sexta-feira, 1 de junho de 2018

Projeto  neoliberal golpista  começa
a se desmilinguir com ação (embora
desorganizada) dos caminhoneiros 

 

J. CARLOS DE ASSIS, no JORNAL/GGN

Estava em Bonn, na  Alemanha, em 1985, quando se realizava a conferência dos sete grandes sob a irresistível liderança de Ronald Reagan e Margarett Thatcher. Ao ler o comunicado final me dei conta de que, para os líderes ocidentais, ali morria a social democracia europeia e nascia com força o neoliberalismo. Como em conferência desse tipo, dominava a cobertura política. E os jornalistas políticos, pelo que percebi, não entenderam absolutamente nada do que estava acontecendo. Seu foco era o conflito Estados Unidos-União Soviética.  |||  Talvez pelo fato de ser economista me foi mais fácil entender os códigos. Pensei comigo mesmo: isso não demora  muito a chegar ao Brasil. Chegou pela mão caótica de Collor de Mello e de sua equipe atabalhoada. Após o intervalo moderado e prudente de Itamar, sucedeu um pretensioso e arrogante Fernando Henrique Cardoso, que decidiu enterrar os ganhos sociais da era Vargas. Veio então Lula, com sua política de conciliação bailando entre favorecimento  aos pobres e aos neoliberais, através de Palocci e Meirelles. da economia política brasileira, podia-se prever, em algum momento, uma suposta conciliação. Mas vieram Temer, Meirelles, Moreira, Padilha, Geddel. Trouxeram um pacote de medidas, pós-impeachment, denominado ‘Ponte para o Futuro’, que radicalizou as posições neoliberais. Desconheço a existência de algo parecido na história da civilização: é a completa desmontagem de políticas sociais brasileiras de sete décadas, algumas já efetivadas, como a reforma trabalhista, e outras em perspectiva, como a da Previdência.  |||  Como  entender essa estupidez que levará necessariamente a uma reversão desse processo infame, já que só um idiota imaginaria que a sociedade iria tolerar  essas medidas indefinidamente? De fato, bastou a ação de algumas centenas de  milhares de caminhoneiros, aliás bastante desorganizada, para pôr em cheque o regime. Notem: por trás da política de preços do diesel está a Petrobrás, por  trás da Petrobrás está o Governo golpísta, por trás do Governo golpista está o “mercado” – notadamente o “mercado” internacional de ações, ou seja, o neoliberalismo.  |||  Para atender ao “mercado” – essa entidade mítica que fala pela boca  das pitonisas da imprensa -, Pedro Parente(que, pressionado,  acaba de pedir demissão da Petrobrás) pôs em risco o próprio regime de base neofascista. Ele estava agarrado ao princípio de que os acionistas privados da Petrobrás têm absoluta prioridade nas decisões da empresa. Isso significa  que, sem ser vendida, a empresa já é dos privatistas. É estranho, porque, do ponto de vista formal, trata-se de companhia de economia mista sob controle estatal. Entretanto, seu presidente não responde ao Governo, porém, uma vez mais, ao que ele chama de “mercado”.  |||  Vamos entender um pouco mais de “mercado”. Sou jornalista há mais de 40 anos e conheço os códigos também nisso. Na época em que era subeditor de Economia do JB, no fim dos anos  70, sob a chefia do Paulo Henrique Amorim, jamais ouvi ou mandei que fosse ouvida a opinião de algum analista ou operador de banco sobre política  financeira. Seguia rigorosamente o que observava John Kenneth Galbraith, um dos mais eminentes economistas do século XX: “não posso levar a sério opinião econômica de quem tem interesse próprio em jogo”.  |||  As opiniões do “mercado”(entre aspas) são um jogo de manipulação recíproca. O entrevistado quer tirar proveito pessoal da entrevista. E o jornalista em geral é um ignorante, disposto a colocar no papel (ou na tela) qualquer idiotice subjetiva para agradar o editor e, através dele, o patrão. Isso fica mais evidente com a cobertura de bolsa: a interpretação pela imprensa, em geral combinada entre os jornalistas, por temor de serem dissonantes entre si, é capaz de atribuir tendência de longo prazo a fatos absolutamente fortuitos.  |||  Agora voltemos à greve dos caminhoneiros. Tendo em vista o desastre que foi a entrevista coletiva dos ministros, no feriado dessa quinta-feira-31 de maio, duvido que algum caminhoneiro – ou melhor, algum cidadão comum – tenha entendido a proposta do Governo. É uma combinação paranoica de decisões, algumas de preço e outras de tributos -, cujo objetivo é atender, de forma simultânea, dois objetivos. Primeiro, dar o tal subsídio temporáriode apenas dois meses. Segundo, compensar o subsídio com tributos. Pergunta-se: o que o caminhoneiro tem a ver com tributos?  |||  Dizia Lênin que, nos processos históricos, a corrente se rompe pelo lado mais fraco. Os caminhoneiros não são de forma alguma grandes ideólogos revolucionários. Nem eles, nem os próprios petroleiros. Porém, objetivamente, estão fazendo uma revolução. Não existe nisso a famosa consciência de classes dos comunistas tradicionais.  É a consciência da fome. A variação do preço do diesel incide diretamente na sobrevivência deles e de suas famílias. Não é com conversa fiada de cunho neoliberal que o Governo, nessa atura à beira da queda, vai empulhar uma classe inteira.


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