“Não, ele não é um louco!
Respeitem a loucura!”, diz
doutora em Psicologia
Ao contrário, ele representa uma racionalidade que por pouco tempo, com algum pudor, ocultava-se nas cordialidades cotidianas e, hoje, sente-se livre...
CYNTHIA CIARALLO(*), no JORNAL/GGN
Respeitem a loucura. Não a ofendam. Não justifiquem nem reifiquem manicômios por atos vis de um tirano. Não, ele não é um louco. Ele não representa a desrazão. Ao contrário, ele representa uma racionalidade que por pouco tempo, com algum pudor, ocultava-se nas cordialidades cotidianas e, hoje, sente-se livre, sem qualquer controle institucional e/ou moral que interrompa o avanço do seu desprezo à humanidade para além de si e dos seus. ➤ Não, não invoquem a loucura para ocultar a racionalidade forjada em uma sociedade violentamente capitalista, individualista, racista, machista, heteronormativa, de classes e autoritária. A loucura não pode ser mais uma vez violentada, utilizada como álibi para proteger decisões operadas, na verdade, pela racionalidade da destruição, do extermínio da diferença entre nós para sustentar privilégios. ➤ A elite brasileira encontrou um interlocutor para legitimar suas violências de classe, para sofismar a liberdade de expressão como um recurso legítimo para perpetuar seus mandos históricos e amordaçar vozes que começavam a se emancipar. E esse interlocutor não é um louco. Respeitem a loucura! ➤ Despatologizemos a ausência de reverência à alteridade. Até porque a loucura – enquanto subversão dessa racionalidade historicamente hegemônica – seria amar, solidarizar-se, reconhecer a diversidade de existências e respeitá-la, sacralizar a mãe-terra e seus guardiães, dividir o pão em uma sociedade que faz do mérito a justificativa para a manutenção da desigualdade. ➤ Patologizar os princípios que ancoram o capital é seguir colonizando o imaginário com a falácia de que o desrespeito à alteridade não seria humano. Infelizmente, é humano desumanizar. Se há um protagonista, há uma trama que o mantém e um público cativo que o financia: a elite brasileira não pode, mais uma vez ser absolvida por seguir aplaudindo o espetáculo. Ela cria loucos para não se ver – nem ser vista – com suas ambiguidades de oportunidade. ➤ Chamá-lo de louco, além de ocultar as razões que operam o jogo de forças em uma sociedade dissimulada na figura do cidadão do bem, é também legitimar a manutenção de manicômios – já nos dizia o alienista machadiano. O Rei não está louco. Ele está nu e alguém precisa gritar.
(*) CYNTHIA CIARALLO é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia, Professora Universitária e ativista DH. Integra o 'Coletivo PsiDF', tendo atuado como Conselheira de Direitos Humanos no Distrito Federal e na Coordenação de Combate à Tortura na Secretaria de Direitos Humanos.
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