segunda-feira, 29 de outubro de 2018


Maioria pobre do País não

sabe, mas pagará a conta

com a vitória de Bolsonaro

Vítimas inconscientes da treva à vista que se preparem para o pior. E o PT tem culpa em cartório...

Resultado de imagem para Fotos de favelas com propaganda de Bolsonaro

ANDRÉ BARROCAL, na CARTA/CAPITAL

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Mano Brown
Mano Brownrapper de 48 anos que saiu e entende da favela, tinha jurado para si nunca mais subir em palanque político, mas quebrou a promessa na terça-feira da semana passada, 23, à noite, ao participar, no Centro do Rio, de um ato pró-Fernando Haddad, ao lado de Chico Buarque e Caetano Veloso.   |||   Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, pessoas que me respeitavam, me amavam, que serviam o café de manhã, que lavavam meu carro, que atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros. Eu não posso acreditar nisso”, discursou o sempre carrancudo Brown, em alusão ao bolsonarismo que seduziu parte das periferias brasileiras.   |||   A desconexão petista com as bases foi causada pela burocratização do partido nos tempos no poder em Brasília e resultou num aparente esquecimento de que a razão primeira de ser do campo progressista no Brasil é melhorar as condições de vida da maioria pobre.  Diante dessa desconexão – exceção feita ao Nordeste, terra de 39 milhões de eleitores, 26% do total –, o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, do PSL, chegou favorito às vésperas do dia D. Tinha 50% contra 37% de Haddad em um Ibope da terça-feira 23 e 44% a 39% em um Vox Populi do dia seguinte.  |||   As vítimas inconscientes da treva à vista que se preparassem para o pior. “As pessoas não sabem que estão votando contra si ao votarem no Bolsonaro”, diz Wellington Leonardo da Silva, presidente do Conselho Federal de Economia. O PT, afirma, foi tímido em expor as ideias do adversário, e a mídia não tinha interesse no assunto, para não contrariar seus anunciantes, bancos, grandes empresas.   |||   Em junho, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, um clube de países desenvolvidos, mostrou que é cada vez mais difícil os pobres subirem na vida pelo mundo. A distância deles para os ricos aumenta desde a crise financeira global de 2008.
Com Bolsonaro eleito presidente, o país, penúltimo no ranking de ascensão social, vai ficar pior 
Por razões históricas, no Brasil é pior. Somos penúltimos em um ranking de ascensão social com 30 países, elaborado pela OCDE. Com Bolsonaro no poder, teoriza Leonardo da Silva, ficará mais grave. O presidente eleito e seu guru econômico, o ultraliberal Paulo Guedes, planejam aprofundar a reforma trabalhista de Michel Temer, por exemplo. “Imagine uma pessoa trabalhando sem jornada limitada de horas, sem 13º, sem Previdência... Acabará a perspectiva de uma vida melhor, vão trabalhar só para sobreviver”, diz o presidente do Cofecon.   |||   Com pouca grana no bolso, afirma, as pessoas dependerão mais do SUS e da educação pública, e estes vão sucatear com o congelamento de gastos por 20 anos aprovado por Temer e que Guedes promete manter.  Em 2019, a Saúde terá pela primeira vez menos verba em anos, 129 bilhões de reais, 1 bilhão a menos que este ano. Na surdina, o time bolsonarista soprou que quer cobrar mensalidade de universidades federais, ao menos de quem pode pagar.    |||   
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Macri, 'guru' de Guedes
