sábado, 27 de janeiro de 2018

A verdade de Lula
  

SÉRGIO DA MOTTA E ALBUQUEREQUE, no JORNAL/GGN

Al Jazeera Live garantiu à audiência internacional a melhor cobertura da farsa que não revisou a sentença, mas julgou, condenou e puniu, pela segunda vez, o ex-presidente Lula da Silva. No dia 24, na parte da tarde e início da noite ela apresentou Lula a discursar para seus eleitores, informando que “ aquela seria uma oportunidade para ele percorrer o Brasil mais uma vez”. “Lula permanece desafiador”, garantiu a repórter da emissora presente em Porto Alegre no dia da (re)condenação do ex-presidente. Não houve qualquer menção aos condenadores de Lula. Ainda no dia 24, na direção do final da apresentação da pauta diária, a emissora do Catar apresentou a versão dos desembargadores, sem muitos detalhes. As acusações foram relatadas em tom neutro.  |||  No dia 25, o canal apresentou um quadro com os advogados de Lula. Ao lado dos defensores, em um “stand”, estava uma placa, decorada com muito bom gosto, onde se lia: “Lula's Truth”(a tradução tanto pode ser “a verdade de Lula, como “a honestidade de Lula”. Ou “a sinceridade de Lula”). O advogado de Lula, Cristiano Zanin, apareceu a dizer que seu cliente foi condenado, por duas vezes, sem nenhuma prova concreta sequer. Lula foi punido duas vezes por convicções insensatas de seu inimigos. O defensor denunciou a sessão de justiça que condenou e puniu Lula, pela segunda vez, sem sequer considerar a argumentação da sentença de Moro e sua fundamentação dentro dos marcos do Direito brasileiro.  |||  Não houve revisão de sentença no dia 24 porque nenhum dos desembargadores aprofundou a questão da “propriedade de fato” de Lula e seu suposto apartamento no Guarujá - o ponto mais fraco da sentença de Moro. Não existe “propriedade de fato” em nosso ordenamento jurídico. A “categoria”, na verdade é uma invenção do magistrado paranaense. Nossas leis reconhecem a propriedade, total ou partilhada, e a posse (idem) de imóveis. A “propriedade de fato” não existe e foi criada para afastar Lula de seu terceiro mandato. Ninguém jamais será condenado outra vez neste país por esta invenção jurídica. A menos que esteja na política e seus inimigos decidam que ele é “proprietário de fato”, de qualquer imóvel à venda que tenha visitado. Sem a discussão aprofundada sobre a primeira sentença de Moro, a defesa de Lula não pôde agir.  |||  Se Lula é “proprietário de fato” daquele apartamento, todos aqueles que têm escrituras registradas de seus imóveis devem rasgar os documentos de imediato, pois nada mais valem. E, de agora em diante, nada de pensar em legalizar nossos imóveis, em nossa futuras compras. É muito trabalhoso. E caro. Mais fácil ser um “proprietário de fato”. Não sei muito bem como conseguir isso, mas parece-me uma ideia melhor que entrar na posse de um imóvel, ter muito trabalho e gastar todo aquele numerário para legalizá-lo.  |||  A doutrina do “domínio do fato”, elaborada para condenar nazistas culpados sem envolvimento direto com os milhões de judeus exterminados na Segunda Grande Guerra, foi empregada contra Lula porque houve corrupção em seu governo. E ele, acreditam seus acusadores do dia 24, não apenas sabia de tudo, como era o líder da quadrilha. A coisa é toda um grande absurdo. Uma farsa que se convencionou chamar justiça.  |||  Outro argumento inadequado foi empregado pelo desembargador Gebran: a “culpabilidade”, de Lula. O que vem a ser isto? Culpabilidade? Marcela Baudel de Castro, (2/2013), procuradora federal e pós-graduada em Ciências Penais, explicou: A culpabilidade é um dos institutos mais polêmicos da teoria do delito. Muito embora apareça em variados dispositivos, não foi conceituada no Código Penal, gerando discussões acerca de sua posição sistemática, ou seja, como integrante do conceito de crime ou não, e de suas funções. A ausência de uniformidade no tratamento da culpabilidade termina por dificultar o cotidiano do operador do direito e sua conclusão acerca da responsabilização do agente.”  |||  Mais uma “categoria” jurídica que ainda está em discussão, embora presente em nossa leis, com um agravante: ela dificulta o trabalho dos acusadores e pode deformar uma sentença, ao dificultar o trabalho julgador no momento em que elabora seu arbitramento. Ou seja, segundo a procuradora, este instituto dificulta a elaboração de uma sentença em um ponto crucial: a responsabilidade do agente (Lula, no caso). Além disso, não sabemos se “culpabilidade” é parte da definição de crime , ou não. Isso passou despercebido pelo desembargador Gebran. Que serviu-se com prazer do instrumento polêmico e sem definição normativa no nosso direito. Mais uma vez, abriu-se uma exceção para Lula, com um argumento temerário, imprudente e especulativo, já que a discussão sobre o conceito de “culpabilidade” ainda não terminou e não há uma visão, mas muitas, sobre o que seria esta figura do Direito. Que nunca deveria ser utilizada por um desembargador ou juiz. Estes devem estar sempre distantes de polêmicas e controvérsias ao elaborarem sentenças. Não foi assim com Lula.  |||  Não podemos deixar de lado o aspecto simbólico imediato desta nova condenação do ex-sindicalista . Sua mensagem é óbvia: “se você foi condenado por razão política ou ato compatível, em primeira instância, conforme-se com ela. Pois a segunda segunda instância da justiça vai ampliar seu castigo”. A lei foi aplicada com a finalidade de intimidar.  |||  Se Lula for preso, será o primeiro prisioneiro por razão política no Brasil depois da ditadura militar. Nenhuma prisão neste país vai macular a imagem do homem que errou como todos os outros, mas a despeito de tudo isso, foi além das obrigações de seu cargo para que milhões de brasileiros pudessem acreditar que poderiam viver em um país melhor e mais justo. Essa é a verdade de Lula. 

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