo substancial” e em caráter de emergência chamou sua atenção e de outros funcionários da área técnica porque os equipamentos ficaram longos anos “encostados” no almoxarifado da Petrobras.
Costa diz que o negócio não fazia sentido por causar prejuízos a Petrobras tanto pela depreciação do valor das turbinas quanto pela defasagem tecnológica dos equipamentos. A maior parte das turbinas só seria usada anos mais tarde, entre 2004 e 2008, já nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No depoimento, ele esclarece suas suspeitas sobre o negócio: “Pelo contexto dos fatos, chega-se a conclusão de que a Petrobras adquiriu uma quantidade muito maior de turbinas do que o necessário”, diz Costa.
Contrato bilionário
Delcídio foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre 2000 e 2001, período em que Paulo Roberto Costa também trabalhou no setor como gerente-geral de Logística de Gás Natural. Costa não apresenta provas, mas sob o compromisso assumido formalmente num contrato de delação, relata o que ouviu sobre a suposta negociata em vários momentos do depoimento.
Num deles afirma que “por meio de comentários nesta área de Gás e Energia”, tomou conhecimento que o negócio foi consumado depois de acertado “pagamento de um valor alto como propina para que saísse a compra das turbinas”.
O delator afirmou que a situação de emergência gerada pelo apagão de 2001 foi usada como pretexto para alavancar “um contrato bilionário”, sem licitação, entre a estatal e a Alstom em decisão assumida por Delcídio e executada por Cerveró. Paulo Roberto Costa também afirma no depoimento que foi Delcídio quem indicou Cerveró para a Diretoria Internacional da Petrobras e, quando este ficou em baixa com o Palácio do Planalto por causa da aquisição da Refinaria Pasadena, conseguiu sua transferência para a Diretoria Financeira da estatal, cargo que ocupou até às vésperas da prisão.

A  História  da  Rússia

e o xadrez geopolítico

A guerra parece inevitável para a Rússia, este país vasto e sem litoral que a oligarquia americana deseja afastar para longe de todos os lugares...

Bruno Adrie (*)   

Presidência da Rússia
É necessário provar que Putin é mal retratado pela imprensa ocidental?

Ele é tão desprezado que a revisão do L'Express escreveu sobre um relatório dirigido ao Pentágono que afirmava que “o desenvolvimento neurológico de Putin foi interrompido substancialmente na infância” e que “o presidente russo carrega uma anormalidade neurológica”. Os autores do relatório dizem que "o seu comportamento e suas expressões faciais revelam uma postura defensiva em grandes ambientes sociais"

A conclusão implícita do relatório manipulado pelo Pentágono é que Putin não consegue se comunicar, é incapaz de participar de um diálogo aberto e construtivo com os outros e pode ser perigoso, declarando uma guerra sem prévio julgamento. O leitor crédulo se assusta e se pergunta como tal homem pode ser o líder da Rússia. Então ele olha para o que tem acontecido nos últimos anos e de repente entende por que Putin invadiu a Geórgia em 2008, por que anexou a Crimeia, por que apoiou os separatistas em Donbas e por que está bombardeando os fundamentalistas islâmicos na Síria agora em apoio ao torturador Al-Assad! Qual é a diferença entre mencionar este relatório e espalhar propaganda?

E se Putin não fosse esse homem que eles descrevem? Suponha, por exemplo, que exista algum tipo de lógica na sua política externa.

De acordo com o geógrafo George Friedman, as nações agem como jogadores de xadrez, que atuam nos limites estreitos de uma série de regras que definem seu leque de boas jogadas. Tão melhor quanto mais lógico for um jogador, quanto mais previsível ele for na escolha da melhor tática "até que desfira seu brilhante golpe inesperado". George Friedman acredita que as nações não simplesmente agem irracionalmente. "As nações são limitados pela realidade. Eles geram líderes que não se tornariam líderes se fossem irracionais" (Friedman, p.29). Ele considera que os líderes "compreendem o seu menu de possíveis movimentos e os executam". Quando eles falham, não é porque são estúpidos, mas apenas porque as circunstâncias não lhes forneceram as possibilidades corretas.

Seguindo a abordagem de George Friedman em termos de geopolítica, vamos nos perguntar: é possível entender as iniciativas tomadas por Vladimir Putin no tabuleiro internacional?

Em seu livro The Next 100 Years, George Friedman insiste no fato de que a Rússia não tem uma abertura para litoral, enquanto os EUA dispõem de "acesso fácil para os oceanos do mundo". Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos - que pretendiam "conter e, dessa forma, estrangular os soviéticos" - criaram um "cinturão maciço de nações aliadas" que se estendia do Cabo Norte da Noruega até a Turquia e as Ilhas Aleutas " (Friedman, p.45 ). "Trancada pela geografia", a URSS não podia vencer a Guerra Fria e, finalmente, entrou em colapso em 1991. Friedman prevê que, no século XXI, depois de uma segunda Guerra Fria, a Rússia entrará em colapso novamente, pela mesma razão geográfica.

Mas não possuir um litoral não é o único inconveniente geográfico para a Rússia. A fim de entender esse contexto, o jornalista Tim Marshall nos convida a dar uma olhada neste mapa da Europa, em que a planície europeia foi escurecida.

https://lh4.googleusercontent.com/V0nEaPQEY_iw6OJxQe1jlJrsinriho2Nl_ulzXyc_WNYAhzK2ufZ3uBVNHx44P5kLjjPrkUMoOXhxqN6GV3RXnTiRlNEEm71qvFkz-mz4_HeIOVrHK1tgLk-WYgFNz0e2MufOsgY
Esta planície, que vai da costa atlântica até os Montes Urais e da Finlândia até o Mar Negro e o Cáucaso, é um corredor enorme e aberto em que se deram todas as invasões nos últimos 500 anos: os poloneses em 1605, os suecos em 1707, os franceses em 1812 e, finalmente, os alemães em 1914 e 1941. Essas invasões só foram possíveis porque a planície não oferece resistência aos invasores. Lá você não vai se deparar "com montanhas, desertos, e apenas poucos rios" para atravessar. Para lidar com este problema, os líderes russos decidiram atacar primeiro.


A única maneira de evitar essa insegurança foi deslocar suas fronteiras para lugares mais fáceis de controlar e defender, onde haveria obstáculos naturais para invasões. Ivan, o Terrível, foi o primeiro a avançar sobre esses marcos.

"Ele estendeu seu território ao leste dos Montes Urais, ao sul do Mar Cáspio e em direção ao norte do Círculo Ártico". Assim ele "teve acesso ao Mar Cáspio e, mais tarde, ao Mar Negro, aproveitando as montanhas do Cáucaso enquanto barreira parcial frente aos mongóis". Ele também "construíu uma base militar na Chechênia a fim de dissuadir qualquer suposto invasor".

Então veio Pedro, o Grande, e depois Catarina, a Grande. Eles "expandiram o império a oeste, ocupando a Ucrânia e, em seguida, atingindo as montanhas dos Cárpatos". Eles assumiram controle da Lituânia, Letônia e Estônia para se defender "contra os ataques do Mar Báltico". E após a Segunda Guerra Mundial, Stalin ocupou a Europa Oriental e lá apoiou regimes aliados, a fim de criar uma zona tampão para bloquear a planície Europeia, forçando as fronteiras a oeste, até chegar a uma área estreita e, portanto, mais fácil de controlar contra os inimigos. Podemos ver, na verdade, que a fronteira entre as Alemanhas Oriental e Ocidental é mais fácil de defender do que a fronteira da Rússia atual. E esses fatores não dependem da personalidade de um líder, seja ele um imperador, um ditador ou um presidente eleito. Este ponto de vista é amplamente partilhado por Alexander Dugin.

Alexander Dugin é geógrafo, mas não só isso. É também um fervoroso russo movido pelo amor ao seu país. Para ele, a Rússia é mais do que um país enorme e sem litoral, mais do que uma bandeira. É uma civilização sitiada que precisa ser defendida. "A Rússia não é simplesmente a Federação da Rússia, a Rússia é o mundo russo, uma civilização, um dos pólos de um mundo multipolar", diz ele em entrevista concedida ao Katehon.com, sob o título: “War in Ukraine Will Resume Soon”.

