Morte de Teori: arquivo queimado: E agora???
Não é preciso
transformar o ministro Teori Zavascki, morto num acidente suspeitíssimo, em
herói. Encarregado do processo da Lava Jato no STF, ele foi, como quase todos os
seus colegas, incapaz de defender a Constituição e a imparcialidade da justiça.
Mas é facílimo identificar os que se beneficiam com seu desaparecimento. Em
primeiro lugar o presidente Temer; seu “governo de réus” (para usar a feliz
expressão de Paulo Sérgio Pinheiro); as cúpulas do PSDB e PMDB; e
centenas de deputados e senadores destes e outros partidos governistas. Todo
este grupo estaria ameaçado e desmoralizado já a partir de fevereiro,
quando Teori
homologaria as delações premiadas dos executivos da Odebrecht, expondo
a corrupção e hipocrisia dos que derrubaram o governo eleito e tomaram o poder
em maio.
O “acidente” favorece, em segundo lugar, o prolongamento do golpe
de Estado e a adoção de sua agenda de retrocessos selvagens. A quebra do sigilo
sobre as delações (outra decisão que Teori mostrava-se disposto a
tomar) demonstraria que o recebimento de propina e o favorecimento ao poder
econômico são práticas corriqueiras e quase universais no mundo da política
institucional. Esta revelação destrói o núcleo central da narrativa dos
golpistas – a ideia de que o impeachment foi adotado para afastar um grupo
corrupto e sanear a vida nacional. De quebra, frustrar ou adiar a publicação
oficial das delações permite a um Congresso onde há centenas
de prováveis corruptos tocar impunemente a agenda de horrores em
curso. Nela se incluem, entre tantos outros pontos, o desmonte da Previdência
Social Pública, a anulação na prática da maior parte da legislação que protege
o trabalho, o bloqueio da demarcação de terras indígenas e o prosseguimento da
entrega do pré-sal.
A análise inicial do regimento do STF sugere que todos processos
sobre a Lava Jato, até agora centralizados em Teori Zavascki, serão entregues
ao novo ministro do Supremo – a ser proposto pelo presidente da República e
confirmado pelo Senado. Nas condições atuais, trata-se de uma afronta à ética.
As poucas delações vazadas até agora indicam que Michel Temer foi apontado como
receptor de propina ou praticante de favorecimento ilícito 43 vezes pelos
executivos da Odebrecht. Em que julgamento legítimo pode o réu escolher o juiz
que decidirá sua pena – ou sua absolvição? A necessária confirmação da escolha
pelo Senado torna o escárnio ainda mais completo. Porque serão padrinhos do
novo ministro, além de Temer, dezenas de senadores igualmente citados como
corruptos.
Ninguém duvide: tanto Michel Temer quanto os senadores executarão,
se lhes for permitido, o roteiro bizarro exposto acima. Eles tomaram o poder
sem pudor, conscientes de sua hipocrisia, nas sessões grotescas da Câmara e do
Senado em 19 de Março e 31 de agosto. Eles, sem vergonha, obrigam o país a
engolir uma agenda
impopular e nunca submetida a consulta alguma. Se foram capazes de
tanto, o que não farão para salvar a própria pele e para preservar o sistema
espúrio que lhes dá cada vez mais riqueza e poder?
Na vida e na política, as omissões são muitas vezes mais trágicas
que os erros. As manifestações contra o golpe, que mobilizaram multidões e
cresceram até abril, arrefeceram em seguida. Um pensamento acomodado tem
soprado a alguns setores, mesmo entre a esquerda, que os males do presente
poderão ser reparados em 2018, quando um novo presidente for eleito. Outros,
que se julgam mais radicais, deixaram as ruas porque, enojados com razão de
toda a política institucional, avançaram um limite. Amorteceram-se e se
tornaram incapazes de lutar contra a brutalidade específica de um golpe capaz
de instalar o Estado
de Exceção em sua versão mais crua.
A morte de Teori Zavascki abre espaço para uma recuperação.
Ninguém será capaz de convencer a sociedade de que foi de fato um acidente (é
sugestivo que a velha mídia, discreta sobre a vida íntima de quase todos os
poderosos, alardeie agora, como cortina de fumaça, a possível presença de uma
amante no voo fatal). Os que queremos uma reforma política profunda devemos
assumir nossa responsabilidade.
É preciso impedir que a casta política se safe e que o golpe se
amplie. Há instrumentos para bloquear esta fuga. O futuro ministro do STF que
assumirá o processo precisa ser questionado. Deve se comprometer, como indicava
claramente Teori, a aceitar os acordos de delação premiada da Odebrecht. Poderá
alegar que precisa de tempo para analisar milhares de horas de gravação,
dezenas de milhares de páginas de processo. Mas isso não poderá servir de
pretexto para manter o processo engavetado. O sigilo precisa ser rompido.
Estamos na era do digital. Nada mais tacanho que impedir os brasileiros de
conhecer as práticas políticas dos que querem governar.
A luta contra a corrupção – muitos têm dito – não pode ser uma
bandeira dos conservadores. A oportunidade para frear esta captura está dada
agora. Não se trata, como alguns chegaram a propor, de aderir às manifestações
reacionárias. Trata-se de propor agenda às maiorias que percebem, tanto quanto
nós, o esvaziamento da política. Trata-se de construir, com o impulso do fato
inesperado, uma narrativa mais rica sobre o sequestro da democracia pelo poder
econômico. Trata-se de tomar a frente, de propor saídas concretas diante de um
acontecimento que comove o país. Estamos dispostos?
