Qual a novidade? Médicos brasileiros
desistem do ‘Mais Médicos’ porque não
querem trabalhar nos grotões
Esmagadora maioria de nossos médicos só quer trabalhar nas médias e grandes cidades
Localizada às margens
do rio Tocantins, a cidade de Cametá, no Pará, com 120 mil habitantes, viu na
última semana cinco de 20 médicos deixarem o atendimento nas unidades de
saúde. A saída ocorreu após o fim da participação de Cuba no
Mais Médicos. Poucos dias depois, recebeu cinco inscrições de profissionais
dispostos a ocupar as vagas por meio de um edital lançado pelo Ministério da
Saúde. ||| O alívio, porém,
durou pouco. Segundo o secretário municipal de Saúde, Charles Tocantins, dois
dos médicos inscritos que fizeram contato com a prefeitura disseram que, apesar
de terem selecionado Cametá no momento da inscrição, não devem ocupar as vagas. “Um
disse que era difícil cumprir o horário e de se deslocar. O outro deve sair
para fazer residência no ano que vem”, relata.
Para ele, a situação mostra um “outro lado” da ampla adesão ao
edital lançado pelo Ministério da Saúde.
||| Até esta quarta, data
do último balanço, 8.345 das 8.517 vagas abertas após a saída de
médicos cubanos já tinham médicos alocados —cerca de 98% do total. A previsão é que eles se apresentem às cidades
de forma imediata ou até o dia 14 de dezembro. Segundo o
ministério, 1.061 médicos já se apresentaram aos municípios. Charles
Tocantins, porém, avalia que, após a adesão ao edital, municípios de
algumas regiões terão dificuldades nesta etapa de confirmação do interesse. “Por enquanto os médicos estão se inscrevendo
no nome do município. Não sabem os lugares que os aguardam, que ficam a 100 km
de distância da sede, ou que a locomoção é por barco”, afirma. “Os médicos
cubanos que tínhamos aqui, por exemplo, ficavam nas vilas e nas localidades
mais afastadas do município.” ||| Na definição de Charles, cubanos que atuavam
sobretudo no Norte e Nordeste ficavam sempre no “interior do interior” ou no
“interior em relação à cidade-sede” —daí o maior risco de desistência. Um problema que já é citado por outros
secretários de saúde. “Alguns médicos estão ligando para os nossos municípios
daqui e dizendo: podemos começar só depois do resultado da residência?”, afirma
a presidente do Cosems (conselho de
secretários municipais de saúde) do Rio Grande do Norte, Débora Costa. “Outros
tentam negociar o horário”, diz.
||| Além da desistência,
secretários têm detectado outro impasse em relação ao edital: a adesão de
médicos inscritos que já atuavam nas unidades de saúde. Assim, o que era para
ser uma reposição de vagas após a saída dos cubanos tem sido, na verdade,
apenas uma “troca” de vagas ou mesmo redução —já que alguns municípios que
estão “perdendo” médicos não estavam no programa. Pelo edital do Mais Médicos, a inscrição de
profissionais que já atuam em programas como o Estratégia Saúde da Família só é
permitida caso o médico opte por um município de perfil de
vulnerabilidade menor do que hoje atua ou já atuou. Neste caso,
o profissional deve pedir desligamento antes de assumir a nova vaga. ||| O
salário maior pago aos profissionais do Mais
Médicos, no entanto, tem levado muitos a fazer essa transferência. “No Mais
Médicos, eles recebem maior valor de salário integral, além de
auxílio-alimentação e moradia. É algo que nós municípios não temos como
oferecer”, afirma Débora Costa. Levantamento
feito pelo Cosems do Rio Grande do Norte aponta que, de 139
médicos que selecionaram vagas no edital e que tiveram cadastro verificado, 98
já apareciam com vínculo dentro da rede. “Estamos recebendo muitas
ligações desesperadas de municípios dizendo que estão perdendo seus médicos.” |||
Nas cidades de Almino Afonso e Rafael Godeiro, por exemplo, há
apenas uma equipe do programa Saúde da Família. Lá, os médicos se
inscreveram no Mais Médicos e devem migrar para outros lugares. Em Cerro Corá, cidade de 11 mil habitantes
que fica a 190 km de Natal, dois dos cinco médicos que atuam na atenção básica
se inscreveram no programa federal e devem deixar o posto de trabalho. O
município não é atendido pelo Mais Médicos. “Vou perder de
imediato dois profissionais, sendo que um deles atua na zona rural. Será muito
negativo para a nossa população”, afirma a secretária municipal de Saúde Regina
Célia Guimarães. ||| A situação já se repete em outros
estados, como Bahia, Piauí, Acre, Tocantins, Santa Catarina e
Amazonas, de acordo com o Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais
de Saúde), que tenta mapear os dados. No Acre, por exemplo, de 110 médicos
alocados, 48 já tinham vínculo com o Programa Saúde da Família. Na Bahia, dos 763 inscritos no Mais
Médicos até 23 de novembro, 421 têm algum tipo de vínculo na atenção
básica, ou seja, mais da metade: 55%. ||| Na
cidade de Antônio Cardoso, no sertão baiano, dois dos cinco médicos que atuam
no Programa Saúde da Família devem deixar o município. A
situação é semelhante em Rio de Contas, sudoeste baiano, em que dois dos seis
médicos se inscreveram no Mais Médicos e devem seguir para outras
locais. “Não estamos tendo uma resolução
do problema, só uma migração”, diz Leopoldina Cipriano, presidente do Cosems do
Piauí. Ela relata que, no município
onde é secretária de saúde, em Beneditinos (PI), uma médica que
atendia a quatro comunidades da zona rural já avisou que deve deixar a unidade
para atuar em uma cidade no Maranhão pelo Mais Médicos. ||| O
motivo é o salário: de R$ 6.500, deve passar a ganhar R$ 11.800. Com a saída, diz, o município, que não estava
no edital do Mais Médicos, deve ficar com duas vagas abertas. Isso porque, além
da médica que pediu transferência, uma vaga aberta após a saída de outro
profissional do programa, em julho, ainda não foi reposta. Para dar conta do atendimento, Leopoldina tem
contratado médicos como plantonistas. “Ainda assim, é apenas de forma
esporádica”, relata. ||| No Amazonas, alguns médicos já solicitaram
aos municípios para se apresentar apenas após o Natal. Com 36% das vagas disponíveis, o
estado é um dos quatro que ainda apareciam no sistema como opção de
escolha nesta terça-feira —a maioria em cidades mais
distantes, diz Januário Neto, presidente do Cosems do estado. Segundo
ele, sem médicos nas unidades de saúde, hospitais locais têm ficado
sobrecarregados. Os outros estados com vagas disponíveis são Amapá,
Pará e Roraima. ||| Em nota, o Ministério da Saúde informa que
“está adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros
atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de
Cuba” Segundo a pasta, em caso de
desistência, a vaga será disponibilizada em uma possível segunda etapa do
edital. A publicação dos médicos confirmados nas vagas e que iniciaram as
atividades está prevista para o dia 18 de dezembro. ||| Ainda de acordo com o Ministério, o sistema
impede automaticamente a inscrição quando há descumprimento das normas do
edital. “Embora a escolha da localidade seja de uma decisão individual, os
médicos que integram a ESF só poderão optar por municípios com perfis de maior
vulnerabilidade do que aqueles em que atuam ou já tenham atuado”, diz a nota.
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