Na quarta-feira 24, protestos contra o corte de gastos públicos terminaram em pancadaria em Buenos Aires. A polícia reprimiu com balas de borracha, gás lacrimogêneo e jatos d’água. A Argentina está em recessão, tem hoje o maior juro do mundo.  Em setembro, o governo Macri anunciou o fechamento de dez ministérios, um deles foi o da Saúde, agora uma repartição de outra pasta.   |||   Marca da gestão neoliberal de Mauricio Macri, a austeridade foi ampliada por um acordo de 57 bilhões de dólares com o FMI este ano. Guedes reza pela mesma cartilha neoliberal. Bolsonaro quer ter boa relação com Macri caso eleito, ambos conversaram por telefone em outubro.   |||   Dá para imaginar como o ex-capitão tratará protestos. Em um ato na Avenida Paulista a seu favor no domingo 21, ele despontou em um telão com um aviso aos adversários petistas. Vai “varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil”, “ou vão para fora ou vão para a cadeia”.  E ele ainda quer facilitar a venda de armas. A fabricante de armas Taurus agradeceu: 400% de valorização de suas ações na Bolsa entre 31 de julho e 22 de outubro. O recorde de 63,8 mil assassinatos alcançado pelo Brasil em 2017 será batido?    |||   É com retórica violenta e apelos aos valores morais que Bolsonaro entreteve o eleitorado, enquanto fugia de debates na tevê para não abrir o jogo com o povão sobre seus planos econômicos. Nunca um candidato a presidente por aqui foi tão pró-rico quanto ele, ao menos desde o fim da ditadura civil-militar (1964-1985).  Ele cansou de repetir que vai tirar “o Estado do cangote de quem produz”, reduzindo a carga tributária. Paulo Guedes pretende reduzir o Imposto de Renda das empresas para 20% (hoje está em 34%, na soma de IRPJ e CSLL) e unificar em 20% o dos assalariados, alíquota que hoje chega a 27,5% para rendas mais altas.   |||   É verdade, porém, que estuda rever um mimo do governo FHC aos endinheirados, a isenção de imposto nos lucros e dividendos recebidos por sócios de empresas, jabuticaba que também dá na Estônia e só.   Tudo somado, calcula Sérgio Gobetti, economista do Ipea, uma perda anual de 27 bilhões de reais para o Erário. Pior para as combalidas contas públicas. Em 2019, sexto ano seguido de rombo fiscal, 139 bilhões de reais.   |||   Guedes anunciou planos megalomaníacos para botar as contas no 'azul' nos próximos anos: vender todas as estatais e os imóveis federais. Calcula levantar coisa de 1 trilhão de reais. Uma 'conta de padaria', dizem alguns economistas, pois ele ignora, por exemplo, que entre os imóveis existem áreas militares e reservas indígenas, que não são comercializáveis.   Detalhe: na literatura econômica, privatização é tema examinado à luz da eficiência econômica, não de caixa. Um governo Bolsonaro tende a repetir o saldão de estatais visto após o fim da União Soviética, em 1991, um processo que serviu principalmente para produzir uma casta de oligarcas russos.   |||   As pretensões bolsonaristas explicam a adesão empresarial a ele. Na segunda-feira 22, reuniram-se com o deputado no Rio, em sinal de apoio, vários presidentes de entidades do setor industrial. Entre estas, Abiquim (química), Abimaq (máquinas), Anfavea (montadoras), Abit (têxtil), CBIC (construção civil), AEB (exportadores) e Instituto Aço Brasil.  Recorde-se: em uma sabatina com os presidenciáveis, em julho, na Confederação Nacional da Indústria, o candidato da extrema-direita foi o mais aplaudido. Na época, o líder da CNI, o mineiro Robson Andrade, dizia não ter “receio, de forma alguma” de um (ontem eleito)governo Bolsonaro.  Agora, reclama do plano dele de juntar os ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento em uma superpasta da Economia, com Paulo Guedes à frente. “Quem vai defender as políticas industriais?”, afirmou em nota.    |||    O apoio patronal a Bolsonaro foi tanto, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu investigar. Foi a pedido do PT e em decorrência da notícia da Folha de S. Paulo de que certas empresas pagaram milhões para difamar Haddad pelo WhatsApp

