-“Você faz faxina?”
-“Não, faço mestrado.
Sou
professora”
Luana Tolentino, professora e historiadora em BH |
DaCARTA CAPITAL, via A POSTAGEM
A professora e historiadora Luana Tolentino viralizou nas redes sociais após relatar um caso de racismo sofrido em Belo Horizonte. Na quarta-19, a docente caminhava pela rua quando foi abordada por uma senhora branca que perguntou se ela fazia faxina. Luana escreveu um depoimento sobre o caso, refletindo sobre os impactos do racismo na sociedade.
Luana Tolentino, via Facebook
"Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu
fazia faxina. Altiva e segura, respondi: –Não. Faço mestrado. Sou professora. ➤ De sua boca não ouvi mais nenhuma palavra. Acho
que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer
coisa. Não me senti ofendida com a pergunta. Durante uma
passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi
com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar
comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade. ➤ O que me deixa indignada e entristecida é perceber
o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só
perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele escura. ➤ No imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos
ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade.
Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da
empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de
papel. ➤ É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse
no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para serviços
gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se eu era a
faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção racista que induziu
uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior
honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui
convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma das homenageadas. ➤ Não importam os caminhos a que a vida me leve, os
espaços que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os prêmios que eu
receba. Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o nome em algum
momento ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande Mestre Milton
Santos: “Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra coisa, só
excepcionalmente não se será o pobre, (…) não será humilhado, porque a questão
central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico.” ➤ É o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além.
Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre haverá alguém para nos
chamar de “macaca/o”. Desde a tenra idade, os brancos sabem que nenhum outro
xingamento fere de maneira tão profunda a nossa alma e a nossa dignidade. ➤ O racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente
as manifestações racistas serão extirpadas por completo. Em função disso,
Ângela Davis nos encoraja a concentrar todos os nossos esforços no combate ao
racismo institucional. ➤ É o racismo institucional que cria mecanismos para
a construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam. É ele que empurra a população negra para a pobreza
e para a miséria. No Brasil, “a pobreza tem cor. A pobreza é negra.” ➤ É o racismo institucional que impede que os crimes
de racismo sejam punidos. É ele também que impõe à população negra os maiores índices de
analfabetismo e evasão escolar. ➤ É o racismo institucional que “autoriza” a polícia
a executar jovens negros com tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas. É o racismo institucional que faz com que as
mulheres negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna. É o racismo institucional que alija os negros dos
espaços de poder. ➤ O racismo institucional é o nosso maior inimigo. É
contra ele que devemos lutar. A recente aprovação da política de cotas na UNICAMP
e na USP evidencia que estamos no caminho certo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário