segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Da série O XADREZ DO GOLPE...
XADREZ   DA MARCHA  DA INSENSATEZ

 
LUIS NASSIF, no JORNAL/GGN 

Cena 1 – o descuido com a segurança política

Há uma enorme dificuldade das instituições brasileiras de interpretar desdobramento da crise e entender cada episódio de corte e e suas consequências.  |||  Na montagem da cúpula do Judiciário e do Ministério Público Federal, foi fatal o descuido dos governos petistas, não entendendo o poder desestabilizador da Justiça e do MPF. A segurança institucional e a estabilidade política deveriam ter sido o foco principal nas escolhas. E, por tal, entenda-se avaliar as pessoas em um quadro de stress elevado.  |||  Como se comportaria, por exemplo, uma Carmen Lúcia em uma situação de stress político? E um Dias Toffoli? E um Rodrigo Janot? Um Luís Roberto Barroso? Um Ayres Brito?  |||  Não se tratava apenas de avaliar o conhecimento jurídico, mas a personalidade, o caráter – mais afirmativo, mais tímido -, a coerência, a propensão ao deslumbramento. Vai-se buscar esse histórico junto aos colegas de faculdade, aos colegas de profissão, aos juristas com quem o governo tenha afinidades políticas.  |||  Houve um descuido monumental. Escolheu-se Joaquim Barbosa pela cor e pelo conhecimento e já se sabia, no próprio MPF, do seu comportamento desequilibrado. Ayres Brito já era conhecido pelo comportamento dúbio na ditadura.  |||  Essa cegueira manteve-se durante todo o governo Dilma. O único procurador que enfrentava Gilmar Mendes de igual para igual, no Tribunal Superior Eleitoral, Eugênio Aragão, foi preterido devido a barganhas políticas com Gilmar Mendes.

Peça 2 – a incapacidade de perceber os momentos de corte

Com essa mediocrização ampla dos Poderes, pelo modelo político em voga, e das instituições, pelas escolhas erradas, o resto é consequência: a incapacidade do poder civil de entender os momentos de corte, os episódios que fariam o país ingressar em novas etapas, degrau a degrau rumo à insensatez.

Momento 1 – o mensalão

Ali estava nítida a aliança mídia-Ministério Público Federal, com este ensaiando os primeiros voos fora dos limites constitucionais. A montagem da narrativa pelo Procurador Geral Antônio Fernando de Souza e pelo ex-Procurador e Ministro do STF Joaquim Barbosa, mantida pelo sucessor Roberto Gurgel em cima de uma falsificação: o tal desvio da Visanet que nunca ocorreu.  |||  De certa forma, o mensalão foi um presente dos deuses, pois teria permitido ao governo entender explicitamente as ameaças contidas na total falta de controle do MPF. Mas o sucesso de Lula no segundo governo passou a ilusão de que seu gênio político sempre encontraria meios de contornar as tentativas de golpe.  |||  Depois primeiro escândalo, que levou ao mensalão, foram indicados para o STF a Ministra Carmen Lúcia (2006), Dias Toffoli (2009), Luiz Fux (2011), Rosa Weber (2011), Teori Zavascki (2012), Luís Roberto Barroso (2013), Luiz Edson Fachin (2015).  |||  Em 2009 Roberto Gurgel foi indicado para PGR. Em 2013, Rodrigo Janot. Nem com os sinais claros de que os PGRs já andavam à reboque da opinião pública e da corporação, cuidou-se de uma estratégia clara ou ao menos da indicação de um PGR sólido. CONSEQUÊNCIA - São esses personagens que se tornam responsáveis por conduzir suas respectivas instituições no período mais turbulento da história recente.

Corte 2 – a prisão de Delcídio do Amaral

Em cima de um grampo armado – possivelmente em uma operação controlada articulada pelo PGR -, com declarações esparsas, o STF endossou a posição de Teori, de mandar prender o senador Delcídio do Amaral. Não apenas isso. Permitiu-se a divulgação de conversas comprometendo Ministros sérios do STJ.   CONSEQUÊNCIA -  Depois que caiu a ficha, o STF se recolheu. Tornou-se personagem passivo do impeachment.

Corte 3 – a condução coercitiva de Lula e o vazamento de conversas familiares

Consequência direta da anterior, esse episódio deflagrou um novo normal, em que a Constituição foi atropelada. Esteve nas mãos do Ministro Teori Zavascki o enquadramento da Lava Jato nos limites legais. Limitou-se a admoestar Sérgio Moro.  CONSEQUÊNCIA - o grupo da Lava Jato de Curitiba ganhou vida própria e passou a se impor sobre a PGR. A partir dali todos os abusos foram tolerados.

Corte 4 – o processo contra Eduardo Cunha

O Ministro Teori segurou por meses e meses a autorização para o processo contra Eduardo Cunha. Segundo alegou para amigos, evitava apresentar ao STF por não ter segurança em conseguir os votos necessários. Afinal, havia uma torcida surda pelo impeachment.  CONSEQUÊNCIA - Esse episódio marcou o ingresso definitivo do Supremo na abulia com que assistiu à consumação do golpe.

Corte 5 – a delação da JBS

Tirou definitivamente a blindagem que a mídia mantinha sobre o PSDB. E escancarou o inacreditável: em pleno exercício do mandato de presidente, Michel Temer indicando um assessor de confiança para receber uma bolada de uma empresa e a principal liderança do golpe negociando propinas em forma de empréstimos.  CONSEQUÊNCIA – Ali enterrou-se definitivamente a era das grandes passeatas. A opinião pública deu-se conta de que fora enganada no impeachment.

Corte 6 – a declaração do general Mourão

Essa soma de fatores leva a crise institucional ao ponto mais grave: as declarações do general Mourão, sem nenhuma reação do Executivo e do Ministro da Defesa.  |||  O Congresso ficou mudo, o Supremo ficou calado, a ponto de nem a Ministra Carmen, nem o Ministro Barroso exercitarem seu hobby predileto: frases de efeito vazias. Restaram as manifestações isoladas do Ministro Marco Aurélio de Mello e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.  CONSEQUÊNCIA – As Forças Armadas entraram no jogo. Voltarão as vivandeiras dos quartéis. E qualquer candidatura em 2018 terá que beijar a mão e bater continência ao Estado Maior.

Peça 3 - os episódios desmoralizantes

A entrada do fator militar se dá no momento em que há um conjunto de episódios rocambolescos, capazes de ruborizar o analista mais cínico, sem que os poderes consigam apresentar uma resposta adequada.  |||  CASO 'AÉCIO' - a impunidade de Aécio é um fator de desgaste extremo. Depois da filmagem do primo levando dinheiro e da irmã negociando, era caso de renúncia imediata ao posto de senador, independentemente de qualquer iniciativa judicial.  Por aqui, Aécio não renunciou e sequer o PSDB tevê força para tirá-lo do cargo.  A teimosia de Marco Aurélio de Mello - que o devolveu ao Senado como represália pelo fato do STF não ter aceito sua ordem de prisão contra Renan Calheiros - acentuou a impressão de impunidade. E a mídia, com ideia fixa na criminalização de Lula, limitou-se a reportagens episódicas sobre Aécio.  |||  CASO 'GILMAR MENDES' - os sucessivos abusos de Gilmar Mendes com o IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), com sua parcialidade, com seus ataques aos colegas e mesmo a defesa meritória do garantismo comprovam que o arrogante engoliu o esperto. Isso, mais o controle absurdo sobre os sorteios do Supremo - que o fizeram relator dos processos envolvendo justamente os três políticos tucanos mais barras-pesadas - Aécio, José Serra e Cássio Cunha Lima - vão cobrar seu preço. Gilmar valeu-se de um vácuo político e no STF para abusos sem fim. Não tem como essa falta de limites não cobrar seu preço no desgaste inédito do Supremo.

Peça 4 – o curto-circuito dos poderes

Essa disputa Supremo Tribunal Federal x Senado,  STF x STF, Câmara x PGR não leva em conta o básico: a crise atinge todas as instituições. Não se trata mais de disputa de espaço institucional entre instituições representativas do Poder Civil, mas de autofagia de instituições doentes, com a ameaça de um governo autocrático na primeira curva da estrada.  |||  Sobrevindo o vendaval, nenhuma escapará. E o que se vê é a insensibilidade de dançarinos no restaurante do Titanic, instituições em frangalhos, incapazes de administrar sequer os próprios conflitos internos.  |||  EXECUTIVO - não sei o que é mais desmoralizante, se uma chusma de corruptos assumindo o controle do país, ou se a incrível mediocridade dessa turma. A resposta que deram à entrevista de Rubens Ricúpero não merecia estar nem em jornaleco do interior. O assalto continua sendo perpetrado à luz do dia. Cortes em todos os programas e benesses aos deputados, para garantir a manutenção da quadrilha no poder.  |||  SUPREMO - uma disputa de egos entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, uma presidente incapaz de um gesto sequer em defesa da Constituição e Ministros derrotados em votações insuflando o Congresso a derrubar as sanções contra Aécio Neves.  |||  MINISTÉRIO PÚBLICO – uma tropa à deriva, dirigida – finalmente – por uma procuradora de larga experiência na área penal e de direitos humanos. Mas com nenhum traquejo para o jogo das intrigas palacianas, entre instituições e na sua própria corporação.  |||  PT – Tenta compensar a falta de iniciativa durante todo o processo do impeachment, com um ativismo extemporâneo. Não aprendeu ainda que republicanismo e bons modos políticos – como a defesa da legalidade no tratamento de um inimigo – não têm lugar à mesa, nesse grande banquete bárbaro. A nota em defesa do Senado ignorou que há um novo agente na praça.  |||  Aí vêm as organizações Globo, grandes por serem espertaa, principais responsáveis pela ascensão da quadrilha de Temer ao poder, e estampam a chamada maliciosa:

Peça 5 – marcha da insensatez

Essa confusão monumental não permite uma visão otimista do futuro.  O caos amplo abre espaço para uma infinidade de possibilidade, nenhuma positiva – a que implicasse em um pacto entre instituições e partidos visando atender às expectativas da opinião pública.  |||  O que se tem é um avanço da maré conservadora e uma aliança que se torna cada vez mais explícita entre a Lava Jato e a ultradireita, insuflando a intervenção militar.  |||  Prova disso é o factoide da carta-arrependimento de Antônio Palocci, com o uso de expressões, como a “peçonha da corrupção” e outras do mesmo gênero, mostrando que os acordos de delação têm um copidesque com bastante afinidade com o linguajar da extrema direita.  |||  Em um momento de bom-senso, o Senado adiou o julgamento da decisão do STF, permitindo a este chegar a alguma solução interna que impeça o transbordamento da crise.  |||  Mas não há nenhuma luz no horizonte próximo. 

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