terça-feira, 16 de outubro de 2018


Como a mídia ajudou a construir
o‘mito’  deletério que projeta
detonar a Democracia
Resultado de imagem para fotos de bolsonaro irritado

HELENA MARTINS(*), na CARTA/CAPITAL

Nos últimos dez anos, o crescimento de candidatos de extrema-direita e, inclusive, fascistas marcou e transformou o cenário político em diversos países. Da França à Colômbia, milhões sofreram com o avanço conservador. Aqui, seguimos caminho semelhante, com o pêndulo da consciência social tendendo radicalmente à direita, com a permanência da cultura machista, racista e homofóbica. E do estímulo ao ‘individualismo’ que, em contexto de aumento do desemprego e da desigualdade, transforma o ‘outro’ – como o imigrante ou os setores atendidos por políticas sociais – em inimigo.   |||   Mas  também é preciso chamar atenção para outra instituição, que contribuiu muito na construção desse pensamento conservador: a mídia. Muito tem sido falado sobre o impacto de notícias falsas e do uso de dados pessoais para o direcionamento de mensagens moldadas na constituição da extrema-direita brasileira. Foram os chamados grandes meios que produziram o colchão sobre o qual hoje se deitam candidatos como Jair Bolsonaro.   |||   O problema tem raízes profundas. Os meios de comunicação, em especial a televisão, funcionam historicamente não como uma representação da realidade, mas como “a própria realidade”. A mídia atua na definição dos temas relevantes para a discussão na esfera pública, na geração e transmissão de informações políticas, na fiscalização das administrações públicas, na crítica das políticas públicas e na canalização de demandas da população junto ao governo. Uma construção cotidiana, que agora encontra outros canais de disseminação, como a Internet.   |||   Parte dos eleitores que votam em Jair Bolsonaro está desencantada com a política, vê nele o candidato da ‘mudança’ e da ‘ética’ ou nele votam por considerá-lo uma expressão da antipolítica. Tais percepções encontram pouca base de realidade, já que o candidato ocupa cargo parlamentar desde 1991, usou de sua influência para eleger também os filhos, e também está envolvido em diversos casos de corrupção e de favorecimento político.   |||   O que explica em parte esse sentimento é a postura adotada pela mídia contra a política. Foi assim antes do Golpe Militar de 1964, quando a chamada Rede da Democracia assumia a representação e a expressão da opinião pública e desqualificava instituições clássicas como partidos, sindicatos, o Congresso, etc. A Rede era liderada por João Calmon, então deputado federal, presidente da Abert/Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.   |||   Após o fim da Ditadura, a mídia novamente operou a construção de um discurso adversário em relação à democracia, expresso na crítica permanente à política e aos políticos. Com raras exceções – como durante o governo de Fernando Henrique, quando a imprensa adotou uma postura complacente com o poder central e seu projeto. Após a eleição de Lula, apesar da ausência de enfrentamento da concentração midiática por parte do governo federal, volta a regra da postura adversária aos políticos e à polícia, sobretudo após a Ação Penal 470, chamada de “mensalão”, na Operação Lava-Jato e no processo de impeachment da Presidenta Dilma.   |||   De uma cobertura crítica ao governo à decisão editorial de apoiar o golpe, o impeachment de Dilma foi legitimado perante à opinião pública pela divulgação seletiva das denúncias de corrupção; pela exaltação e convocação a  protestos favoráveis à destituição da Presidenta; e pela fixação de argumentos por meio da repetição e da eliminação do contraditório.   |||   Nessa construção, a centralidade imputada ao PT como causador de todos os problemas e mazelas sociais. Mas é fato que a corrupção, a crise econômica e outros problemas não nasceram com os petistas. Ao passo em que alimentava essa percepção ilusória, a mídia abria espaço para figuras do MBL/Movimento Brasil Livre – eleitos nos dois últimos pleitos – e para expressões ultraconservadoras, sem cobrar delas nada mais que frases fáceis, embora incapazes de solucionar problemas complexos.   |||   Os discursos reiterados em torno da defesa das reformas trabalhista e previdenciária, apresentadas na Globo e demais veículos conservadores como “necessárias” e “essenciais” para “sanar as contas públicas”, agora também legitimam as propostas de retirada de direitos e de privatização defendidas por Bolsonaro. Agora, no período eleitoral, o país padece de debate sobre programas de governo, sobrando-lhe discursos rasos que circulam pelas redes e ganharam a mente de milhões de brasileiros alicerçados no tripé antipolítica, antiPT e ultraconservadorismo(ou nazifascismo, como queiram).   |||   Por meio da forma enviesada de tratar questões como a segurança pública e a situação econômica do país, os meios de comunicação também ajudaram a construir o “mito” e seus asseclas. Agora estamos todas e todos assustados com os discursos violentos proferidos por Bolsonaro, mas falas semelhantes ocupam, há anos, a TV. Ou não ganharam popularidade, por meio dos programas policialescos, expressão como “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos” e tantas mais? Tudo isso ocorreu sem que a sociedade e os órgãos públicos responsáveis pela proteção aos direitos humanos agissem contra tais violações de direitos, em emissoras que, vale lembrar, são concessionárias públicas.   |||   O mesmo país que, por não ter feito o balanço do período militar, inclusive do apoio dos principais meios de comunicação a ele, não conhece o que de fato ocorreu durante a Ditadura e então se abre a falas que naturalizam sua volta.  É este o tamanho do risco que vivemos.  Mesmo assim, Record e Band já definiram seu apoio a Bolsonaro, violando inclusive a lei eleitoral. Articulistas e apresentadores da Globo seguem na linha de que não há mal maior ao país que o PT. Tudo indica que a democracia afundará também por conta do perverso e excludente sistema midiático.
(*) Helena Martins, é jornalista, doutora em Comunicação pela UnB e professora da Universidade Federal do Ceará.


Nenhum comentário:

Postar um comentário