A farsa do Queiroz
e o jornalismo de
esgoto do SBT
RENATO ROVAI na REVISTA FÓRUM
Se os R$1,2 milhão que circularam na conta de
Fabrício Queiroz são de compra e venda de carros, por que eram depositados por
assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e retirados do banco
sempre em quantias menores do que R$5 mil?Entre os
jornalistas, o SBT já vem sendo chamado de ‘Sistema Bolsonaro de Televisão’,
tamanha a desfaçatez com a qual a emissora de Silvio Santos aderiu ao novo
governo. Entre outras bizarrices, resgatou o programa ‘Semana com o Presidente’
e o slogan ‘Brasil, Ame-o ou Deixe-o’. Ambos, produtos embolorados da ditadura
militar. Mas não foi
só isso que o SBT fez para se tornar mais amigo do novo rei do que outros
grupos de comunicação. Também foi se livrando de jornalistas mais sérios e
contratando aqueles que fazem qualquer coisa para “subir na vida”. ||| A
entrevista dessa quarta-feira(26) com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio
Bolsonaro na ALERJ, foi o encontro desses projetos. O dos interesses do dono do
veículo, do governo que vai assumir e de uma profissional que tem feito
qualquer coisa para aparecer, mesmo que seja jogar todos os fundamentos básicos
do jornalismo no lixo. Tão
bizarras quanto as respostas de Queiroz, foram as perguntas e as não-perguntas
da repórter Débora Bergamasco. A quem
interessar possa, a moça foi a autora da capa contra Dilma Rousseff na Isto É
em que Dilma é apresentada como tendo surtos de descontrole e quebrando móveis
no Planalto. Uma capa absurdamente machista e mais do que isso, feita só com
base no “ouvi dizer”. ||| Bergamasco
também foi a autora da capa da delação de Delcídio, que escondia tudo o que
havia contra Aécio Neves no depoimento. E que, segundo colegas de redação da IstoÉ, naquele tempo, foi obtido via Aécio Neves, que, inclusive, estava com a revista em
mãos numa reunião de líderes do Congresso, antes mesmo que o impresso semanal houvesse chegado às bancas. Não é
incomum esse tipo de trajetória de jornalistas que fazem qualquer coisa para subir
profissionalmente. Débora Bergamasco é só mais uma entre tantos. ||| Nessa
última quarta, a entrevista já começou
num jogo de cena sobre a doença do entrevistado. Ele falou que está 'defecando
sangue'(?) e a jornalista lhe pediu permissão para voltar ao assunto mais tarde.
Ah, tá certo! Quer dizer que alguém, que ora fugindo de depoimentos e acusado
de participar de um esquema de corrupção envolvendo o futuro presidente da
República, insinua estar com câncer e você pede 'autorização' para tratar do
assunto com ele depois? É mais fácil acreditar nas respostas do Queiroz. ||| A
entrevista seguiu com perguntas dóceis e sem qualquer contestação. O
entrevistado dise que comprava carros de segurados para vender e que era bom de
negócios. A jornalista não perguntou quantos carros ele comprou e vendeu e se tinha
esses registros, afinal carros são adquiridos com documentos de compra e venda.
E não com pedaços de papel no bar da esquina. Principalmente de seguradoras. A jornalista perguntou o nome do médico que atendeu
Queiroz quando ficou internado e ele disse lembrar-se só do primeiro nome. Ela não
insiste em saber mais nada. Nem perguntar quem o apresentou ou quais as referências
do tal doutor. Sequer o nome do hospital. ||| Outra
pergunta inocente, que qualquer cidadão que não tivesse cursado jornalismo
faria: se os R$1,2 milhão que circularam na conta dele são de compra e venda de
carros, por que eram depositados por assessores da ALERJ e retirados do banco
sempre em quantias menores do que R$5 mil. Às vezes em três agências diferentes
no mesmo dia. E, mais
básico ainda, por que eram depositados em dias próximos aos pagamentos desses
servidores. ||| Em relação
à família do Queiroz, a entrevistadora deixou barato a história da filha que é personal trainer, mas que trabalhava na
“área de mídia” do gabinete de Flávio, segundo o entrevistado. Nem um “como
assim?” escapou da boca de Bergamasco. "–Como
assim uma pessoa formada em educação física é a responsável pela área de mídia
do gabinete de um deputado estadual?" Talvez até
num descuido essa pergunta escaparia, tamanha a desfaçatez da desculpa. ||| Evidente
que o que se deu nessa quarta(26) com Fabricio Queiroz, já processado em outros
tempos por falso testemunho, foi não foi uma entrevista. Foi um encontro
negociado entre o Sistema Bolsonaro de
Televisão e o futuro presidente da República, tentando colocar panos
quentes no assunto que está queimando a imagem do recém-eleito. E Sílvio Santos
escolheu sua nova imagem do jornalismo(de esgoto) da casa para fazer o serviço
ao estilo que Débora fazia na IstoÉ. Mas, a
despeito de tudo isso, a entrevista é reveladora de como a situação de
Bolsonaro e sua tropa tende a se complicar se tal investigação avançar. ||| Queiroz
é um limítrofe. Uma pessoa que não consegue articular três frases sem cometer
erros de português e de raciocínio. Certamente tem outras habilidades ou não
ganharia R$23 mil por mês nem empregaria toda a família em diferentes gabinetes
dos Bolsonaros, no Rio e em Brasília. Mas essas habilidades não resistem a um
interrogatório bem feito e a uma apuração dos fatos com documentos. As
desculpas que ele escolheu são tão simplórias que qualquer ida a um cartório no
Rio de Janeiro basta para desmontá-las. ||| O fato é
que a cada dia que passa a saga de Bolsonaro fica mais parecida com a de
Fernando Collor. Até a camiseta usada por sua esposa Michelle provocando Lula e
seus eleitores remetem a isso. Collor era mestre em usar camisetas. Uma que
carregava a frase “o tempo é o senhor da razão”, nunca me saiu da memória. O
tempo é o senhor da razão e essa suposta entrevista será tratada como o que foi
quando a verdade vier à tona. Como uma farsa.
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