segunda-feira, 5 de setembro de 2016

A escalada autoritária contra

o “Fora Temer” em São Paulo 


Para deputado federal, a repressão violenta aos protestos foi "articulada" entre Temer e o governo Alckmin, para impedir que São Paulo se transforme no centro de resistência ao golpe. Internacionalista avalia que o autoritarismo não terá sucesso. "Em 2013, a repressão exagerada foi um dos combustíveis para que a revolta se espalhasse pelo país..."


Foto: Marlene Bergamo/Facebook
Alojado no poder em função do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (PMDB) e seu programa que impõe, na visão de movimentos sociais, retrocessos a trabalhadores, aposentados e estudantes foram o principal alvo da manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo,  na tarde desse domingo (4). O ato, diferentemente do que ocorreu em protestos de 2015, a favor da destituição de Dilma, foi encerrado à força pela Tropa de Choque da Polícia Militar sob a autoridade do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
O evento foi convocado pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular. A concentração começou por volta das 16h30, no vão livre do MASP. A intenção era percorrer a Avenida Paulista, sentido Consolação, seguindo até o Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, passando pela Avenida Rebouças.
A reportagem do GGN esteve na Paulista e conferiu que o ato foi pacífico. Havia uma grande proporção de jovens estudantes e um segmento mais velho, além de famílias e crianças. Além de entoar palavras de ordem contra o “golpe” que levou Temer ao poder, contra fascistas e a repressão da Polícia Militar, os organizadores tratavam o ato como o segundo movimento Diretas-Já da História nacional.

Em entrevista ao Mídia Ninja, a cartunista Laerte Coutinho falou sobre as 'Diretas Já' durante a concentração em frente ao vão do Masp: “Não vejo a história como repeteco, não estou achando que é a mesma coisa. E aliás, a bandeira de eleições gerais, não sei se é unânime também. Talvez ela seja meio prematura, cá para mim, que a recusa ao governo golpista ainda não está madura para propor uma saída só, mas eu acho cabível, vamos lá, eleições gerais, agora eu não sei se é um sentimento generalizado”. Em nenhum momento a volta de Dilma à presidência foi colocada em pauta pelos organizadores. Apenas em atos isolados alguns manifestantes – praticamente ignorados pela maioria – pediram a anulação do impeachment.
Quem percorreu a Paulista desconfiou da falta de policiamento ostensivo após a repressão violenta registrada em protestos, na semana passada, quando uma estudante da Universidade Federal do ABC, em Santo André, perdeu a visão após ser atingida por estilhaços de munição que a PM descarregou em cima dos manifestantes.
                     
BLACK BLOCS CERCEADOS
Dessa vez, justamente em função de serem usados pelo governo para desqualificar os protestos, os encapuzados eram publicamente repudiados pelos organizadores. Há relatos de que seguranças da CUT (Central Única dos Trabalhadores) abordavam grupos que poderiam ser adeptos da tática Black Bloc para evitar que eles tomassem a linha de frente e entrassem em confronto com a polícia.
Enquanto as duas faixas da principal avenida da Capital ficavam cada vez mais abarrotada, o locutor no caminhão de som ironizava a fala de Temer sobre os protestos contra seu governo. “Daqui de cima estou contando quatro, quatrocentos, quatro mil, quarenta mil, já somos pelo menos cem mil pessoas gritando ‘Fora Temer’”, disparou. A PM não quis fazer estimativas. A Folha de S. Paulo, na edição desta segunda, também não fez menção a números – publicou que “milhares foram às ruas” contra o atual governo e citou o cálculo de 100 mil, dos organizadores.
    
