Eis o momento para
o PT fazer
sua autocrítica
Mesmo golpeado e
desmoralizado, o PT ainda conta com a força inegável de sua aguerrida militância...
Saturnino Braga
Eis o momento para o PT fazer sua autocrítica. Jamais
perderá o crédito dos importantes avanços que deu à Nação Brasileira nos seus
treze anos de governo: a redistribuição de renda, a valorização dos salários,
como nunca antes, a multiplicação das universidades no interior, e das escolas
técnicas, e a nova articulação no campo internacional, a adesão aos BRICS e a
união sulamericana, que deu ao Brasil uma presença com destaque que nunca teve
antes. Ademais, deu completa liberdade à Polícia Federal e à Justiça para combaterem a
corrupção, desbaratarem quadrilhas, envolvendo importantes líderes políticos e
empresariais, sem nenhum cerceamento ou engavetamento, como antes
frequentemente se fazia. Eram seus compromissos fundamentais.
Registrados os êxitos, cumpre inventariar os erros. Houve
alguns de natureza econômica, como uma desatenção em relação à prioridade do
desenvolvimento industrial, uma exacerbação no incentivo ao consumo e na
ampliação do crédito em direção a um endividamento excessivo das famílias, e
ainda uma fixação grave na supervalorização do real ensejada pela boa onda de
exportação de commodities. Erros importantes, sim; entretanto não tão graves
quanto os erros políticos, que acabaram propiciando o golpe e o risco enorme de
um desmanche bruto nos avanços conquistados.
O PT nasceu e cresceu com uma proposta política nova,
isenta de vícios antigos, como um partido emproado que nos desprezava, a nós os
lutadores históricos do campo da esquerda, como os trabalhistas, os socialistas
e os comunistas. Em sua alardeada pureza, recusava alianças com qualquer outro
partido, lançava sempre candidatos próprios, para construir sua militância.
Pessoalmente, eu fui alvo desta intransigência ranheta do PT quando negou o
apoio à minha gestão socialista na prefeitura do Rio e, mais, no momento mais
agudo da crise da falência, foi um opositor duro que chegou a mover um processo
de expulsão dos dois petistas que colaboravam na minha administração: Sérgio
Andréa que era secretário de desenvolvimento social e Chico Alencar que era uma
das figuras principais da secretaria de educação.
Após a terceira derrota pela Presidência, o comando
do PT deve ter concluído que, na nova configuração da atividade política
instaurada pelo domínio absoluto do mercado e pela conseqüente mercantilização
de todos os aspectos da vida nacional, era necessário, era realisticamente
indispensável entrar no jogo mercantil e conseguir bons financiamentos para as
futuras campanhas eleitorais.
Assim foi pensado, assim foi decidido, assim foi feito,
suponho, e na eleição seguinte Lula saiu vencedor e foi elevado à presidência
da República. José Dirceu foi a grande figura no comando deste processo. O
preço que está pagando é altíssimo, e flagrantemente injusto em relação às
responsabilidades de centenas de outros líderes da política e da sociedade
brasileira que procederam da mesma maneira. A pena de 23 anos que lhe foi
imposta agora pelo torvo juiz Moro é uma decisão hedionda.
Bem, mas o PT já não era o mesmo da pureza original e, no jogo das composições
políticas para o exercício do poder, foi avançando mais e mais nas práticas da
mercantilização política. Na aliança com partidos useiros e vezeiros na
corrupção eleitoral, foi aprendendo e praticando com maior desenvoltura as
mesmas normas. A saída, discreta mas significativa, de Frei Betto das funções
que exercia no Palácio foi um primeiro aviso, que o PT não quis perceber. O
episódio rumoroso do 'mensalão' e a saída do grupo de militantes que fundou o
PSOL foi um segundo e definitivo aviso. Que o PT ainda não quis escutar.
Claro que, paralelamente, no exercício do poder, e no
apego a este exercício, descuidou-se também das sua ligações históricas com os
movimentos sociais e foi perdendo apoios importantes na sociedade.
O desfecho foi o golpe, a imprevidente abertura do flanco
para o golpe, que atingiu a Presidenta, que certamente teve os seus erros mas
nunca, jamais, entrou na prática ilícita de muitos dos seus companheiros. Mas
atingiu especialmente o Partido dos Trabalhadores, assim como o seu líder
maior, Luiz Inácio Lula da Silva.
Muito ruim tudo isso para o PT, que agora tem que fazer
sua autocrítica e se reorganizar para um futuro incerto. Incerto porém não
desesperador. Nas eleições seguintes a todo este triste episódio, os
empresários doadores com certeza serão muito parcimoniosos nos seus
investimentos eleitorais, e os partidos que puderem contar com militância
própria terão melhores condições de campanha. Pois certamente o PT, mesmo
golpeado e desmoralizado, ainda tem mais militância do que qualquer outro
partido brasileiro.
Pior que o PT está a Nação brasileira e o seu povo, com
sua economia desorganizada pelos golpistas e ameaçada de retrocessos muito
graves, comandados pelo Império do Norte que recapturou sua presa.
Muito ruim tudo isso para o PT, que agora tem que fazer sua autocrítica e se reorganizar para um futuro incerto. Incerto porém não desesperador. Nas eleições seguintes a todo este triste episódio, os empresários doadores com certeza serão muito parcimoniosos nos seus investimentos eleitorais, e os partidos que puderem contar com militância própria terão melhores condições de campanha. Pois certamente o PT, mesmo golpeado e desmoralizado, ainda tem mais militância do que qualquer outro partido brasileiro.
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