A CONTROVERSA(E
NEBULOSA)
CARREIRA DE GILMAR
MENDES
Para
ajudar os leitores, preparamos perguntas e respostas sobre o complicado
ministro do Supremo.
Um
problema nacional
O
texto abaixo foi publicado há quatro anos atrás. Como Gilmar apareceu no Escândalo
Globo como o responsável pelo 'habeas corpus' concedido à funcionária da Receita
que tentou sumir com o processo, entendemos oportuno republicá-lo em 2013.
O ministro Gilmar Mendes se meteu periodicamente em controvérsias. Para
ajudar os leitores do DCM a se situarem, montamos um grupo de perguntas e
respostas sobre Gilmar.
Quem
indicou Gilmar Mendes para o STF?
Fernando
Henrique Cardoso.
Como
a indicação de Gilmar Mendes para o STF foi recebida por juristas ilibados?
No
dia 8 de maio de 2002, a Folha de S. Paulo publicou um artigo do
professor Dalmo Dallari, a propósito da indicação de Gilmar Mendes para o
Supremo Tribunal Federal, sob o título de Degradação do Judiciário.
Qual
era o ponto de Dallari?
“Se
essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado”, afirmou Dallari, “não há
exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.”
Por
quê?
Gilmar,
segundo Dallari, especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse
do governo. “Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca
se notabilizou pelo respeito ao direito”, escreveu Dallari. “No governo
Fernando Henrique, o mesmo Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério
Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na
tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando
inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese
jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique
revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente,
o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou
aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.”.
Como
Gilmar, no cargo de advogado- geral da União, definiu o judiciário brasileiro
depois de suas derrotas judiciais?
Ele
fez uma afirmação textual segundo a qual o sistema judiciário brasileiro é um
“manicômio judiciário”.
Como
os juízes responderam a isso?
Em
artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, um juiz observou que “não são decisões injustas que
causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União,
mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
Havia
alguma questão ética contra Gilmar quando FHC o indicou?
Sim. Em abril de 2002, a revista “Época”
informou que a chefia da Advocacia Geral da União, isto é, Gilmar, pagara R$
32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público – do qual o mesmo Gilmar é
um dos proprietários – para que seus subordinados lá fizessem cursos.
Criador e criatura
O que Dallari disse desse caso?
“Isso é contrário à ética e à probidade
administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”,
exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo”,
afirmou Dallari.
Em outros países a indicação de juízes
para o STF é mais rigorosa?
Sim. Nos Estados
Unidos, por exemplo, um grande jurista conservador, Robert Bork, indicado por
Reagan, em 1987, foi rejeitado (58 votos a 42), depois de ampla discussão
pública.
Como o Senado americano tratou Bork?
Defensor declarado dos trustes, Bork foi arrasado
pelo senador Edward Kennedy A América de Bork – disse Kennedy – será aquela em
que a polícia arrombará as portas dos cidadãos à meia-noite, os escritores e
artistas serão censurados, os negros atendidos em balcões separados e a teoria
da evolução proscrita das escolas.
O caso foi tão emblemático que to bork passou a ser verbo. Mais tarde, em outubro
de 1991, o juiz Clarence Thomas por pouco não foi rejeitado, por sua conduta
pessoal. Aos 43 anos, ele foi acusado de assédio sexual – mas os senadores,
embora com pequena margem a favor (52 votos a 48), o aprovaram, sob o argumento
de que seu comportamento não o impedia de julgar com equidade.
Na forte campanha contra sua indicação as
associações femininas se destacaram. E o verbo “borquear” foi usado por
Florynce Kennedy, com a sua palavra de ordem “we’re going to bork him”.
Já no Supremo, Gilmar continuou a agir
contra os interesses dos índios, como fizera antes?
Sim. Em 2009, o governo cedeu aos guaranis-caiovás
a terra que eles ocupavam então. Em 2010, o STF, então presidido por Gilmar
Mendes, suspendeu o ato do governo, em favor de quatro fazendas que reivindicam
a terra.
A mídia tem cumprido seu papel de
investigar Gilmar?
