domingo, 25 de agosto de 2024

LULA, O CONCILIADOR NAS ENTRELINHAS NEOLIBERAIS


Quando protagonista nas greves dos metalúrgicos do ABC paulista, fim dos anos 1970, em plena ditadura militar, o sindicalista Lula primou pelo escapismo ideológico ao ser perguntado se era de ‘direita’ ou ‘esquerda’: “Sou torneio-mecânico”.

A realidade subsequente, que decretou o fim da longeva quartelada de 1964, apelidada pelos golpistas, fardados e paisanos, de ‘Revolução Redentora’, gerou o confronto entre recalcitrantes ‘direitistas’, saudosos das benesses do autoritarismo, e ‘neoesquerdistas’, constituídos por sobreviventes comunistas e  sociais-democratas acomodados no recém-nascido PT de Lula, PDT de Brizola e PSB resgatado pela figura emblemática de Miguel Arraes, todos a desfraldar bandeiras de perspectiva ‘socializante’(pelo menos na retórica de suas lideranças).

Quatro décadas depois, período da vitoriosa eclosão de Luís Inácio à frente do Partido dos Trabalhadores, com aliados de circunstancial espectro político, a gerar alentadores resultados nas urnas, projetos de inclusão socioeconômica do ‘andar de baixo’, ganhos inéditos das elites e proeminente presença brasileira no contexto internacional, o líder ressurgido de sórdida repressão centrada no judicialismo canalha, do ‘Mensalão’ à  ‘Lava-Jato’, faz uma inflexão pragmática para se adequar a premissas conciliatórias com o imperial ‘Bigh Brother’ de Washington.

Na questão específica das recentes eleições venezuelanas, a propalada ‘mediação’ de Lula nos impasses gerados pela encenação da extrema-direita golpista do vizinho país, apeada do poder em 1998, explicita solene descarte do princípio universal da autodeterminação dos povos, com forte indício de intromissão nos assuntos internos de um país soberano.

Na prática, o Lula ‘conciliador’ (que se contrapõe à lógica da ‘luta de classes’ em curso,  segundo Marx, desde tempos imemoriais) avaliza com errática sutileza os interesses neocolonialistas dos  Estados Unidos, faz mais de um século dependentes do petróleo venezuelano na operação do sistema norte-americano de energia termoelétrica, então beneficiado pelos obsequiosos custos da  ‘commodity’ de nossos vizinhos, governados por emboloradas oligarquias entreguistas.

A ‘Revolução bolivariana’ liderada por Hugo Chavez, com renovado aval eleitoral, mudou a relação de sabujo compadrismo entre a Venezuela e os Estados Unidos, a partir da  reformulação estatal da PDVESA(similar de nossa Petrobrás), na extração e refino de hidrocarbonetos, cujos resultados financeiros eram até então inexpressivamente transferidos às demandas socioestruturais da população.

O petróleo da Venezuela responde por 1/3 do PIB, 80% das receitas de exportação e mais da metade do financiamento da administração pública. Todavia, advieram, na segunda década deste século, novecentas sanções dos Estados Unidos, abusivas e unilaterais,   geradoras de devastadora crise econômica decorrente da escassez de insumos básicos, vitais à subsistência da população venezuelana, concomitante com insurgências golpistas da oposição, afastadas do secular processo de exploração do patrimônio nacional, financiadas por poderosas corporações norte-americanas.

Os Estados Unidos promovem a asfixia econômica da Venezuela com vista à retomada dos preços vis que pagavam para garantir sua planta energética baseada em termoelétricas, minando a resistente estrutura formulada por Chavez e mantida por Maduro nos últimos 25 anos, suscetível, por óbvio, ao desgaste provocado por notória perda de qualidade de vida da população.

A perversa associação dos Estados Unidos a subservientes comparsas europeus e latino-americanos reproduz midiaticamente a demonização da Venezuela bolivariana, carimbada como uma ‘ditadura’, na contramão da democracia popular lá instaurada, submetida a recorrentes consultas aos cidadãos, com um sistema eleitoral eletrônico mais avançado que o brasileiro, de reconhecida inviolabilidade por acreditados especialistas internacionais.

Por fim, a desarrazoada interferência do Brasil e outros governos da América do Sul que postergam ou rejeitam o reconhecimento da vitória de Maduro, confirmada em todas as instâncias competentes de poder na Venezuela, na troca de figurinhas com prepostos de uma elite golpista e desagregadora das instituições do vizinho país no norte continental.

Em sua anunciada ‘mediação’, Lula põe em dúvida, sub-repticiamente, a idoneidade dos mecanismos institucionais de outro Estado, objeto dos arreganhos de desafetos do atual governante, com os quais interage à distância, sobre o processo eleitoral de 28 de julho, à revelia da constatação de sua lisura por mais de uma centena de observadores externos.

EM TEMPO:  a posição reticente de Lula no contexto sul-americano sinaliza, conforme experientes críticos, que o ‘B’ (de ‘Brasil’) pode proximamente desfalcar a sigla BRICS, afastando-nos do grupo formador da nova geopolítica planetária, ora em promissora etapa de crescentes adesões. Os encantos da Disney, de Mickey a Tio Patinhas, teriam, para desalento geral, atraído a simpatia do ‘Lulinha-paz-e-amor’. A ver. (AMGóes)

 

 

 

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