Histórica defensora de decisões
internacionais, Raquel Dodge
agora silencia
PATRÍCIA FAERMANN, no DCM
Em seus anos de atuação no Ministério Público
Federal, a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu a
primacia de tratados internacionais e recomendações das Nações Unidas,
inclusive acima de determinações estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Mas sobre a recente decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU a favor
de Lula, a PGR informou ao GGN que não irá se manifestar.
O
PACTO DA ONU
O Brasil é Estado membro do Comitê de
Direitos Humanos desde 1992 [acesse aqui], órgão criado para fiscalizar e julgar
violações do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, criado em
dezembro de 1966, durante a XXI Sessão da Assembléia Geral da ONU. ||| Não somente a nível internacional e das
Nações Unidas, o Brasil decidiu aprovar por meio do Decreto Legislativo nº 311,
em 2009, a sua adesão voluntária ao Protocolo, validando a nível nacional a
soberania jurídica do Pacto.
LEI
DA ANISTIA
Há quatro anos, em outubro de 2014, a então
subprocuradora na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão questionava a validade da
Lei da Anistia. Usava como argumento que a Lei, promulgada em 1979 e reafirmada
pela Corte maior do país, o Supremo Tribunal Federal (STF), ia na contramão do
que estabelecia a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. ||| A então subprocuradora era Raquel Dodge, hoje
procuradora-geral da República. Ela defendeu a revisão da Lei então confirmada
pela Suprema Corte justificando que a medida era necessária porque veio de uma
determinação de um Tribunal Internacional. “A Corte [Interamericana] disse que a Lei da
Anistia não é válida, diante da Convenção Internacional de Direitos Humanos, e
expediu recomendação ao Brasil para que investigue e denuncie os crimes por
meio de ações penais. A decisão deve ser cumprida no Brasil por meio do
Ministério Público Federal”, havia soletrado Dodge, em entrevista à imprensa.
OUTRAS
RESOLUÇÕES DA ONU
Mas não é preciso nem ir muito longe e nem se
restringir a uma única temática. Porque essa não foi a única vez que a
procuradora defendeu o reconhecimento de tratados internacionais celebrados
pelo país no Judiciário brasileiro. Já no cargo de procuradora-geral, Dodge
promoveu audiências públicas e seminários internacionais sobre direitos
humanos, com base em tratados celebrados a nível internacional. ||| Em março deste ano, foi realizado pelo
Ministério Público Federal, sob o comando e orientação de Dodge, o 8º Fórum
Mundial da Água, que trouxe especialistas para palestrar ao membros do MP
determinações da Organização das Nações Unidas (ONU), neste caso o acesso à água
potável. Entre as sustentações, a reafirmação de que o
Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
adotou, em 2002, o comentário geral nº 15 sobre o direito à água, prevendo o
acesso global. ||| Um mês antes, em fevereiro deste ano, a
procuradora-geral foi convidada ilustre de uma audiência pública que debateu,
justamente, mais de 240 recomendações recebidas pelo Brasil, em setembro de
2017, do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Realizado pela Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão), o evento tinha como objetivo “estimular o governo
brasileiro a construir, com ampla participação da sociedade civil, um plano
nacional de monitoramento das recomendações destinadas a instituições do
Legislativo, do Executivo e do Judiciário”, sobre a efetivação das
recomendações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, da ONU. Dodge apresentou o evento que celebrava os 70
anos da Declaração Universal de Direitos Humanos.
CORTE
INTERAMERICANA
E também em fevereiro, como procuradora-geral
da República, Raquel Dodge pediu a reabertura do processo sobre a morte do
deputado Rubens Paiva durante a ditadura do regime militar, para o Supremo
Tribunal Federal reavaliar a Lei da Anistia. Além dos argumentos relacionados
ao caso específico, Dodge relembrou que crimes de tortura e ocultação de
cadáver não prescrevem. ||| Mas esse entendimento não é da Legislação
brasileira, e sim da sentença pela Corte Interamericana de Direitos Humanos,
que ao analisar o caso da Guerrilha do Araguaia, em 2011, condenou o Brasil a
processar e julgar os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura.
Um Tribunal internacional assegurando que a Lei da Anistia brasileira não é
válida. ||| Mas se as defesas de Dodge no âmbito judicial
sobre as convenções, tratados internacionais de direitos humanos e
recomendações das Nações Unidas foram feitas até hoje, a nova determinação de
um Comitê das Nações Unidas foi silenciada pela Procuradoria. Ao GGN, a
assessoria informou que “não haverá manifestação por parte da PGR sobre o
assunto”.
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