É tarde para exorcizar politicamente Crivella?
Não tenho a menor simpatia pelos rumos que tomou a campanha de Marcelo Freixo, aqui no Rio de Janeiro, sobretudo por sua adesão – prefiro achar que involuntária ou marqueteira – à onda senão de criminalização ao menos de desmoralização da política e dos partidos. Será meu voto, sem, todavia, nenhum entusiasmo.
Mas é um escárnio que uma cidade libertária, cuja cultura está tão apoiada na matriz negra, possa ter como prefeito alguém que demonstra pelos valores culturais do povo africano aquilo que o repórter Fernando Molica, no jornal O GLOBO, revelou, escrito de próprio punho, pelo agora candidato Marcelo Crivella em sua passagem, como missionário do tio Edir Macedo, pela África.
Reproduzo o texto da magnífica reportagem assim como registro que Crivella enviou ao jornal nota onde pede perdão pelas ideias “equivocadas e extremistas feitas por um jovem missionário, cujo zelo imaturo da fé, levou a cometer esse lamentável erro.” Teria sido melhor para crer-se em seu arrependimento, porém, se ele o tivesse feito antes, bem antes, de que elas fossem reveladas num grande jornal.
Ressalto ainda que, por mais que haja o medo empresarial da Globo em relação à Record, o trabalho de reportagem é absolutamente correto e feito sobre informações e opiniões que estão publicadas e, portanto, ao alcance de qualquer repórter que, como é do dever profissional, se interessasse por ela. Infelizmente, a destruição da esquerda promovida sistematicamente pela Globo no Rio de Janeiro – desde os tempos de Leonel Brizola – tornou esta cidade palco de tragédias como essa.
Em livro, Crivella atacou catolicismo
No livro em que descreve o tempo em que viveu como missionário na África, editado em 2002 e raramente encontrado, o candidato a prefeito Marcelo Crivella (PRB) diz que a Igreja Católica e outras religiões “pregam doutrinas demoníacas” e classifica a homossexualidade de “terrível mal”, revela FERNANDO MOLICA. Crivella pede perdão por possíveis ofensas e diz que as referências foram feitas por um “jovem missionário”. Ele tinha 42 anos. Na campanha, o senador Marcelo Crivella (PRB) não diz o que escreveu. Em seu livro “Evangelizando a África”, em que faz um relato dos dez anos em que viveu no continente, o candidato a prefeito que hoje se apresenta como tolerante e ecumênico fez pesadas críticas a praticamente todas as religiões, apresentadas como “diabólicas”, e classificou a homossexualidade de “conduta maligna” e de “terrível mal”.
A Igreja Universal não é citada como uma religião: “Queremos na realidade, apresentar o Deus vivo, o Criador dos céus e da terra, e a Sua Santa Palavra”, escreve Crivella. A condenação a outras manifestações de fé é bem ampla: “Ao redor do mundo, em todas as nações, achamos centenas de crenças, seitas e religiões. Elas podem se diferenciar uma das outras, mas todas têm um ponto em comum: levar as pessoas a adorarem e a aceitarem os espíritos”.
Ao tratar das religiões orientais, o evangelho de Crivella é categórico: “No mundo amarelo, os espíritos imundos vêm disfarçados de forças e energias da natureza”. Situação parecida, afirma, com a verificada no “mundo vermelho”, onde vivem os indianos, “escravos de uma falsa religião”. Para o candidato, os hindus são proibidos de comer carne de vaca apenas para que o alimento seja farto na mesa dos ricos.
No livro, Crivella diz que “no mundo hindu” o sacrifício de crianças é praticado como forma de obtenção de riqueza, prática que seria induzida por “gurus”. “Os rituais variam, mas a ênfase é sempre no derramamento de sangue seguido da ingestão do sangue quente de uma criança inocente”, conta. Segundo ele, “Cortar a parte de cima de um crânio é o método requerido”.
Para ele, o diabo e seus demônios precisam de corpos para se manifestar, daí sua quase onipresença entre nós. Os tais espíritos, assegura Crivella, são poderosos. Ele chega a recomendar cuidado com pessoas “possuídas por espíritos”, já que a transmissão do efeito diabólico pode ocorrer até mesmo durante a prática sexual: “Uma mulher cristã solteira que se casa com um hindu, ou com um homem que invoca os ancestrais e os espíritos, pode se tornar habitação dos mesmos espíritos que o marido adora”.
Crivella expulsando(?) 'espíritos imundos' na África |
Para respaldar sua tese sobre a relação entre doenças e demônios, Crivella cita na publicação o tio Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e autor de um livro, “Orixás, caboclos e guias”, que, lançado em 1987, demoniza as religiões de matriz africana. No trecho citado na obra do sobrinho, Macedo diz que toda doença tem uma causa, “e essa causa é sempre um vírus, um bacilo, um germe ou uma bactéria”.
Para Macedo, esses seres causadores de doenças não vêm de Deus, “pois Ele não é destruidor”. Segundo o bispo, para que um micro-organismo atue “é necessário que haja uma força dentro dele; um espírito destruidor, e não podemos identificá-lo com nenhuma outra coisa, senão como uma força demoníaca”. Crivella faz, porém, uma ressalva: “Nem todas as pessoas doentes estão possessas por um espírito imundo, mas todas as doenças estão profundamente relacionadas com os espíritos imundos”.
Demônios são responsabilizados por vícios e pela homossexualidade. O senador diz que gays não devem ser tratados com menosprezo ou discriminação, mas ressalva que “milhões são vítimas desse terrível mal, vivendo sem paz e numa condição lamentável para o ser humano.”
Os tais espíritos também podem ser transmitidos para a geração seguinte, adverte o bispo: “O pai viciado e adúltero provavelmente passará o mesmo espírito para o seu filho”, alerta. Segundo ele, isso explica o fato de “um pai de respeito” passar, de repente, a ser homossexual. “E quando ele morre, o espírito se manifesta no seu filho que prontamente negligencia sua esposa e seus filhos para prosseguir nessa conduta maligna”.
Para marcar o rompimento com o diabo, Crivella estimula a destruição de objetos de culto: “Quebre completamente todos os laços com o seu passado (…). Destrua ou leve para a igreja todos os objetivos de feitiçaria, mutis, roupas, fotos, ossos, ishobas e etc., para que os pastores destruam”.
O livro não estabelece possibilidade de diálogo entre as religiões, deixa evidente uma divisão entre “o reino de Deus e o reino do diabo” e convoca para uma batalha em nome da fé: “Não existe meio-termo. Quem está com Deus luta contra o diabo e seus demônios”, prega.
Nenhum comentário:
Postar um comentário