Não, com exceção da Carta Capital. Na edição de 8
de outubro de 2008, a revista revelou a ligação societária entre o então
presidente do Supremo Tribunal Federal e o Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP).
O que é o IDP?
É uma escola de cursinhos de direito cujo prédio
foi construído com dinheiro do Banco do Brasil sobre um terreno, localizado em
área nobre de Brasília, praticamente doado (80% de desconto) a Mendes pelo
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.
Ayres Brito deu aula magna no IDP
O que a Carta Capital revelou sobre o IDP?
O autor da reportagem, Leandro Fortes, revelou que
o IDP, à época da matéria, fechara 2,4 milhões em contratos sem licitação com
órgãos federais, tribunais e entidades da magistratura, “ volume de dinheiro
que havia sido sensivelmente turbinado depois da ida de Mendes para o STF, por
indicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.
Quem dava aulas no IDP, segundo a Carta
Capital?
O corpo docente do IDP era formado, basicamente,
por ministros de Estado e de tribunais superiores, desembargadores e advogados
com interesses diretos em processos no Supremo. “Isso, por si só, já era
passível de uma investigação jornalística decente”, escreveu em seu blog o
autor da reportagem. “O que, aliás, foi feito pela Carta Capital quando toda a
imprensa restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em questão.”
O jornalista deu algum exemplo?
Sim. Na época da Operação Satiagraha,
dois habeas corpus foram concedidos por Mendes ao banqueiro Daniel
Dantas, em menos de 48 horas. Em seguida, conforme Leandro Fortes, “a mídia
encampou a farsa do grampo sem áudio, publicado pela revista Veja, que serviu
para afastar da Agência Brasileira de Inteligência o delegado Paulo Lacerda,
com o auxílio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia
sobre existência de equipamentos secretos de escuta telefônica que teriam sido
adquiridos pela Abin”.
Como Gilmar reagiu às denúncias?
A Carta Capital e o repórter, por revelarem as
atividades comerciais paralelas de Gilmar Mendes, acabaram processados pelo
ministro.
Mendes acusou a reportagem de lhe “denegrir a
imagem” e “macular sua credibilidade”. Alegou, ainda, que a leitura da
reportagem atacava não somente a ele, mas serviria, ainda, para “desestimular
alunos e entidades que buscam seu ensino”.
Como a justiça se manifestou sobre o
processo?
Em 26 de novembro de 2010, a juíza Adriana Sachsida
Garcia, do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a ação de
Gilmar Mendes e extinguiu o processo.
O que ela disse?
“As informações divulgadas são verídicas, de notório
interesse público e escritas com estrito animus narrandi. A matéria publicada
apenas suscita o debate sob o enfoque da ética, em relação à situação narrada
pelo jornalista. (…) A população tem o direito de ser informada de forma
completa e correta. (…) A documentação trazida com a defesa revela que a
situação exposta é verídica; o que, aliás, não foi negado pelo autor.”
É verdade que Ayres Brito, que
prefaciou o livro de Merval Pereira sobre o Mensalão, proferiu aula magna no
IDP?
Sim.
Procede a informação de que, em pleno
Mensalão, Gilmar foi ao lançamento de um livro de Reinaldo Azevedo em que os
réus eram tratados como “petralhas”?
Sim.
Bons amigos: Merval e Ayres Brito
E agora, como entender a crise entre o
Supremo Tribunal Federal e o Congresso?
Nas palavras do colunista Janio de Freitas, esta
crise “não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos
patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino
que está a “crise”, na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um
efeito enorme na grande arquibancada chamada país”.
É verdade que o Congresso aprovou
um projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo?
Não. A Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara, como explicou Janio de Freitas, nem sequer discutiu o teor do
projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso.
“A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do
projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e
eventualmente levado a plenário”, explicou Jânio. “A CCJ considerou que sim. E
nenhum outro passo o projeto deu.”
E qual foi a atitude de Gilmar neste
caso?
Ele afirmou que os parlamentares “rasgaram a
Constituição”. Isso só é equiparável, segundo Jânio, à afirmação de
Gilmar de que “o Brasil estava sob “estado policial”, quando, no governo Lula,
o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida
ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial”.
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