terça-feira, 16 de outubro de 2018


O ‘século do ego’
e  o  ‘Bolsocoiso’


ARMANDO COELHO NETO(*), no JORNAL/GGN

Nas últimas duas semanas ocupei esse espaço falando sobre o documentário “O Século do Ego” (título original “The Century of Self”), série em quatro capítulos (Adam Curtis, BBC/Londres – 2002). O trabalho mostra como negócios e política recorrem a técnicas psicológicas para seduzir consumidores e atrair eleitores. As tais técnicas teriam por base a obra de Sigmund Freud, espertamente explorada pelo americano Edward Bernays, sobrinho do famoso psicanalista, com apoio de Anna, filha de Freud. Lá dissemos que quem assiste a obra mergulha involuntariamente na engenharia do golpe de 2016 e agora, mais que nunca, no universo das eleições presidenciais.   |||  Veiculado em duas partes neste GGN, os textos receberam poucos comentários, mas na minha divulgação pessoal pelas redes sociais, percebi a leitura equivocada, resultante até de meu exaustivo resumo. Para muitos, o texto estaria apenas tratando das traquinagens pontuais de marqueteiros políticos destas eleições. Alguns chegaram a dizer que os dois lados usaram de artimanhas sedutoras e recursos atrativos para realçar qualidades de candidatos ou minimizar defeitos.   |||   Não é bem assim. O documentário mostra o processo de construção de uma estrutura coletiva de massa passiva, suscetível e maleável ao longo dos anos, inspirada sobretudo no perfil da pouco reflexiva e consumista sociedade americana. Nesse sentido, o trabalho psicológico de engenharia social sobre o povo americano se deu para a realização pessoal por meio do consumo. Os motes eram desejar, comprar o que não precisava, se afirmar diante de si e do outro como ser. Indo além, incentivar o consumo alternativo para que as pessoas criassem um estilo próprio de ter e consumir e com isso construir e revelar personalidade ímpar. Noutras palavras, os produtos que compravam tinham ligação direta com a personalidade e a realização de fantasias.  |||   Realizadas por meio do consumo, as pessoas se tornavam felizes e ao mesmo tempo maleáveis. Quaisquer inquietações de ordem social poderiam ser resolvidas por meio de consumo e, em situações extremas, sessões de terapia. O ser cidadão deveria ceder espaço para o ser consumidor. Questões de cidadania seriam solucionadas via estado e o ser consumidor se resolveria pelo mercado (consumo). Resumindo, mais consumidor e menos cidadão, mais consumidor com menos interferência do estado na vida social.   |||   No texto fiz vários paralelos com o golpe de 2016, e deixei, propositadamente de lado os efetivos doze anos de gestão petista, que também se notabilizou pelo incentivo ao consumo, até hoje exibido como grande trunfo. O resultado, porém, mostrou falhas, na medida em que a ascensão da classe pobre e da classe rica teria provocado sensação de empobrecimento da classe média. Ao ver o vizinho pobre comprar um carro e ela não conseguir trocar o seu por um modelo mais novo, a sensação de empobrecimento se tornou inevitável. Nem programas como Ciência sem Fronteiras foram capazes de demover essa inquietação, a ponto de a engenharia social do golpe (Século do Ego) ter se apropriado rapidamente dessa massa ignara - vorazes caçadoras de títulos e príncipes.   |||   Como o Partido dos Trabalhadores já tem críticos demais, justos e injustos, melhor deixá-lo de lado e mergulhar no papel da grande mídia, que se encarregou de criar Macabéas. No conto de Clarice Lispector, a Macabéa  era um ser amorfo, insípido, inodoro, desinformado, mas guardava uma certa pureza. Já as macabéas produzidas pelos Marinhos e seus asseclas, têm como grande diferencial o preconceito, a ganância e a maldade. Integraria a tal elite do atraso. A dita grande mídia criou Macabéas sob a verve do ódio, como forma de levá-las às ruas na construção do golpe. Mas, de tanto ódio que disseminou, acabou se perdendo no caminho e hoje se pergunta: o que foi que fiz? Não é Mírian, Bonner, Villa, Sardenberg? O candidato da Farsa Jato virou traço nas pesquisas, Blablarina sumiu e o picolé de Chuchu murchou.   |||   Sobrou o ódio canalizado para o Coiso, que desde sempre, com a proposital e estratégica prisão do Lula, passou liderar pesquisas e chegou ao segundo turno com uma avalanche de votos. Fato: houve erro de cálculo na engenharia social da mídia golpista, mas acerto estratégico da cozinha do golpe. Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, o antropólogo Piero Leirner, estudioso de instituições militares na Universidade Federal de São Carlos fala de estratégias militares na campanha do candidato Coiso. Ele fala claramente de técnicas de manipulação psicológica que guardam coerência absoluta com a narrativa do documentário Século do Ego, que adiantamos neste GGN. No presente é forte a ênfase aos conceitos de “guerra híbrida” e “bombardeio semiótico”.   |||   Um bom exemplo da eficácia dessas manobras é a rapidez com que o movimento feminino pelo #EleNão caiu em desgraça. Em poucas horas mulheres guerreiras que participaram do movimento se transformaram em vadias no pior sentido. As imagens do movimento difundidas pelas redes bolsopatas eram constrangedoras. Imagens previamente produzidas foram agregadas a imagens reais e se construiram exemplos de mulher: quengas, vadias, devassas, depravadas, lésbicas e vai por aí...   |||   O clima laboratorial de Século do Ego aparece também na entrevista de Piero Leirner, quando ele fala do “ambiente de dissonância cognitiva propositadamente criado para desnortear pessoas, instituições e imprensa”. Criado o impasse, o Coiso aparece como restaurador da ordem, usando expressões vagas como “força, religião, família, hierarquia”, a mesma retórica para desqualificar opositores e o movimento #EleNão.   |||   O Brasil que há cinco anos quase foi incendiado por 20 centavos na passagem de ônibus, derrubou uma Presidenta por um crime inexistente e um aumento pífio na gasolina e que parecia preocupado com a suposta quebra do País, acolhe, estranhamente, um candidato que não toca nesses temas e nada sabe sobre eles. A horda bolsopata deixou de lado o futuro do país para falar de 'ânus, Kit Gay, bala, Deus...'   Por trás de tudo, uma engenharia tipo Século do Ego, impulsionada por robôs instalados dentro/fora do Brasil, com a utilização de perfis falsos e usurpação de alguns perfis de terceiros nas redes sociais, como o meu. Para quem não sabe, tive meu nome inserido inúmeras vezes em grupos de apoio ao Coiso. Lá testemunhei a fábrica de violência e mentiras que move a campanha nazista, fruto do ódio despertado por uma mídia porca, covarde, antinacionalista e que hoje vacila entre o desconserto e o arrependimento.   |||   Militância X Robôs, ainda temos tempo!
(*) Armando Rodrigues Coelho Neto - é jornalista, advogado e delegado aposentado da Polícia Federal, ex-representante da Interpol em São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário