Bolsonaro é, ao mesmo tempo, cúmplice e vítima da própria burrice
RENATO BAZAN, no JORNAL/GGN
Ombro
a ombro no mesmo palanque, cara a cara com a mesma repórter - assim estavam
Onyx Lorenzoni e Jair Messias Bolsonaro na última sexta-feira(30 de novembro),
quando uma jornalista os interpelou sobre desistir de sediar a Conferência do
Clima da Organização das Nações Unidas, a COP-25. O futuro ministro da Casa
Civil e o próximo presidente se portavam tensos diante das câmeras, como
participantes involuntários de um espetáculo. “Nós não temos nada a ver com isso”, murmurou Onyx, virando a cara. “Isso é uma
decisão do Itamaraty”. Procurou alguma coisa no horizonte e não encontrou. “Houve participação minha nessa decisão”, revelou Jair, ao mesmo
tempo, contrariado. O futuro presidente acredita que a ONU quer sequestrar a
Amazônia do Brasil. ||| E o que pensa o próximo Ministro de Relações Exteriores, Ernesto
Araújo? Que o ambientalismo é causa de “escritores românticos”, que o
aquecimento global é “uma invenção marxista” e que o PT é culpado pela
“criminalização da carne vermelha”. Pequenas gemas que renderam-lhe o apelido de
“Pastor Tarja Preta” entre os diplomatas. Desde o início da histeria bolsonarista, transbordam textos
sobre os cálculos políticos por trás da retórica incendiária do
presidente-eleito, e mais ainda sobre o risco do fascismo crescente. São alertas
verdadeiros, que recuperam grandes pensadores e paralelos com o começo do
século XX. Mas há um elemento que muito incomoda nessas análises: uma tentativa
de entender o mundo aritmeticamente, como se fôssemos sempre criaturas de
causa-e-consequência, como se por trás de cada berro houvesse um movimento de
xadrez. ||| Às vezes, a pessoa é só burra. Fala a maior asneira e toma os
resultados como se fossem fruto de cálculo. Precisa conviver com as
consequências do que disse. O episódio da COP-25 é um desses clássicos momentos em que uma
lambança feita torna-se diretriz. Não havia, entre os aliados de Bolsonaro, a
noção de que defender causas ambientais era agredir a soberania brasileira. O
próximo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), dava naquele
momento uma entrevista coletiva em que rasgava elogios para a Conferência do
Clima. Questionado sobre a nova posição do governo, limitou-se a dizer: “Não
conversei com o presidente ainda se a posição dele é essa. Obviamente a gente
respeita”. ||| Fato similar ocorrera com os médicos cubanos apenas alguns dias
antes, quando a incapacidade de negociação com Cuba e a OMS levou à retirada
unilateral de 8 mil profissionais de todo o Brasil. Cegueira ideológica à
parte, o fato concreto permanece: centenas de municípios acordaram sem um único
médico para lhes prestar serviço, e a resposta da equipe Bolsonaro foi lançar
um edital de emergência mais caro e menos eficiente que uma solução já
implementada. Nem mesmo Temer, em sua cavalgada de trairagem, ousou colocar a
saúde dos 30 milhões de atendidos em risco. Na balança dos prós e contras,
apenas uma pessoa alucinada permitiria um cenário como este. ||| É o mesmo tipo de raciocínio, ou falta dele, que ocasionou a
quase-mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém - um fato
desnecessário, sem qualquer consequência favorável, que disparou uma crise
internacional sem precedentes entre Brasil e Egito. A mesma coisa pode ser dita sobre as declarações insultantes de
Paulo Guedes contra o Mercosul, ou sobre as de Bolsonaro contra a China -
respectivamente, o bloco geopolítico mais importante para questões de segurança
nacional, e o nosso maior parceiro comercial. ||| Por que comprar essas brigas? Por que criar inimigos onde não há
nada a ser ganho? É bem verdade que Bolsonaro cresce diante da polêmica. Mas ele
já está eleito, e terá que governar o Brasil de fato, propondo soluções e
sofrendo as consequências por suas escolhas. Sua retórica de prostíbulo não
ajudará em nada diante de um eventual embargo de carnes pelos países árabes ou
do congelamento do acordo comercial com a União Europeia. Seus memes de
WhatsApp não serão substituto para as negociações bilaterais na Organização
Mundial do Comércio. ||| Bolsonaro permanece nessa toada porque é incapaz de adotar outra
linha. Nunca foi liderança, nunca propôs nenhuma lei relevante, nunca inventou
nada nem administrou nenhuma empresa. Mesmo sendo militar, não sabe nem armar
uma bomba. Bolsonaro não é Fernando Henrique, que concatenou a Privataria
Tucana para se reeleger, nem Michel Temer, que se tornou presidente com
artifícios conspiratórios. Bolsonaro descobriu, no entanto, que o insulto e a
violência são um grande negócio diante de uma população desesperada. ||| Sua mediocridade endêmica é traduzida agora como incapacidade de
enxergar os próprios tropeços, com aliados tão ignaros quanto ele próprio. Seu
filho e herdeiro, Eduardo, vai à imprensa americana para dizer que “o Brasil
jamais será socialista novamente” (quando é que o Brasil foi socialista?!); seu
guru intelectual, Olavo de Carvalho, desprezado por toda a academia,
ridiculariza até os próprios aliados; sua futura secretária de Direitos
Humanos, Damares, foi à Câmara denunciar que o MEC estava ensinando meninas a
“procurarem o tal ponto G” nas aulas de educação sexual. ||| Sem dúvida, há interesses políticos por trás de muitos atos
idiotas, mas a equipe de Bolsonaro parece praticá-los por esporte. A burrice
bolsonarista não é apenas artifício, mas também uma limitação real do futuro
governo brasileiro. Sua incapacidade de articular-se politicamente com o
Congresso e sua mente à prova de fatos transformarão o Brasil num navio à
deriva nos próximos quatro anos(se chegar lá). Tudo pode acontecer.
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