quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Gilmar teve atitude "autoritária e
mesquinha" no julgamento da      
doação privada, diz OAB                  

Após passar cinco horas proferindo seu voto em favor do financiamento empresarial e contra o PT, Gilmar não tolerou que representante da OAB se manifestasse. Repreendido por Lewandowski, ele rebateu: "Eu sou ministro da Corte, o advogado é advogado"...

Cíntia Alves      imagem de Ramalho12Luis Nassif Online

     
Jornal GGN - Foi com postura "autoritária e mesquinha" que o ministro Gilmar Mendes abandonou a sessão do Supremo Tribunal Federal que julgava a constitucionalidade do financiamento empresarial de campanha, na tarde dessa quarta-feira (17), por não tolerar que um representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entidade autora da ação que visa o fim desse tipo de doação eleitoral, prestasse esclarecimentos à Corte.
Em nota, a OAB do Rio de Janeiro manifestou repúdio ao tratamento que Gilmar reservou a Cláudio Pereira de Souza, conselheiro federal da Ordem. O tom do magistrado foi repreendido pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que garantiu a fala do advogado.
O imbróglio começou na retomada do julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) apresentada pela OAB em 2011, na tentativa de derrubar o financiamento empresarial de campanha. Gilmar travou a discussão por mais de um ano. Nesta quarta (16), dois dias após a Câmara aprovar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) legalizando esse método de doação, o julgamento recomeçou e Gilmar levou quase cinco horas para declarar o voto.
A explanação foi repleta de ataques ao PT e à presidência da República, que, na visão de Gilmar, teriam se beneficiado eleitoralmente dos esquemas de corrupção na Petrobras, investigados na Operação Lava Jato. O ministro admitiu que não houve julgamento definitivo sobre os possíveis crimes cometidos por agentes políticos ligados ao governo, mas sustentou que o STF não pode deixar as revelações da Lava Jato de lado ao analisar a constitucionalidade do financiamento empresarial.
Gilmar defendeu que uma vez que há indícios de que o PT usa a máquina federal e acordos com empresários para manter seu "projeto de poder", "as doações privadas agora são instrumento de reequilíbrio do processo eleitoral". Na visão dele, com financiamento público de campanha, os demais partidos seriam prejudicados pois não teriam as mesmas condições de arrecadação de recursos como tem a legenda que elegeu Dilma.
Ignorando que há pesquisas que dão conta de que a maioria da população brasileira apoia o fim das doações privadas, Gilmar ainda atacou a ADI apresentada pela OAB, afirmando que trata-se de uma peça que serve aos interesses do PT. O partido, por sua vez, passou a defender o financiamento público de campanha só agora que está "debilitado" frente à opinião pública.
Encerrado o voto de Gilmar, o representante da OAB solicitou ao presidente Lewandowski espaço para uma questão de fato.
Lewandowski: É uma questão de fato ou de ordem?
Cláudio Pereira de Souza: De fato.
Lewandowski: Pois não, porque vossa excelência não pode fazer uma réplica ao voto do ministro Gilmar Mendes.
Souza: Não pretendo fazer nenhuma réplica ao voto de sua excelência, só quero esclarecer alguns fatos que, creio, sejam importantes para que a Corte tenha compreensão quanto, inclusive, ao legitimado que propôs a ADI.
Lewandowski: Pois não.
Souza: Primeiro, enfatizar que a ADI foi proposta há cinco anos. O subescritor da ADI era o presidente Ophir Cavalcanti, que todos que acompanharam o debate público daquela época sabem...
Gilmar: Isso não tem nada de questão de fato! Tudo isto está dentro do voto que eu...
Lewandowski: Vamos garantir a palavra ao advogado. Vossa excelência falou por quase cinco horas.
Gilmar: Só que eu sou ministro da Corte, e o advogado é o advogado.
Lewandowski: O advogado representa a OAB e tem direito à palavra.
Gilmar: Vossa excelência pode deixá-lo falar por dez horas, mas não fico... - disse o magistrado, abandonando a sessão.
Lewandowski: Quem preside a sessão sou eu, ministro. Vossa excelência fica com a palavra - indicou ao representante da OAB.
Em nota, a seção fluminense da OAB repudiou a "lamentável atitute do ministro, que mostrou postura autoritária e mesquinha ao se levantar e deixar o plenário do STF ante um mero esclarecimento de fato feito pelo conselheiro".
"A sociedade brasileira já não pode admitir que magistrados se julguem diferentes dos demais seres humanos e se sustentem exclusivamente em votos unilaterais, extensos, estéreis e eivados de ódio", disparou a OAB. "Ao não suportar um mero esclarecimento de fato  após cinco horas de voto, Gilmar Mendes acaba por simbolizar um Poder Judiciário arcaico e desconectado da democracia", acrescentou.
O Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB também repudiou "os ataques grosseiros e gratuitos, desprovidos de qualquer prova, evidência ou base factual, que Gilmar Mendes fez à Ordem. (...) Não mais o tempo do poder absoluto dos juízes. Não mais a postura intolerante, símbolo de um Judiciário arcaico, que os ventos da democracia varreram. Os tempos são outros e a voz altiva da advocacia brasileira, que nunca se calou, não será sequer tisnada pela ação de um magistrado que não se fez digno de seu ofício."
 
Mas críticas

No artigo "O STF e seus ministros parlamentares", publicado pelo Estadão desta quinta-feira (17), o professor e coordenador do Supremo em Pauta da FGV Direito SP, Rubens Glezer, sustentou que Gilmar subverteu a lógica do espaço institucional que um ministro do Supremo ocupa.
"Sob o pretexto de votar na ação sobre o modelo de financiamento de campanhas eleitorais, o ministro Gilmar Mendes ocupou seu espaço institucional no Supremo Tribunal Federal para se posicionar e discursar contra o Partido dos Trabalhadores e a Presidência da República. (...) Para Gilmar, a discussão sobre financiamento de campanhas é uma conspiração contra a oposição e, por isso, deve ser rejeitada. Abandonou-se o debate constitucional e optou-se por uma ode ao impeachment."
Andamento
A ADI continuará sendo votada nesta quinta (17) pelo STF. Até agora o placar é de 6 votos a 1 pelo fim de doações de empresas a candidatos e partidos políticos.
Gilmar tenta convencer seus colegas a mudar de opinião usando as novidades da Lava Jato e alegando que só o Congresso é que tem legitimidade para tratar de temas referentes a mudanças no sistema eleitoral.
Faltam votar os ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Edson Fachin não votará porque entrou na vaga de Joaquim Barbosa, que já havia votado contra o financiamento empresarial.

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