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Hang coagiu empregados a votar em Bolsonaro
Pacotes de mensagens custariam até 12 milhões de reais. A compra desses pacotes foi ilegal, pois é proibido empresa financiar político. Um dos mecenas teria sido Luciano Hang, da rede de lojas Havan.   |||   Hang é aquele catarinense que coagiu funcionários para votar no ex-capitão. O PT queria que o TSE tivesse mandado recolher papéis na empresa dele, mas aí a Corte não topou. A campanha de Bolsonaro disse ao tribunal que a suspeita não tinha cabimento, enquanto Hang decidiu processar a Folha.    |||   O empresário, soube-se nos últimos dias, foi autuado pela Receita Federal em 100 milhões de reais, por ter tomado um empréstimo para sua empresa, mas usado a grana como pessoa física. Bolsonaristas ameaçaram três jornalistas e um diretor da Folha, que pediu investigação ao TSE e proteção policial.    |||   A propaganda empresarial ilegal ajudou a machucar a imagem de Haddad. A rejeição ao petista disparou perto do primeiro turno. Era de uns 30% no início de setembro e chegou a quase 50% em meados de outubro, acima do antes campeão no quesito, Bolsonaro.  |||  Às vésperas do turno final, o índice de ambos empatou, o que devolveu esperança aos progressistas de uma virada no dia 28. Estava em 41% no caso do petista e em 40%, no do ex-capitão, no Ibope. Empate, ao que parece, resultante do combate a uma guerrilha difamatória levada adiante pelo bolsonarismo contra Haddad no submundo do WhatsApp. Um combate feito pelos petistas sobretudo entre evangélicos, bombardeados antes por mensagens a retratar um Haddad depravado.   |||   O símbolo máximo da difamação foi a exploração de uma iniciativa de 2011 do Ministério da Educação, tempos de Haddad lá, de inibir a homofobia nas escolas, ideia batizada no mundo evangélico, e não é de hoje, de kit gay.  Em 16 de outubro, a pedido de PT, o TSE mandou tirar a “informação” sobre o tal kit da web e de onde fosse. Na segunda-feira 22, o Facebook tirou do ar a maior rede bolsonarista, devido a uma reportagem do Estadão a mostrar que ali houve, digamos, violação da boa-fé alheia. A propósito, um senador chileno, Alejandro Navarro, acaba de propor em seu país uma “Ley Bolsonaro”, contra notícias mentirosas.  Historicamente com educação deficiente, o Brasil é um paraíso para as chamadas fake news.   |||    Dos 147 milhões de eleitores, 45% são analfabetos, declaram saber ler e escrever ou cursaram no máximo o Ensino Fundamental.  Esses dados do TSE ajudam a entender por que o Brasil é o país que mais crê em fake news. Aqui, 62% admitiram já ter tomado alguma como verdadeira, conforme uma pesquisa global feita entre junho e julho pelo instituto Ipsos.    |||   Na quarta-feira 24, um membro do QG petista lamentava: “Esta eleição tem muita confusão mental, as pessoas não têm formação mínima capaz de entender as coisas, de processar informações”. Imagine-se o dia, não muito distante, que chegar o “infocalipse”, termo cunhado por um pesquisador americano, Aviv Ovadya, da Universidade Colúmbia.  Um apocalipse informativo provocado pelo avanço tecnológico, com ameaças para a democracia no planeta. Hoje, já é possível montar um vídeo com uma pessoa a dizer o que ela nunca disse. Aconteceu com Barack Obama em 2017.   |||   No dia em que recebeu os industriais, Bolsonaro conversou com um certo juiz do Tribunal Superior do Trabalho. Um encontro simbólico da pretensão bolsonarista de facilitar a vida dos empresários à custa dos assalariados.   Foi com Ives Gandra Martins Filho, presidente do TST de 2016 a 2018. O juiz foi um dos mentores da reforma trabalhista de Temer, e ela foi o tema principal com Bolsonaro, conforme o togado contou publicamente.   |||  Gandra Filho é da opinião de que a Justiça do Trabalho tem de se enquadrar à reforma, do contrário merece fechar, motivo para ter sido declarado, em maio, persona non grata pelos magistrados do ramo.  Ele também acha que o brasileiro precisa escolher: quer emprego ou quer direitos? Podia dar o exemplo e abrir mão dos 5,2 mil reais mensais de auxílio-moradia e auxílio-alimentação no holerite mensal de 37,3 mil reais. Ou dos 60 dias de férias, mamata garantida em lei para os togados, pertencentes ao 1% mais rico do País.   |||   No governo Temer, Gandra Filho foi cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, quando Teori Zavascki morreu em acidente de avião. No próximo governo, vão abrir duas vagas no STF, e caberá ao novo presidente indicar os sucessores.  Membro da Opus Dei, ala radical do catolicismo, a visão de mundo de Gandra Filho é bolsonarista. Para ele, quem manda em casa é o homem e casamento gay é pecado. Tem a quem puxar. Seu pai, o jurista de causas patronais Ives Gandra Martins, escreveu em 2013 um artigo no jornal cearense O Povo a se queixar: “Hoje, tenho eu a impressão de que no Brasil o ‘cidadão comum e branco’ é agressivamente discriminado pelas autoridades governamentais constituídas e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que eles sejam índios, afrodescendentes, sem-terra, homossexuais ou se declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos”.   |||   A visita de Gandra Filho a Bolsonaro levou o Conselho Nacional de Justiça a cobrar explicações do juiz, pois a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura proíbem togado de fazer política. Vai ser algo daí além do aborrecimento do juiz de mandar algum assessor escrever uma resposta ao CNJ?   A Justiça brasileira pareceu acovardada diante do bolsonarismo. Eduardo Bolsonaro, o caçula do ex-capitão, ameaçou o Supremo duas vezes em julho. Em uma aula de cursinho no Paraná, disse que bastava um soldado e um cabo para fechar a Corte e que não haveria protesto popular em defesa de nenhum dos supremos juízes.   |||   Em uma audiência pública no Congresso, afirmou, presumivelmente sobre uma vitória do pai: “Eu acredito que, caso o próximo presidente venha a tomar medidas e aprovar projetos que sejam contrários ao gosto desse Supremo, eles vão declarar inconstitucional. E, aqui, a gente não vai se dobrar a eles, não”.  “Golpista”, reagiu Celso de Mello, o mais antigo do STF, um dos dois que vão pendurar a toga no próximo governo. Dos 11 juízes do Supremo, seis reagiram em público. Um deles, justamente o presidente, Dias Toffoli, apenas de forma escrita: “Atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia”. Atitudes retóricas, e nada mais.  |||   Bolsonaro mandou uma carta a Celso de Mello, disse em público que pedia desculpas pelo filho e ficou por isso mesmo. Talvez tenha até ganhado uns pontos com os eleitores, já que o Supremo é aquele lugar que pede aumento de salário, distribui auxílio-moradia de Norte a Sul e desfruta de apenas 24% de confiança popular, conforme uma pesquisa da FGV.   Certo é que os bolsonaristas mais radicais estão com sangue nos olhos contra o Judiciário. Um tal coronel Carlos Alves surgiu em um vídeo na última semana da campanha a chamar Rosa Weber, a presidente do TSE tutelada pelo chefe do serviço de inteligência federal, general Sérgio Etchegoyen, de “salafrária, corrupta, incompetente”. O Supremo pediu investigação do coronel, que respondeu com outro vídeo, desta vez a ofender Gilmar Mendes, também do STF.   |||   A ameaça de Bolsonaro de que a oposição a um governo dele teria de se exilar e as afirmações do filho Eduardo sobre o STF arrancaram do ex-presidente FHC novas declarações contra o ex-capitão.  Mas, até a conclusão desta reportagem, na quinta-feira 25, o tucano não tinha manifestado voto em Haddad, um apoio cortejado pelo petista de olhos no 63 milhões de eleitores do Sudeste, 43% do total. Na reta final, Marina Silva, da Rede, enfim declarou voto nele, enquanto Ciro Gomes, do PDT, só voltaria da Europa na sexta-feira 26, sem se saber se faria algum gesto pró-Haddad.   |||   O impacto positivo prático desses apoios ao petista era incerto. Apesar do antipetismo na superfície, Bolsonaro, o “soldadinho de araque” na definição do rival, é um fenômeno de raízes antissistêmicas, antitudo. Fosse o antipetismo a explicação para esta eleição, Lula não teria 39% nas pesquisas até sua candidatura ser barrada pelo TSE. Um índice alcançado mesmo com ele preso e calado fazia quatro meses.  Agora aguenta, Brasil...

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