SOBRE AS ORIGENS
DA DESIGUALDADE
NO BRASIL
Medidas tomadas pelo atual governo brasileiro não deixam dúvidas de que aqui a desigualdade é um projeto de poder que envolve o Estado e um modelo no qual, para que uns ganhem muito, outros precisam permanecer na miséria...
Ana Luíza Matos de Oliveira(*), no VERMELHO
Novos elementos têm
surgido para a discussão sobre desigualdade no Brasil, em especial sobre a
discussão se durante os anos 2000 o Brasil teria reduzido ou não a
desigualdade, que é, diga-se de passagem, das maiores do mundo. ||| Não é nosso enfoque,
nesse curto texto, discutir as diferentes metodologias que têm sido aplicadas a
partir dos dados disponíveis no Brasil para a análise da desigualdade, mas
discutir algumas premissas que permeiam o debate sobre desigualdade no mundo,
tal como uma ideia de que os que estão “no topo” ali chegaram por mérito
próprio, sem nenhuma relação com o fato de os “de baixo” continuarem
embaixo. ||| Um dos autores que tratam dessa ideia é Angus
Deaton, ganhador do prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2015, em seu último
livro. Deaton, em “The great escape: health, wealth, and the origins of
inequality” (Princeton University Press. New Jersey, USA, 2013), não se limita
a analisar a desigualdade de renda, mas observa outros fatores como a saúde
para discutir a ampliação ou redução da desigualdade no mundo. ||| Mas a ideia
central do livro é a de que a desigualdade é resultado
do progresso. O que Deaton chama de “Grande Fuga” (Great Escape), que inclusive
dá nome ao livro, é a “fuga” de parte da humanidade da morte precoce e da fome,
tendo como marco a revolução industrial. A revolução industrial teria levado
parte do mundo (o Reino Unido, em um primeiro momento) a melhorar de vida,
deixando para trás a grande maioria do restante do mundo, que não teria
conseguido escapar, ampliando assim as desigualdades. Com isso, a desigualdade
seria fruto do avanço de uma parte do sistema mundial e seu avanço nada teria a
ver, em geral, com a pobreza de outras partes do globo. ||| A revolução
industrial, segundo o autor, é a responsável pela criação de um sistema estável,
que mantém constante a geração de riqueza. E ela seria um dos casos mais
benignos de “fuga”, ao contrário dos casos em que houve “fuga” à custa de
outros. Ou seja, a revolução
industrial seria um processo sem
perdedores. Na verdade, lentamente, a melhoria de uns
influenciaria outros e, para o autor, o mundo estaria em uma trajetória de
melhora. As reversões seriam fruto de guerras, doenças e más políticas. ||| Se os “de
baixo” podem escapar sem que os de cima percam, o que os mantêm
“embaixo”? A desigualdade, para Deaton, decorreria de alguns terem saído da
pobreza e outros continuado, não pelo fato de os que estão “em
cima” necessitarem explorar os que estão embaixo para continuar em cima: o
autor minimiza o poder, a exploração e a luta de classes.
Desaparece o elemento da luta de classes e a
historicidade da geração de desigualdade: o capitalismo sim,
segundo Marx, é um gerador de riquezas, mas essas riquezas são
apropriadas por poucos à custa de muitos.
||| O Brasil é um exemplo de como a
bonança de alguns tem, sim, a ver com a exploração de outros. A disputa pela
redução, manutenção ou ampliação da desigualdade ocorre diariamente na nossa
sociedade, sendo o Estado um elemento vital nessa mediação, por controlar o
orçamento e estabelecer as políticas públicas. ||| Com o atual governo, podemos
perceber ainda mais claramente como a riqueza de alguns está sim relacionada
com a exploração de outros e como isso se cristaliza nas ações do governo: por
exemplo, são retirados recursos da educação pública (como com a Emenda
Constitucional 95) e por outro lado são beneficiados grandes produtores rurais
devedores de impostos (o governo federal desistiu de recorrer ao Supremo
Tribunal Federal para tentar derrubar resolução do Senado que proíbe a cobrança
retroativa do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), um imposto
de contribuição previdenciária sobre a receita bruta proveniente da
comercialização da produção rural, o que dá aos ruralistas brasileiros um
perdão de dívidas de aproximadamente R$ 17 bilhões). ||| Fica claro que a
desigualdade no Brasil é um projeto de poder que envolve o Estado e que, sim,
para que uns ganhem muito, nosso modelo aqui pede que outros permaneçam na
miséria. ||| Para
além da discussão sobre se a desigualdade caiu, aumentou ou continuou na mesma
nos últimos anos, a desigualdade brasileira é altíssima – uma das maiores do
mundo – e se mantém através de uma estrutura tributária, urbana e agrária
construídas para a manutenção do status quo. Se queremos reduzir a desigualdade
no Brasil, precisamos discutir as reformas que levariam o Brasil a ser mais
justo, como a reforma tributária, que reduza, por exemplo, o peso dos impostos
indiretos, e as reformas urbana e agrária, que façam cumprir a função social da
propriedade, além da ampliação do acesso aos direitos sociais como saúde e
educação.
(*)
Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em
Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integrante do GT sobre Reforma Trabalhista
IE/Cesit/Unicamp e colaboradora do Brasil Debate.
Fonte: Brasil/Debate.
Nenhum comentário:
Postar um comentário