O jornal O Globo apontou que pelo menos oito quarteirões da Paulista foram tomados. Em protestos pró-impeachment, no ano passado, quando nove quarteirões da Paulista foram tomados, com ocupação das duas pistas, a PM afirmou categoricamente que havia mais de 1 milhão de pessoas no local. O número foi contestado em função da largura e extensão da via, e o contraponto dizia que em nove quarteirões caberiam, com cinco pessoas por metro quadrado, caberiam pouco mais de 300 mil pessoas. Isso significa que, ontem, se oito quarteirões foram tomados, o número de manifestantes contra Temer pode ser superior a 100 mil.
Boa parte desse contingente desceu a alça de acesso à avenida Rebouças, rumo ao Largo da Batata. Por volta das 18h, a reportagem flagrou o instante em que cortaram as luzes do túnel. No carro de som, os organizadores creditavam a ação ao governo Alckmin. Manifestantes foram obrigados a usar a lanterna de celulares para iluminar o trajeto. Neste momento, pelo menos dois carros da Tropa de Choque passaram pelos manifestantes.
O PRETEXTO PARA A REPRESSÃO
Por volta das 21h, manifestantes começaram a dar o ato por encerrado oficialmente e muitos se direcionaram à estação Faria Lima do Metrô, até descobrirem que estava fechada. Um batalhão da Tropa de Choque estava estacionado ao lado, amedrontando os transeuntes. O Metrô informou à Folha de S. Paulo que suspendeu a entrada de usuários para evitar superlotação nas plataformas.
Foto: Luiz Gustavo Braz
Em O Globo, o pretexto da PM para atacar manifestantes e forçar a dispersão partiu de uma suporta notificação de ocorrência de vandalismo dentro do Metrô. A informação foi desmentida pela empresa, que negou depredação de patrimônio. Apesar disso, a PM disse ter registrado ataques à entrada do Metrô, o que teria motivado a reação contra civis.
“Muitas famílias estavam lá com crianças pequenas, idosos se equilibravam em suas bengalinhas quando tudo isso começou. Vimos dezenas de pessoas em pânico. Tentamos primeiro entrar na estação Faria Lima, mas fomos impedidos. Um caminhão da Tropa de Choque estava parado do lado da porta da estação e resolvemos sair dali o quanto antes. Todos gritavam ‘sem violência, sem violência’, mas não adiantou. As bombas continuaram. Corremos e muitas rotas de fuga estavam bloqueadas pela PM. Nesse meio tempo, não vimos nada quebrado pelos manifestantes, nem mesmo uma agência bancária na esquina da rua que entramos. E as bombas não paravam. Os black blocs surgiram depois, em reação à repressão policial desproporcional”, relatou Cristiane Agostine, uma das manifestantes.
Ela flagrou uma mulher identificada como Karen Menatti, 40, em “estado de choque” após ser atingida por uma bala de borracha na perna direita. “Ela tinha chegado no fim da manifestação e estava se despedindo dos amigos na porta da estação do metrô quando a PM começou a atirar e jogar bombas. Não conseguiu escapar.
              
Foto: Cristiane Agostine
A concentração pacífica no Largo da Batata, quando a caminhada já estava concluída, também foi registrada em vídeo dos Jornalistas Livres, que entrevistavam o senador Lindbergh Farias e o deputado Paulo Teixeira, ambos do PT, no momento em que a Tropa de Choque começou a disparar contra os manifestantes. O ex-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, também foi atingido.

Em outro vídeo, um manifestante é agredido pelos oficiais e levado para o caminhão da Tropa de Choque. Há outros registros de agressões circulando na internet, inclusive contra profissionais da imprensa.
        
A ESCALADA AUTORITÁRIA
Para o deputado Paulo Teixeira, a escalada autoritária contra os protestos em São Paulo é fruto de uma parceria entre Alckmin e Temer. “Não é à toa. A atual Secretaria de Segurança Pública foi da equipe de Alexandre de Moraes, que virou ministro da Justiça. Isso está articulado com o governo Temer, que acha que através da repressão vai evitar que o povo vá às ruas”, disse o parlamentar. Ele prometeu anunciar, nesta segunda (5), representações contra a violência dos atos no Ministério Público e na Comissão de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
O deputado também acompanhou, junto a advogados particulares e ativista, a situação de cerca de 27 pessoas presas – 21 no Centro Cultura de São Paulo, por volta das 15h, e outras sete durante o ato na Paulista – por associação criminosa e corrupção de menores. Eles foram impedidos de deporem diante de um advogado e de ter comunicação com familiares. Uma parte será encaminhada à Fundação Casa e, outra, à penitenciária, de acordo com O Globo.
A REPRESSÃO VAI PERDER
Para o professor de Relações Internacional da UFABC, Gilberto Maringoni, o ato de São Paulo foi um sucesso. “Por isso é preciso desqualificá-lo”.
A manifestação de São Paulo não estava na conta do governo golpista, da gestão estadual tucana e nem da grande mídia. Alguma providência precisaria ser tomada. E ela veio com uma estúpida repressão policial, em seu final”, disse, em alusão à cobertura das emissoras de TV, que deram destaque, na noite de domingo, ao “confronto entre manifestantes e PMs”.
Para Maringoni, apesar da tática de impor medo à população, é pouco provável que as ações da PM sirvam para intimidar. “A brutalidade contra manifestações em outros três dias da semana paulistana serviu de incentivo para as ruas serem ocupadas de forma democrática. Em 2013, a repressão exagerada foi um dos combustíveis para que a revolta se espalhasse pelo país”, lembrou.
Para ele, “provocação não vale a pena de lado nenhum. Seria bom Michel Temer recuperar aquelas palavras de Carlos Átila de três décadas atrás e perceber que mesmo bravatas palacianas não abafam o ruído das ruas.
 

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