Brasil caminha a todo
o vapor para o passado
Ignacio Delgado (*)
A todo vapor em direção ao passado |
Duas notícias que vieram à luz na
semana passada indicam bem para onde caminhamos nestes tempos temerários.
Uma delas foi o pronunciamento do
presidente da CNI defendendo a total desregulamentação da jornada de trabalho
no Brasil. Outra, a informação de que segue veloz a mudança no marco
regulatório do Pré-Sal na Câmara dos Deputados.
Nos dois casos, uma firme mirada no
retrovisor. O retorno à condição colonial, natural para um interinato que se
comporta como um verdadeiro governo de ocupação nacional.
Avessas à inovação, parcelas
consideráveis do empresariado brasileiro ainda sonham com a utopia reacionária
de fazer do rebaixamento do custo do trabalho um diferencial competitivo para
as empresas nacionais.
Escapa-lhes que o tempo
do trabalho barato nas trajetórias de desenvolvimento dos
países ocorre durante os períodos de transição rural-urbana, quando enormes
contingentes de pessoas deixam o campo em direção à cidade, estimulando o
investimento e a demanda, dados os níveis salariais reduzidos e o ingresso de
um número elevado de novos consumidores na economia monetária, ainda que
pobres.
Por seu turno, o impulso que a
urbanização provoca nas obras de infraestrutura, mesmo que precárias, acentua
ainda mais o ritmo do crescimento econômico. Encerrada esta etapa, naquilo que
tem sido chamado de “armadilha da renda média”, as taxas de crescimento
declinam e o dinamismo econômico deverá ser buscado na inovação, estimulada
pelo crescimento dos salários.
A CNI quer voltar ao passado. Espera
manter o país em condição de eterna subalternidade, elevando a produtividade e
a competitividade das empresas com o rebaixamento do custo do trabalho, através
da erosão de direitos. Como no Brasil já se concluiu a transição rural-urbana
(ao contrário da China e da Índia, por exemplo), tal regressão é inimaginável
sem certo componente autoritário na ordem política. Sinais fortes de barbárie
no horizonte temerário….
A mudança no marco regulatório do
Pré-Sal representa a mais odiosa abdicação do uso de recursos naturais do país
em favor de uma perspectiva estratégica de desenvolvimento.
A política do Pré-Sal de Lula combina
quatro elementos chave: a Petrobrás na condição de operadora única, a política
de conteúdo nacional nas compras da empresa, o sistema de partilha e uma
política de investimentos dirigida também ao desenvolvimento de novas fontes de
energia. Com ela, o país pode encaminhar o encerramento da “era do petróleo”
abrindo uma “janela de oportunidade” para se colocar em etapas mais elevadas do
desenvolvimento tecnológico, especialmente na área energética.
Na condição de operadora única do
Pré-Sal a Petrobrás tem domínio sobre o ritmo dos investimentos, evitando
inversões excessivas em momentos de deterioração dos preços do petróleo, ao
mesmo tempo em que o sistema de partilha assegura rendimentos mais elevados
para o Estado brasileiro em cada investimento realizado.
Por fim, a política de conteúdo
nacional estimula o desenvolvimento de empresas nacionais na cadeia do petróleo
e gás, bem como a diversificação dos investimentos da Petrobrás tem permitido o
desenvolvimento de inversões e pesquisas em atividades como a bioenergia e a
energia eólica. Isso para não falar nos recursos que são garantidos para a
educação e a saúde.
O que acontecerá com mudança no marco
regulatório do Pré-Sal?
Com o sistema de concessão dissolve-se
a articulação entre os investimentos no Pré-Sal e o desenvolvimento das
empresas nacionais na cadeia de petróleo e gás, acentua-se a competição
predatória entre as concessionárias, gerando uma euforia fugaz, especialmente
para os estados produtores, com o comprometimento do sentido estratégico da
exploração do petróleo.
Ao se encerrar a exploração do Pré-Sal,
seu legado será reduzido e a transição a um novo patamar de desenvolvimento
far-se-á sem a consolidação de empresas brasileiras, comprometendo o alcance de
posições centrais do país nas novas tecnologias associadas à renovação da
matriz energética em que vai se assentar a economia capitalista.
Ganhos fugazes e passos firmes na
recolonização do Brasil. É assim que se escreverá a história da tragédia
nacional nestes tempos temerários.
(*) Ignacio Godinho Delgado é
Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de
História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).
Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of
Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
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