sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Nem um passo atrás: queiram ou não, Marx sempre esteve no ideário da luta pela emancipação dos trabalhadores

  

FERNANDO HORTA(*),  no JORNAL/GGN

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 Karl   Marx(direita)   e  Friedrich  Engels,
 maiores pensadores da luta do proletariado
Esta semana me chegou às mãos a manifestação de uma professora argumentando que “as questões de gênero NÃO foram postas pelo comunismo e não foram centrais em NENHUM país que se disse socialista ou em grupos de esquerda. Esta é uma problemática trazida pelas mulheres, inclusive em crítica ao marxismo.”   |||  Na semana passada um líder trabalhista afirmava que “o direito do trabalho, visto pelos trabalhistas, nada tem a ver com marxismo ou comunismo. Estamos bem longe desta gente (sic). Nossa discussão é pacífica, bem-intencionada e em defesa dos direitos do trabalhador”. Ainda, numa conversa com um membro do movimento negro, ele me afirmou: “O que eu sinto por ser negro nada tem a ver com classe ou discussão econômica. É outro lance. É uma coisa que nenhum proletário nunca vai saber e é por isto que não aceito proletário branco metendo colher na luta negra.”  |||  Não vou entrar no mérito de cada uma das abordagens porque elas contêm inúmeros erros empíricos e argumentos tautológicos. O ponto central é que todas essas manifestações – apesar de eu acreditar que foram feitas por pessoas muito engajadas – fortalecem os sistemas ideológicos que hoje estão comandando a guinada para a direita em todo mundo. No fundo, este neoidentitarismo radical, além de uma ferramenta usada pela direita liberal, ainda flerta com princípios autoritários evidentes. Essas pessoas – mesmo que sem saber – contribuem para fortalecer a opressão contra si mesmas e em nada fortalecem as lutas emancipatórias, apesar de piamente acreditarem que sim.  |||  Mesmo que se discuta qual o caráter do século XXI, o trabalho ainda não deixou de ser ponto central da formação dos indivíduos e das sociedades. Não é o capitalismo, a tecnologia, os robôs, o “sistema” ou qualquer outro conceito intermediário que queiramos aqui colocar que produz algo. Continua sendo o ser humano e sua força de trabalho que impulsiona todo o resto.  |||   Para a imensa maioria das pessoas, “não existe almoço grátis”. E essa frase, repetida por Milton Friedmann(pai do neoliberalismo), esconde o fato de que para algumas pessoas não só existe almoço grátis, como também sapato, roupa, carro, viagens, estudo  etc, já que nada disso vem de sua força de trabalho. Significa que, em pleno século XXI, com todas as críticas feitas ao marxismo, continuamos às voltas com a centralidade social e econômica do trabalho e com a questão da desigualdade cada vez mais preponderante.  |||  A realidade diária da imensa maioria das pessoas no planeta continua sendo alvo de toda a crítica marxista. O marxismo não está defasado nem nunca “saiu de moda”. Até porque “moda” é uma ideia superestrutural que visa à dominação de classe.  |||  Se a realidade do século XX, e também do século XXI, não colocou a crítica marxista de lado, como e por quê as pessoas hoje estão fugindo do marxismo? Não é segredo para ninguém a imensa campanha ocidental levada a cabo contra o marxismo durante o século XX. A demonização da URSS, a aproximação, por retórica, das figuras de Hitler e Stalin, a perseguição aos partidos comunistas em todo o mundo, a dissolução dos sindicatos e movimentos sociais de massa foram todos objetivos levados a cabo através de massivos investimentos em propaganda (e controle social físico) pelo mundo todo.  |||  A construção dessa narrativa – que em sua essência visa a escamotear a ideia de que todos nós somos TRABALHADORES – levou anos para ser consolidada, consumindo muitos bilhões de dólares. Ela começa nos EUA logo após a Segunda Guerra, com um programa imenso de financiamento do governo norte-americano para colocar “uma televisão em cada lar americano”. Em seguida vieram os “noticiários noturnos diários” e a partir daí toda sorte de ardis políticos, sociológicos, de marketing  para afastar as massas daquelas ideias que lhes davam uma identidade e uma razão de luta.  |||   No Brasil, por exemplo, criou-se todo um conjunto léxico para afastar a crítica marxista. Na década de 90, trabalhador virou “colaborador”, precarização do trabalho virou “flexibilização trabalhista”, desemprego virou “capacidade produtiva não empregada”, sindicatos viraram “vagabundos” e povo simplesmente não existe mais.  |||  Agora, temos as feministas, divididas por cor e por “local da fala”, os negros, as populações LGBTTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), os “acadêmicos”, os “profissionais liberais”, funcionários do Estado, e assim por diante.  Todos separados. Todos supostamente com “pautas próprias”. E todos sendo confrontados diariamente em todas e quaisquer pautas separadamente.  |||  Presenciei mulheres negras negando legitimidade a mulheres brancas por falta de “lugar da fala”. Presenciei líderes sindicais se recusando a ouvir acadêmicos de esquerda porque, segundo os sindicalistas, estes últimos “não trabalham”. Negros e brancos pobres discutindo quem é mais explorado e quem tem mais direito de se sentir “por baixo”. Nestas condições, não sei se todos esses grupos notaram, mas cada vez está pior ser mulher, negro, homossexual, trabalhador etc,  não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Estas discussões não agregaram nada na luta de emancipação primordial que é aquele pelo sustento diário. Não há discussão sobre direitos de ninguém enquanto se morre de fome.  |||  As linhas fascistas de argumentação afastaram os grupos marginalizados pelo capitalismo dizendo-lhes que não são 'marginalizados' pelo capitalismo. E enfrenta cada um desses grupos em separado. Não se consegue obter um efeito sinérgico de todas as lutas. Todos somos vencidos, cada grupo em seu “espaço de fala”. A mixórdia feita pelos fascistas apenas coloca o bloco político da direita coeso contra migalhas de pessoas distribuídas no espectro de luta. Se você reparar, são sempre as mesmas pessoas, entoando as mesmas rezas e cânticos que agridem Butler, que votam pela criminalização do aborto, que defendem o policial que mata negros, que são contra os sindicatos e os funcionários públicos e  defendem o “Escola sem Partido”. São sempre os mesmos. Sempre a mesma 'curriola'.  |||  Agora, para fugirem dos ataques dos grupos fascistas, as pessoas fogem do marxismo “denunciando” o que acreditam serem fraquezas ou incongruências de Marx.  Como já antes fizeram negando que são “trabalhadores”, depois denunciando os “vândalos” em manifestações, em seguida dizendo que as “discussões de classe” estão ultrapassadas. É o mesmo processo didático que tem nos levado a constantes derrotas. O caminho não é se afastar de Marx, mas tomar a Revolução para si. Se teve uma vitória inegável de Marx sobre Hegel foi o fato de o primeiro mostrar claramente que não existe um “ser” distanciado de sua condição de subsistência.  |||  Enquanto não houver igualdade material, toda e qualquer outra forma de igualdade é transitória e irreal. Enquanto não houver trabalho, terra e pão para todos os que precisam, “liberdade”, “identidade”, “subjetivação” são como o glacê em um bolo inexistente. É preciso retomar a unidade de ação, é preciso compreender que aquilo que nos une hoje é muito mais importante do que o que nos separa. Nenhuma vitória de pautas identitárias sobreviveu a qualquer crise econômica. Beauvoir avisava isto para as mulheres. Luther King, Gandhi e Nasser levaram a mesma ideia aos seus movimentos.  |||  É verdade que a população negra é a que mais morre em ataques da polícia e com o maior número de encarceramentos sancionados pelo Judiciário. É verdade que a população LGBTTT é a que mais sofre violências invisíveis, chacinas não contadas e preconceito “natural”. É verdade que as mulheres são o grupo mais atacado e desrespeitado em toda a história da humanidade. Pode ser verdade que um trabalhador branco sofra menos que uma trabalhadora negra. Mas essa discussão, sobre quem está mais abaixo da linha da humanidade, em nada contribui  para a sua emancipação. Só há uma categoria que une a todos nós no mesmo lado da luta. Somos todos trabalhadores. Somos todos proletários.  |||  Ser proletário não me desconstrói. Ser proletário não me diminui. Ser proletário não me torna invisível. Muito pelo contrário, é através da luta material do proletariado, dos trabalhadores, que se vai obter espaço para que os embates
identitários ganhem força e visibilidade. Foi assim em todas as revoluções de esquerda. E só nelas. A História está ao nosso lado.

(*) Fernando Horta é jornalista,  historiador e doutorando na Universidade de Brasília.

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