Encaixotando Dilma
Sob chefes homens, os esporros no Palácio do Planalto são cotidianos. Por que, então, quando a chefe é mulher, isso se torna uma reportagem?
A IstoÉ
resolveu reverberar as historinhas que sempre circularam no Palácio do
Planalto, e que sempre se mostraram indignas de qualquer reportagem séria. Não
porque seriam verdades ou não, as versões expostas pela revista já foram
devidamente contestadas pelas partes citadas, mas porque o assunto do humor da
Presidenta deveria ser uma questão infinitamente menor, e que só ganhou
destaque (estou convencido disso) por se tratar da primeira mulher presidenta
do país.
Quem trabalhou no Palácio, seja no Gabinete Pessoal, seja nas
Secretarias/Ministérios, sabe que aquilo não é um parquinho de diversões.
Decisões lá são tomadas e afetam milhões de brasileiros. É um ambiente de
trabalho sério, competitivo e, muitas vezes, arenoso. Navegar sobre águas
difíceis não é para molengas, tem de haver firmeza para o barco não desandar; e
quem se dispuser a trabalhar lá vai sofrer muita pressão, em todas as posições
hierárquicas possíveis, da chefa máxima ao suposto assessor que anotava as
bordoadas dela no caderninho negro.
Em condições normais, ou seja, sob chefes homens, os esporros
são cotidianos. Alguns desrespeitosos, outros justificados, o ambiente central
de poder do Palácio coloca todos à flor da pele. Por que, então, quando a chefe
é mulher, caberia uma reportagem dessas? Eu acredito que, dada a incapacidade
de a imprensa familiar (essa daí que a gente lê) e da oposição em descolar a
narrativa do impeachment da narrativa do golpe, só restou o caminho de conclamar a renúncia da presidenta. E, para isso, vão desconstruir Dilma ao máximo, ou melhor, vão
encaixotar Dilma como encaixotaram Helena (lembram do filme, de Jennifer
Lynch?).
Além da IstoÉ, outros dois veículos da imprensa já passaram
essa pista. A Folha de S. Paulo admitiu, em editorial, que a pedalada fiscal é
um fraco argumento para o crime de responsabilidade, restando a Dilma o
"ato de grandeza" da renúncia, inclusive, pasmem, com a renúncia do 'vice' Temer. O Estadão publicou reportagem sobre um suposto acordo de elites
(cavalheiros?) em que a Presidenta apresentaria uma emenda constitucional
abreviando seu mandato e convocando eleições gerais e até uma Constituinte.
Todos eles lidam com o seguinte paradoxo: um ato de vontade (a renúncia)
promovido por uma pessoa que perdeu a capacidade de governar, logo, de afirmar
sua vontade. Como resolver esse paradoxo? Encaixotando Dilma, cortando-lhe as
pernas, os braços, até que ela se submeta à vontade dos machos, do poder
misógino e patriarcal estampado nas entrelinhas das boas intenções desses
editoriais.
O que eles não sabem é o quão dependente essa narrativa
vai-se atrelando na própria vontade da Presidenta de decidir o futuro da nação,
dando-lhe a força política que lhe fora retirada pelas negociações
inconfessáveis do Congresso Nacional. Quanto mais o impeachment avança, mais
ele se revela golpista, envergonhando seus defensores. Restaria, portanto, a
Presidenta, "louca e cretina" salvar a todos com seu ato de grandeza,
renunciando para o bem de seus inimigos.
Afinal de contas, quem é mesmo que precisa tomar Rivotril
nessa história?
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