segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Ondas sobre Brasília

Luís Costa Pinto, no PODER360  
    tsu
Uma “raposa política” dos anos 60 e 70, Thales Ramalho, chamava de “flores do recesso” o que, depois, tomaria o nome de “factoide”. Eram assuntos que surgiam, vistosos, mas não tinham perenidade, desapareciam tão rapidamente quanto haviam surgido.
O que parece brotar neste verão brasiliense está bem longe de pertencer à mesma categoria, observa hoje o jornalista Luís Costa Pinto, que entende tanto de sinais de tempestade que foi o autor a entrevista com Pedro Collor, que levaria ao fim inglório do primeiro presidente eleito da redemocratização.
Recifense de coração, Costa Pinto também entende de manguezais. Seu artigo no Poder360, hoje, é luz sobre o lodaçal, e nele,  da profecia que diz ser, não há sinal senão aquilo que vê quem conhece o  o movimento das marés do Planalto Central do país.

Profecia de um verão brasiliense

                                                             Luís Costa Pinto, no Poder360
Nunca houve um verão como esse janeiro de 2017 em Brasília. Há no ar da capital da República uma tensão inaudita, um clima de mormaço abafado que prenuncia grandes tempestades no horizonte.
Na semana que passou houve Pollyannas de Palácio que saíram a público para falar de campanhas publicitárias oficiais destinadas a disseminar otimismo em razão da queda dos juros na taxa Selic e da notícia de um amansamento da taxa de inflação.
Foram, contudo, episódios pontualmente alvissareiros derivados de acertos isolados da frente fiscalista do governo, mas incapazes de deter o avanço do aquecimento global do clima político no país.
A Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes assemelham-se às praias pré-tsunamis: o recuo surpreendente da maré fez crescer a faixa de areia e há desavisados vendo ali uma oportunidade para caminhar adiante no novo cenário. Quem olha no horizonte, contudo, vê o avanço das ondas devastadoras. E elas virão.
Há notícia de um número sensivelmente elevado de policiais e delegados federais, além de procuradores, trabalhando na cidade em época de férias. 'Recalls' de delações premiadas como as de executivos das empreiteiras Camargo Correa e Andrade Gutierrez e mergulhos profundos nas águas turvas das delações dos 77 acionistas e executivos da Odebrecht podem explicar essa revoada de andorinhas nos céus do cerrado brasiliense.
A desagregação evidente da base parlamentar que viabilizou a deposição da presidente Dilma Rousseff e a ausência absoluta de novos projetos nacionais de poder que antagonizem a raiz social do projeto deposto, que mesmo carcomida pelos fungos da corrupção e pelo arrivismo sindicalista conferiam sustentação e legitimidade ao governo anterior, forçam o recrudescimento do pessimismo nos que miram o horizonte sem o auxílio das bulas farsescas do Dr. Pangloss.
No mangue da política brasiliense sobram caranguejos – que andam para trás e se escondem na lama para evitar a captura dos que lhes procuram – e tornam-se cada vez mais escassos os vaga-lumes que insistem em iluminar os buracos sombrios e escuros em que se metem os protagonistas de ocasião. Caranguejos são áulicos. Vaga-lumes podem se revelar profetas. Profetas do caos, mas profetas.
Em meio a tantos sinais patentes de que nunca houve 1 verão como esse de 2017 em Brasília o ministro da Justiça parece apartado do mundo real. Ante as chantagens tragicamente bárbaras que assolam o sistema penitenciário e jurídico brasileiro, expondo corpos decapitados nas sucessivas rebeliões executadas por facções criminosas, Alexandre de Moraes assemelha-se a um delirante que assiste a 'Feios, Sujos e Malvados', de Ettore Scola, mas sai do cinema jurando ter visto 'La La Land', o musical contemporâneo de Damien Chazelle. Moraes é inepto, inapto e precisa ser interditado. Os caranguejos, contudo, escondem isso do chefe.
No recuo da maré os caranguejos também parecem ter invadido o Congresso Nacional e sentem-se em casa no Salão Verde da Câmara dos Deputados. Ali, onde se urdiu a queda do regime anterior sob o comando de Eduardo Cunha, e onde se viabilizou a costura parlamentar responsável por conferir trégua a Michel Temer e produzir vitórias legislativas que deram fôlego ao atual regime mesmo sob o sol incinerador de reputações da Lava Jato com Rodrigo Maia, há prenúncio de tempestade.
Maia deve vencer a disputa para o comando da Câmara. Mas a ilegalidade de suas manobras eivará de ilegitimidade o novo mandato na Presidência da Casa e isso o enfraquecerá no jogo parlamentar. O segundo mandato dele será uma sombra pálida do primeiro e as concessões já feitas para viabilizá-lo trarão, a médio prazo, mais problemas do que soluções para o governo. Na lama do Congresso os vaga-lumes vêm sendo vencidos pelos caranguejos. Maia não compreendeu ainda que a praia larga por onde passeia hoje, exibindo seu caminhão de votos, é sinal dos vagalhões do tsunami vindouro.
As Pollyanas palacianas aprenderão a decifrar os sinais – na marra, mas aprenderão.
A tensão social, hoje tão perceptível no ar de Brasília como o odor de ozônio que corta a maresia em meio às tempestades litorâneas de relâmpago, avisa: o desemprego, cuja escalada explosiva não se encerrou e está longe disso seguirá em alta até maio, pelo menos e é o indicador mais marcante a ser perseguido e debelado. A queda da inflação é reflexo da estagnação econômica e a redução da taxa de juro básico da economia, mesmo bem-vinda, não será capaz de conter o deslocamento das calotas políticas. Elas estão em rota de colisão. Um desarranjo social poderá ser o catalisador de todos os elementos que tornam pesado o ar de Brasília nesse janeiro de 1 verão tão inusitado.
Quando o céu cair, as andorinhas desse arremedo de profecia dirão que fizeram verão. Os caranguejos morrerão afogados na lama. E os vaga-lumes voarão para iluminar outras pontes sob a acusação de que só lançam luzes para engenharias de obras feitas.

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