quinta-feira, 8 de agosto de 2019

“Não, ele não é um louco! 

Respeitem a loucura!”, diz

doutora em Psicologia

Ao contrário, ele representa uma racionalidade que por pouco tempo, com algum pudor, ocultava-se nas cordialidades cotidianas e, hoje, sente-se livre...

CYNTHIA CIARALLO(*), no JORNAL/GGN

Respeitem a loucura.  Não a ofendam.  Não justifiquem nem reifiquem manicômios por atos vis de um tirano.  Não, ele não é um louco.  Ele não representa a desrazão.  Ao contrário, ele representa uma racionalidade que por pouco tempo, com algum pudor, ocultava-se nas cordialidades cotidianas  e, hoje, sente-se livre, sem qualquer controle institucional e/ou moral que interrompa o avanço do seu desprezo à humanidade para além de si e dos seus.   ➤   Não, não invoquem a loucura para ocultar a racionalidade forjada em uma sociedade violentamente capitalista, individualista, racista, machista, heteronormativa, de classes e  autoritária.  A loucura não pode ser mais uma vez violentada, utilizada  como álibi para proteger decisões operadas, na verdade, pela racionalidade da destruição, do extermínio da diferença entre nós  para sustentar privilégios.   ➤   A elite brasileira encontrou um interlocutor para legitimar suas violências de classe, para sofismar a liberdade de expressão como um recurso legítimo para perpetuar seus mandos históricos e amordaçar vozes que começavam a se emancipar.  E esse interlocutor não é um louco. Respeitem a loucura!  ➤ Despatologizemos a ausência de reverência à alteridade. Até porque a loucura – enquanto subversão dessa racionalidade historicamente hegemônica – seria amar, solidarizar-se, reconhecer a diversidade de existências e respeitá-la, sacralizar a mãe-terra e seus guardiães, dividir o pão em uma sociedade que faz do mérito a justificativa  para a manutenção da desigualdade.   ➤   Patologizar os princípios que ancoram o capital é seguir colonizando o imaginário com a falácia de que o desrespeito à alteridade não seria humano.  Infelizmente, é humano desumanizar.   Se há um protagonista, há uma trama que o mantém e um público cativo que o financia: a elite brasileira não pode, mais uma vez ser absolvida por seguir aplaudindo o espetáculo. Ela cria loucos para não se ver – nem ser vista – com suas ambiguidades de oportunidade.  ➤   Chamá-lo de louco, além de ocultar as razões que operam o jogo de forças em uma sociedade dissimulada na figura do cidadão do bem, é também legitimar a manutenção de manicômios – já nos dizia o alienista machadiano.   O Rei não está louco.  Ele está nu e alguém precisa gritar.
(*) CYNTHIA CIARALLO  é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia, Professora Universitária e ativista DH. Integra o 'Coletivo PsiDF', tendo atuado como Conselheira de Direitos Humanos no Distrito Federal  e na Coordenação de Combate à Tortura na Secretaria de Direitos Humanos. 

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