Se não suportam Lula livre por algumas horas, seus algozes estão frágeis
Teresa Cruvinel, no JB, via TIJOLAÇO
Da sempre imperdível Teresa Cruvinel em sua coluna Coisas da Política, no Jornal do Brasil:
O que se passou no domingo no
Brasil foi tão absurdamente grave, vergonhoso e preocupante que ainda não dá
para mudar de assunto. Todo o resto ficou secundário diante do que
já não pode ser negado, a contaminação da Justiça pela política.
||| Só ontem ficou clara a repercussão internacional da
guerrilha de despachos na novela solta-não-solta-Lula. Ela foi
nefasta para o Brasil, agravando a percepção externa sobre a extensão da crise
em curso, e de certo modo favorável ao ex-presidente Lula, ao reforçar a ideia
de que, para mantê-lo preso, a Justiça e o sistema político, de mãos dadas,
fazem o diabo. ||| Partamos do princípio de que o
desembargador Rogerio Favretto não tinha competência para conceder o habeas
corpus pedido, como alegou Moro, e que a candidatura do réu não constituía fato
novo, pois era conhecida antes mesmo da prisão. Num Judiciário não
contaminado pela política, não pressionado pelos que temem a candidatura Lula,
ele teria sido solto sem drama, sem que Moro e os desembargadores do TRF-4
tivessem que se expor tanto. ||| Caberia então, como
tantos deixaram claro ontem, inclusive o ministro do STF Marco Aurélio Mello,
ao Ministério Público Federal recorrer da decisão. Não a Moro dar
ordens à Polícia Federal. Derrubada a liminar, Lula seria preso
novamente. Quantos réus já não passaram por tal
situação no Brasil? Mas se o establishment não pode suportar a liberdade de Lula
por algumas horas ou dias, a situação é de alta fragilidade. E não se resolverá
com Lula preso. ||| Os principais jornais do mundo
fizeram registros depreciativos do ocorrido mas vou me deter no do jurista
André Lamas Leite, professor da Faculdade de Direito do Porto, “A
barbaridade de uma justiça dominical”, publicado ontem pelo jornal “O Público”,
de Lisboa. O acadêmico contesta Moro: “não é verdade que o juiz de
turno tivesse ou não a liberdade de decidir. Estava vinculado à decisão. Outra
coisa é saber se havia motivo juridicamente fundado para o fazer”.
||| E passa então à questão que está no fundo de tudo isso, a
execução antecipada da pena, a partir da condenação em segunda instância,
contrariando o princípio constitucional da presunção da inocência: ninguém será
considerado culpado até o completo trânsito em julgado da sentença. Conclui ele que “Lula está em cumprimento inconstitucional e ilegal de
pena de prisão”. E por isso, dá razão jurídica a Favretto. Mas,
diz ele, como no Brasil não se sabe onde acaba a política e começa a Justiça,
pesaram contra ele as antigas ligações com o PT. Nem
por isso, tinha Moro competência para “revogar” o despacho de magistrado
hierarquicamente superior. Gebran Neto, sim, a seu ver poderia
derrubar a liminar, quando o plantão terminasse. Lula já estaria
solto, que fosse novamente preso. Mas tudo, a seu
ver, deriva do “entendimento indefensável” do STF sobre prisões antecipadas:
“Um país que não respeita a sua lei fundamental descaracteriza-se e abre crises
gravíssimas de desfechos imprevisíveis.” ||| Passando
do Direito ao jornalismo, não menos áspero foi o comentário do jornalista,
escritor e advogado (profissão que já não mais exerce) Miguel Sousa Tavares, no
principal telejornal de Portugal, na SIC. Ressalvando seu amor pelo
Brasil, definiu o ocorrido como uma “fantuchada jurídica”. Palhaçada,
cá para nós. ||| Tavares censurou os petistas por
recorrerem no dia do plantão de Favretto mas desancou mesmo foi com Moro,
desejando que estivesse a ouvi-lo, já que passa férias em Lisboa. Em
Portugal, sete diferentes juízes teriam feito todos os papeis que Moro acumulou
em relação a Lula: juiz de instrução, de acusação, de sentença etc. Conclui
que a Justiça no Brasil está completamente contaminada pela política, não
restando outra saída senão a refundação do país, por uma nova Constituinte.
||| Lamentavelmente, hoje faz sentido o apelido que Paulo
Francis dava ao país nos anos 80: “o bananão”.
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