Não é preciso
transformar o ministro Teori Zavascki, morto num acidente suspeitíssimo, em
herói. Encarregado do processo da Lava Jato no STF, ele foi, como quase todos os
seus colegas, incapaz de defender a Constituição e a imparcialidade da justiça.
Mas é facílimo identificar os que se beneficiam com seu desaparecimento. Em
primeiro lugar o presidente Temer; seu “governo de réus” (para usar a feliz
expressão de Paulo Sérgio Pinheiro); as cúpulas do PSDB e PMDB; e
centenas de deputados e senadores destes e outros partidos governistas. Todo
este grupo estaria ameaçado e desmoralizado já a partir de fevereiro,
quando Teori
homologaria as delações premiadas dos executivos da Odebrecht, expondo
a corrupção e hipocrisia dos que derrubaram o governo eleito e tomaram o poder
em maio.
O “acidente” favorece, em segundo lugar, o prolongamento do golpe
de Estado e a adoção de sua agenda de retrocessos selvagens. A quebra do sigilo
sobre as delações (outra decisão que Teori mostrava-se disposto a
tomar) demonstraria que o recebimento de propina e o favorecimento ao poder
econômico são práticas corriqueiras e quase universais no mundo da política
institucional. Esta revelação destrói o núcleo central da narrativa dos
golpistas – a ideia de que o impeachment foi adotado para afastar um grupo
corrupto e sanear a vida nacional. De quebra, frustrar ou adiar a publicação
oficial das delações permite a um Congresso onde há centenas
de prováveis corruptos tocar impunemente a agenda de horrores em
curso. Nela se incluem, entre tantos outros pontos, o desmonte da Previdência
Social Pública, a anulação na prática da maior parte da legislação que protege
o trabalho, o bloqueio da demarcação de terras indígenas e o prosseguimento da
entrega do pré-sal.
A análise inicial do regimento do STF sugere que todos processos
sobre a Lava Jato, até agora centralizados em Teori Zavascki, serão entregues
ao novo ministro do Supremo – a ser proposto pelo presidente da República e
confirmado pelo Senado. Nas condições atuais, trata-se de uma afronta à ética.
As poucas delações vazadas até agora indicam que Michel Temer foi apontado como
receptor de propina ou praticante de favorecimento ilícito 43 vezes pelos
executivos da Odebrecht. Em que julgamento legítimo pode o réu escolher o juiz
que decidirá sua pena – ou sua absolvição? A necessária confirmação da escolha
pelo Senado torna o escárnio ainda mais completo. Porque serão padrinhos do
novo ministro, além de Temer, dezenas de senadores igualmente citados como
corruptos.
Ninguém duvide: tanto Michel Temer quanto os senadores executarão,
se lhes for permitido, o roteiro bizarro exposto acima. Eles tomaram o poder
sem pudor, conscientes de sua hipocrisia, nas sessões grotescas da Câmara e do
Senado em 19 de Março e 31 de agosto. Eles, sem vergonha, obrigam o país a
engolir uma agenda
impopular e nunca submetida a consulta alguma. Se foram capazes de
tanto, o que não farão para salvar a própria pele e para preservar o sistema
espúrio que lhes dá cada vez mais riqueza e poder?
Na vida e na política, as omissões são muitas vezes mais trágicas
que os erros. As manifestações contra o golpe, que mobilizaram multidões e
cresceram até abril, arrefeceram em seguida. Um pensamento acomodado tem
soprado a alguns setores, mesmo entre a esquerda, que os males do presente
poderão ser reparados em 2018, quando um novo presidente for eleito. Outros,
que se julgam mais radicais, deixaram as ruas porque, enojados com razão de
toda a política institucional, avançaram um limite. Amorteceram-se e se
tornaram incapazes de lutar contra a brutalidade específica de um golpe capaz
de instalar o Estado
de Exceção em sua versão mais crua.
A morte de Teori Zavascki abre espaço para uma recuperação.
Ninguém será capaz de convencer a sociedade de que foi de fato um acidente (é
sugestivo que a velha mídia, discreta sobre a vida íntima de quase todos os
poderosos, alardeie agora, como cortina de fumaça, a possível presença de uma
amante no voo fatal). Os que queremos uma reforma política profunda devemos
assumir nossa responsabilidade.
É preciso impedir que a casta política se safe e que o golpe se
amplie. Há instrumentos para bloquear esta fuga. O futuro ministro do STF que
assumirá o processo precisa ser questionado. Deve se comprometer, como indicava
claramente Teori, a aceitar os acordos de delação premiada da Odebrecht. Poderá
alegar que precisa de tempo para analisar milhares de horas de gravação,
dezenas de milhares de páginas de processo. Mas isso não poderá servir de
pretexto para manter o processo engavetado. O sigilo precisa ser rompido.
Estamos na era do digital. Nada mais tacanho que impedir os brasileiros de
conhecer as práticas políticas dos que querem governar.
A luta contra a corrupção – muitos têm dito – não pode ser uma
bandeira dos conservadores. A oportunidade para frear esta captura está dada
agora. Não se trata, como alguns chegaram a propor, de aderir às manifestações
reacionárias. Trata-se de propor agenda às maiorias que percebem, tanto quanto
nós, o esvaziamento da política. Trata-se de construir, com o impulso do fato
inesperado, uma narrativa mais rica sobre o sequestro da democracia pelo poder
econômico. Trata-se de tomar a frente, de propor saídas concretas diante de um
acontecimento que comove o país. Estamos dispostos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário