Dilma já governa com a rua e resistirá se a
rua se organizar
Hoje a palavra organizar virou sinônimo de resistir; assim como rua se
tornou equivalente ao verbo lutar...
Saul Leblon
A história apertou o passo no país e quem não entender isso será atropelado pela velocidade dos acontecimentos.
Esse é um tempo em que jornais de hoje amanhecem falando de um remoto
mundo de ontem; tempo em que a tergiversação colide com a transparência; tempo
em que nenhum discurso faz mais sentido dissociado da tríade: ‘rua’,
‘resistência’ e ‘organização’.
As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.
De um lado, os interesses da maioria da população; de outro, a coalizão
da escória parlamentar com o rentismo e a classe média fascista.
No arremate desse enredo a mídia insufla a venezuelanização do Brasil.
Não é sugestivo do lugar da Folha na história que a edição desta 2ª
feira, por exemplo, mostre Paulinho Boca festejado pelo 'povo' e Dilma cercada
por uma mosca?
Dilma fez no 1º de Maio do Anhangabaú o melhor discurso de sua vida.
Veja a íntegra de sua fala aqui: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/363835267073690
Sim, Dilma incendiou um ato que começou morno e sem a presença de Lula.
Como explicar essa mutação que passou batida aos petizes da mídia pautados no
Anhangabaú para alimentar o golpe –de moscas, se possível— e não para fazer
jornalismo?
A explicação está no acirramento de um conflito que Lula, Dilma, o PT e
todas as forças progressistas e democráticas resolveram encarar de frente, pelo
simples fato de que não fazê-lo seria trair o país, o povo e, sobretudo, a
esperança na construção de uma democracia social na oitava maior economia do
mundo e principal referência da luta pelo desenvolvimento no ocidente.
Todo o discurso da Presidenta Dilma irradiou esse discernimento de que o
seu governo e mais que ele, o projeto que ele expressa só tem futuro se tiver o
desassombro de ser defendido na rua.
Foi isso que Dilma fez ao levar seu governo à rua do 1º de Maio e lá
anunciar um aumento médio de 9% para o Bolsa Família, ademais de reafirmar a
prorrogação do Mais Médicos por três anos, corrigir a tabela do IR e adicionar
mais 25 mil contratações à linha do Minha Casa vinculada à autoconstrução.
Dilma afrontou assim o martelete midiático do ‘país aos cacos’ , que
lubrifica a sociedade para a resignação diante do arrocho embutido na tese do
golpe ‘saneador’.
Dilma fez mais que isso ao acusar a sabotagem paralisante contra o seu
governo, por parte dos interesses que, derrotados quatro vezes no jogo
democrático, resolveram destruir a urna e pisotear seus escombros para chegar
ao poder.
A propaganda do jornalismo embarcado sonega esse traço central da
encruzilhada brasileira: a ofensiva golpista não é uma consequência da crise;
ela é a crise em ponto de fusão.
Em outras palavras, ao contrário do que solfejam os violinistasdo golpe,
não existe uma ‘macroeconomia responsável’ (a do arrocho) que vai tirar o
Brasil da espiral descendente.
O que existe é um acirramento da luta de classes, a exigir uma
repactuação política do país e do seu desenvolvimento. Algo que a plutocracia,
a mídia, a escória e o fascismo decidiram elidir por meio do golpe e através
dele impor a sua agenda à nação.
‘Eu vou resistir’, disse Dilma ovacionada pela multidão no Anhangabaú
que teve o privilégio de participar desse pontapé da resistência de uma
Presidenta que passou a governar na rua, pela rua, com a rua.
Esse é o requisito para mudar a correlação de forças e destravar
as verdadeiras reformas de que a sociedade e o desenvolvimento necessitam.
A saber: reforma política, para capacitar a democracia a se impor
ao mercado; reforma tributária, para buscar a fatia da riqueza sonegada à
expansão da infraestrutura e dos serviços; reforma do sistema de comunicação,
para permitir o debate plural dos desafios brasileiros –que são poucos, nem se
resolvem sem ampla renegociação do desenvolvimento.
Quem rumina desalento diante do gigantismo dessa tarefa menospreza o
salto histórico percorrido nos últimos meses.
Há exatamente um ano, um outro comício do dia do trabalhador organizado
no mesmo Vale do Anhangabaú foi igualmente desdenhado pelo noticiário –e mesmo
por uma parte da esquerda.
Foi tratado como mero evento retórico.
Um ano depois, as ruas do Brasil já não dormem mais.
Um ciclo de grandes mobilizações de massa está em curso no país.
Respira-se a expectativa dos campos de batalha no amanhecer do
confronto.
A engrenagem capitalista puro-sangue escoiceia o chão do estábulo.
Aguarda os cavalariços do golpe que vem lhe trazer a liberdade para matar.
A chance de que o embate resulte em uma sociedade melhor depende da
determinação progressista –acenada no discurso de Dilma-- de assumir a rédea
das forças xucras do mercado, para finalmente domá-las a favor do povo e da nação
brasileira.
O golpe tornou quase inevitável isso que o ciclo do PT sempre adiou em
favor de soluções acomodatícias e avanços incrementais.
A natureza ferozmente excludente de sua lógica revela os limites
estreitos e irredutíveis de uma parte da elite brasileira, da qual a
mídia se fez porta-voz.
No 1º de Maio do ano passado, Lula –ausente nesse por recomendação
médica-- lembrou que a primeira universidade brasileira só foi construída em
1920.
Quatro séculos depois do descobrimento.
Em 1507, em contrapartida, 15 anos depois de Colombo chegar à República
Dominicana, Santo Domingo já construía sua primeira universidade.
Tome-se o ritmo de implantação do metrô em São Paulo, em duas décadas de
poder tucano.
Compare-se a extensão duas vezes maior da rede mexicana, ou a dianteira
expressiva da rede argentina e da chilena.
O padrão não mudou.
Lula criou 18 universidades em oito anos. A elite levou 420 anos para
erguer a primeira e Fernando Henrique Cardoso não fez nenhuma.
Há lógica na assimetria.
Para que serve uma universidade se não faz sentido ter projeto de nação;
se a industrialização será aquela que a ALCA rediviva permitir e se o pre-sal
deve ser entregue à Chevron?
O que Lula estava querendo dizer ao povo do Anhangabaú, então, tinha
muito a ver com algo que agora assume nitidez desconcertante nos ‘planos’ do
golpismo.
O desenvolvimento brasileiro não pode depender de uma elite que dispensa
ao destino da nação e à sorte do seu desenvolvimento o mesmo descompromisso do
colonizador em relação aos povos oprimidos.
Uma elite para a qual a soberania é um atentado ao mercado não reserva
qualquer espaço à principal tarefa do desenvolvimento, que é civilizar o
mercado para emancipar a sociedade e, portanto, universalizar direitos.
Reinventar a soberania no Brasil do século XXI, portanto, implica vencer
o golpe e seu projeto de terceirização do Estado e do patrimônio nacional aos
mercados.
A devastação do mundo do trabalho e a supressão da cidadania social é a
lógica que move o golpismo e os homens-abutres que frequentam seu bazar de
ministérios.
O que a elite preconiza nos salões onde se negocia o botim é de uma
violência inexcedível em regime democrático e muito provavelmente incompatível
com ele.
É como se uma gigantesca engrenagem cuidasse de tomar de volta
tudo aquilo que transgrediu os limites de uma democracia tolerada por ser
apenas formal, mas que o ciclo iniciado em 2003, com todas as suas limitações,
desvirtuou em direção a um resgate social transgressivo para o gosto da elite
brasileira.
No lugar disso, o que se pretende instituir agora é um paradigma de eficiência
feito de desigualdade ascendente. A Constituição Cidadã de 1988 será retalhada.
Programas e políticas sociais destinados a combater a pobreza e a desigualdade
de oportunidades serão eviscerados. O que restou da esfera pública,
privatizado. A riqueza estratégica do pré-sal e o impulso industrializante
contido na exigência de conteúdo nacional serão ofertados no altar dos ditos
livres mercados (ou Chevron).
A ambição implica regredir aquém do ciclo de redemocratização que
subverteu o capitalismo selvagemente antissocial da ditadura. Como disse
Dilma no 1º de Maio: lutamos hoje para preservar tudo o que conquistamos
com a redemocratização; mas também tudo o fizemos antes para ter a democracia
de volta’.
A petulância chega a tal ponto que na véspera deste 1º de Maio, Michel
Temer afagou a bancada ruralista com uma promessa obscena: o golpe
revisará todos os decretos de desapropriação de glebas para reforma agrária e
demarcações de áreas indígenas assinados por Dilma nos últimos meses.
O confronto é aberto.
Não será vencido só com palavras.
No 1ºde Maio de 2015, o presidente da CUT, Vagner Freitas chamou para a
frente do palco dirigentes da Intersindical e da CBT; chamou Gilmar, do MST;
chamou Boulos, do MTST, e outros tantos; e através deles convocou quase duas
dezenas de organizações presentes.
Vagner apresentou ao Anhangabaú, então, a unidade simbólica da esquerda
brasileira, fixada em torno de uma linha vermelha a ser defendida com unhas e
dentes: a fronteira dos direitos, contra a direita.
Premonitória, sua iniciativa, já não basta mais para deter uma violência
que agora marcha ostensivamente para sua consumação.
A defesa da agenda progressista hoje implica, ademais da unidade
das direções, promover a capilaridade da resistência popular.
Comitês de resistência da vizinhança; comitês de resistência nos locais
de trabalho; comitês profissionais e sindicais; comitês de amigos; comitês de
mães de alunos; comitês por escola...
Sobretudo, urge dotar essa capilaridade de uma prontidão articulada,
exercida por uma efetiva coordenação da frente progressista nascida no 1º
de Maio de 2015.
Hoje para afrontar o golpe; amanhã para vencer uma nova disputa
presidencial, essa rede da legalidade é a tarefa inadiável dos dias que correm.
Por uma razão muito forte: sem ela o próximo 1º de Maio talvez encontre
o Vale do Anhangabaú cercado por tropas de um golpe vencedor.
O Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja.
Quando o extraordinário acontece na vida de uma nação é inútil reagir
com as ferramentas da rotina.
Hoje a palavra organizar é sinônimo de resistir, assim como o
substantivo ‘rua’ tornou-se equivalente ao verbo lutar.
As lideranças populares não podem desperdiçar o significado histórico
dessa mutação
As ruas do Brasil já não dormem mais, cabe às lideranças dota-las de
sonhos reais.
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