segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O PT  e  a  morte  do
petismo como antes
o conhecíamos
                               imagem de Aldo CardosoLuis Nassif Online
Aldo Fornazieri  


O risco imediato do impeachment foi afastado, embora a inoperância do governo e a ação de alguns conspiradores – notadamente Aécio Neves e Gilmar Mendes – sempre ameacem recolocá-lo na ordem do dia. Não foram as raquíticas manifestações da última quinta-feira que barraram o impeachment, mas a constatação, por parte de setores da elite e setores da oposição, de que seu custo político, econômico e social seria alto demais e de que o país poderia mergulhar num cenário de consequências imprevisíveis. Assim, foram as notas das Federações de indústrias, o editorial de O Globo, as manifestações de presidentes dos grandes bancos nacionais pedindo estabilidade, que barraram, ao menos temporariamente, o agravamento da crise política. Lula e o governo negociaram pelo alto, procuraram Sarney e outros setores, para construir um arranjo de concessões e garantias. Mesmo assim, a situação está tão frágil e existem tantos fios desencapados que a lerdeza do governo ou uma fagulha política qualquer podem precipitar o incêndio.
A observação dos acontecimentos políticos recentes permite concluir que nem o PT e nem o governo tiveram força política suficiente para manterem suas posições de poder. Essas forças faltaram no Congresso, no sistema político como um todo, e também nas ruas. Somente no entardecer do desfecho da crise, quando a chancela das elites para a continuidade de Dilma já tinha sido lavrada, é que as forças contra o impeachment saíram as ruas e, mesmo assim, com críticas variadas à condução da política econômica do governo.
Esta situação demonstra o quanto o PT se enfraqueceu; o quanto não organizou os movimentos sociais de forma autônoma; o quanto não mudou a cultura política dos beneficiários dos programas sociais; o quanto não tensionou as suas alianças políticas; o quanto não apostou na realização de reformas estruturantes;   o quanto desmoralizou a própria militância de esquerda e o quanto matou as virtudes da militância antiga, que tinha orgulho em frequentar as portas de fábrica, as periferias, as universidades, os movimentos sociais para distribuir panfletos, sustentando ideias e sonhos, enfrentando repressões e rejeições.
Sim, foi legítimo sonhar. Foi legítimo sonhar porque o PT e o petismo de outrora representaram o ideal da justiça social e da igualdade, os valores da ética na política, a força da organização autônoma dos trabalhadores, a perspectiva da participação cívica e política da sociedade organizada. Ocorreram conquistas, não se pode negar. Os programas sociais são evidentes; a fome e a desigualdade foram reduzidas; o ensino foi ampliado; pobres e negros tiveram acesso à universidade; as condições de vida melhoraram de forma geral.
Mas tudo isto foi pouco porque as condições estruturais da desigualdade e da injustiça não foram removidas; tudo isto foi pouco porque essas conquistas ameaçam retroceder por conta da crise econômica; tudo isto foi pouco porque o andar de cima ganhou muito mais do que ganharam os pobres; tudo isto foi pouco porque os que foram incluídos não se reconhecem num conteúdo político e organizativo da inclusão.
O processo de formação do PT acabou precocemente com a chegada do partido ao poder. O partido ainda não havia elaborado uma consistência programática estratégica, uma sólida base de valores e princípios e ainda não contava com uma militância bem formada politicamente quando venceu as eleições em 2002. Tanto os líderes quanto os militantes tinham uma frágil formação republicana. A 'jeremiada' política, o discurso da advertência e dos riscos que as diversas formas e práticas da corrupção, historicamente arraigadas na vida nacional,  poderiam trazer ao partido e ao Brasil, nunca foi algo forte na retórica dos líderes petistas.
A chegada ao poder sempre representa um momento de apogeu a qualquer forma de organização política. Neste momento a questão é: a forma perdura no poder pelo seu exemplo virtuoso, pela sua renovação política e moral e pela sua permanente retificação mediante a retórica da advertência (jeremiada), ou ela se corrompe e declina. Como já foi enfatizado muitas vezes, ao não possuir a ideologia republicana da virtude e da frugalidade, o PT se corrompeu. A ideologia dos palácios e dos gabinetes se sobrepôs à ideologia das ruas e das praças. A ideologia dos hotéis de luxo e dos restaurantes caros afogou a ideologia da militância combativa e do ativismo cívico. O PT dependente do Estado e do financiamento privado derrotou o PT-movimento da militância ativa. Os líderes do partido passaram a conviver com os endinheirados, não mais com os trabalhadores, com os humildes, com os intelectuais, com os estudantes. Estes só foram procurados nas campanhas eleitorais.
A semente da erva daninha foi sendo cultivada pelo dinheiro fácil, pelas benesses dos ambientes luxuosos, pelos grandes interesses dos negócios inescrupulosos. A ambição e a cobiça dominaram corações e mentes de muitos petistas.  Os dirigentes e militantes honestos se sentiram inibidos e foram incapazes de assumir o discurso da advertência. Neste ambiente de dissolução política, nenhum Jeremias surgiu para que a voz do correto e do honesto se fizesse ouvir com força. 
Simbolicamente, a destruição da Jerusalém petista não se assemelha àquela promovida por Nabucodonosor em 586 a. C. Assemelha-se mais àquela promovida pelo imperador romano Tito, em 70 depois de Cristo. O que sobreveio à destruição foi a diáspora dos hebreus. O claro-escuro com que hoje a crítica pinta o PT significa que sua forma antiga envelheceu. Não significa que o PT desaparecerá, mas que é outra coisa do que era outrora. A virtude política, o ativismo cívico e o partido-movimento terão que nascer em uma nova forma.
 (*) Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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