Assim como Tim Marshall, Alexander Dugin inclina-se sobre a geografia para justificar a política externa do presidente Putin. Segundo ele, a guerra contra a Geórgia, a anexação da Crimeia e a campanha de bombardeios na Síria - onde a Rússia tem uma base naval na cidade de Tartus (muitos dos leitores ocidentais não sabem que a Síria é, como Crimea ou Transcaucásia, um posto avançado que garante uma Rússia não circunscrita as suas próprias fronteiras) - foram ações ditadas por uma necessidade geopolítica que transcende a personalidade de seus líderes. Segundo ele, a Rússia deveria ter anexado as províncias de língua russa da Ucrânia e, como Dugin acredita, mais cedo ou mais tarde ela vai ter que fazê-lo.

E não porque os russos sejam ávidos por territórios ou simplesmente imperialistas. Ao fazer isso, a Rússia tende a garantir sua própria sobrevivência. "Se perdermos Donbas, então vamos também perder a Criméia e, em seguida, toda a Rússia", diz ele. Anexar a Ucrânia não é um objetivo. A Ucrânia não precisa se tornar um estado vassalo. "Eu não sou contra uma Ucrânia soberana, é apenas necessário que ela seja nossa aliada ou companheira, ou, no mínimo, um espaço neutro, intermediário", diz ele. E acrescenta: "O que não pode ser permitido é uma ocupação atlantista da Ucrânia". Aqui, Dugin fala do reino da necessidade. Isso é o que ele quer dizer quando trata de um "axioma da geopolítica". "Nossos inimigos entendem perfeitamente que a Rússia só pode se tornar grande novamente em conjunto com a Ucrânia". Segundo ele, "Não há outro caminho. A Primavera Russa é impossível sem avançar um eixo euro-asiático estratégico na Ucrânia, não importam os meios, sejam pacíficos ou não, que forem necessários". Dugin pensa que manter independentes as repúblicas de Donetsk e Lugansk entre a Ucrânia e a Rússia é um imperativo categórico. "Aquele que controla as fronteiras do DPR e do LPR com a Rússia, controla tudo", diz ele, imitando o famoso slogan de Mackinder.

A Síria é parte do mesmo problema. Alexander Dugin considera que a Síria “é uma meta mais distante, mas não menos importante”. Ele garante que a existência do EI faz parte de “um plano norte-americano”. Segundo ele, “O Estado Islâmico é uma operação especial dirigida contra os adversários da hegemonia norte-americana no Oriente Médio e em particular contra nós [russos]” e acrescenta que "o fundamentalismo islâmico tem sido tradicionalmente um instrumento geopolítico norte-americano" . Eu sugiro àqueles que consideram Alexander Dugin um teórico da conspiração que leiam as confissões de Zbigniew Brzezinski, que, enquanto Conselheiro de Segurança de Jimmy Carter, recebeu, em 03 de julho, a autorização presidencial para financiar batalhões Mujahedin, a fim de oferecer aos russos a sua própria versão de "Guerra do Vietnam" no Afeganistão.

Dugin pensa que, para enfrentar a ameaça americana, a Rússia deve mostrar força e parar de usar a soluções diplomáticas.

A guerra parece inevitável para a Rússia, este país vasto e sem litoral que a oligarquia americana deseja afastar para longe de todos os lugares, desde as costas do Báltico, do Cáucaso, do Mar Negro ou do Mediterrâneo, quem sabe com a expectativa de afastá-la da Sibéria em um próximo momento. E esta guerra não será a consequência da personalidade do Presidente Putin, mas resultado de uma turbulência geopolítica deliberadamente organizada pelos oligarcas ocidentais.

Sem dúvida, porém, os idiotas vão continuar a urrar que Putin é um ditador sanguinário e que a Rússia é um país perigoso e bárbaro.

Esses idiotas não são apenas os inimigos da Rússia. Eles são também os inimigos da verdade e sua onipresença no cenário da mídia e no mundo político fez da Europa um grande corpo doente, cujos membros estão gradualmente sendo devorados pela gangrena atlantista.

Notas:
George Friedman, The Next 100 Years, Allison & Busby, London, 2009
Tim Marshall, « Russia and the Curse of Geography » , The Atlantic Monthly, October 31st 2015
Tim Marshall, Prisoners of Geography, Scribner Book Company, October 27th  2015
Alexander Dugin, « War in Donbass will be imposed on us by Washington and Kiev » , Katehon.com, November 2nd  2015 (reblogged here)
Bruno Adrie, « Brzezinski, Obama, Islamic fundamentalism and Russia » (Part I), brunoadrie.wordpress.com,October 26th 2015

(*) Bruno Ardie é cientista político, sociólogo e celebrado escritor francês.