STF
e Raquel Dodge têm consenso
sobre como Tratados da ONU estão acima da
lei brasileira
No BRASIL/247
No último dia 17, o Comitê Internacional de
Direitos Humanos da ONU proferiu uma Liminar ao Estado brasileiro requerendo
que o mesmo tome as medidas necessárias que garantam a candidatura de Lula, e
sua participação, sem prejuízos, na campanha eleitoral, o que inclui acesso ao
partido e à mídia. Desde então, surgiram diversas reações que tentam
minimizar o fato e a competência do Comitê. Pois bem, vamos aos fatos.
||| O referido Comitê
foi criado por meio do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
adotado pela XXI Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1966. Este tratado
internacional determina normas e valores para salvaguardar os direitos dos
indivíduos dos Estados que facultativamente aderiram a ele, ou seja, o Brasil
escolheu participar e ratificá-lo em duas ocasiões: em 1992, por meio
do Decreto 592/1992 e, em 2009, por meio do Decreto legislativo
311/2009. Ao fazer isso, o Brasil incluiu-o em seu ordenamento jurídico com
status supralegal, o que significa que está acima das leis ordinárias e abaixo
da Constituição. |||
A Liminar ('Interim Measure') expedida pelo Comitê da ONU está
respaldada na Regra 92, do conjunto de normas da mesma, que tem o objetivo de
evitar qualquer violência irreparável aos direitos do impetrante, que, no caso
do Lula, refere-se à violência da proibição da sua participação equânime na
campanha eleitoral e da possível impugnação de sua candidatura. ||| O Comitê tomou essa medida
drástica porque desde 2016 tem acompanhado o processo judicial de Lula, a pedido
de sua Defesa, aceitando-o formalmente neste ano, e diante das análises já
efetuadas perceberam que há sim a possibilidade de que seu julgamento não tenha
sido justo, mas parcial e de cunho político, no entanto, a decisão final
ocorrerá só daqui alguns meses, após as eleições brasileiras, o que teria
efeito inócuo, caso decidam favoravelmente à denúncia de que o ex-presidente
tem sido vítima de decisões injustas impetradas pelo Estado brasileiro.
||| Percebam, portanto,
que o Comitê tem o aval da ONU e do ordenamento jurídico brasileiro para apurar
se o próprio Estado brasileiro tem cometido violações dos direitos civis e
políticos, ou seja, trata-se de um órgão competente, representativo, porque foi
eleito pelos Estados partes, e independente, que tem a máxima importância para
evitar e denunciar injustiças institucionais cometidas pelos Estados
partes. ||| Para
que não reste dúvida, o próprio Supremo Tribunal Federal já afirmou a
supralegalidade (qualidade do que está acima da lei) do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos inúmeras vezes, tanto por meio de seus ministros
como por meio da Sumula Vinculante 25, resultante de julgamentos que derrubaram
a prisão de depositário infiel de nosso ordenamento jurídico exatamente porque
tratados internacionais proíbem-na. Desde então, embora antes já
fosse costume, todas as decisões do STF obedecem rigorosamente a superioridade
legal de tratados internacionais de direitos humanos. ||| O ministro Barroso, atual
relator dos pedidos de impugnação da candidatura de Lula, escreveu, ao menos,
dois artigos acadêmicos sobre o tema, nos quais reitera o enorme valor dos
tradados internacionais, a saber: Constituição e tratados internacionais:
alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno.
(2008) e Constituições e tratados internacionais: alguns aspectos da relação
entre direito internacional e direito interno. (2013). Ademais,
Marco Aurélio Mello reforça afirmando que o tema refere-se à mais importante
responsabilidade do juiz. |||
Presente esse contexto, convém insistir na asserção de que o Poder
Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis, das
franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos
tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa alta missão,
que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das mais
expressivas funções políticas do Poder Judiciário. Juiz, no plano de nossa
organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar
as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e
reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das
gentes. ||| Assiste, desse
modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição - e
garante de sua supremacia - na defesa incondicional e na garantia real das
liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos
direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é
a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe
aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular. ||| É dever dos órgãos do Poder
Público - e notadamente dos juízes e Tribunais - respeitar e promover a efetivação
dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais e assegurados
pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um
constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente
internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana. O respeito e a
observância das liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação
indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos
direitos fundamentais da pessoa humana. Relatório
do Min. Marco Aurelio(AQUI) -
HC87585/TO. ||| Está mais do que comprovado que o STF reconhece os tratados
internacionais de direitos humanos como, pelo menos, superiores as leis
ordinárias. Cabe ressaltar que há um grupo, liderado pelo Ministro Celso de
Melo, que defende um caráter ainda mais relevante aos referidos tratados,
de caráter constitucional. |||
A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, está alinhada com essa
perspectiva e discorreu sobre no parecer acerca da constitucionalidade de
candidaturas avulsas, sem partidos. Além desse recente
posicionamento, é fato conhecido que a Procuradora tem um histórico de defesa
do cumprimento dos tratados e cooperações internacionais. Recentemente,
participou da 120ª Sessão Ordinária da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, realizada na Costa Rica e destacou que o Brasil deve cumprir, em suas
relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos,
conforme prevê a Constituição. E deve, inclusive, apoiar a criação de um
Tribunal Internacional de Direitos Humanos. ||| Para a procuradora-geral, a celebração de
tratados e o reconhecimento da jurisdição de tribunais internacionais, pelo
Brasil, impõem ao país o desafio de buscar sempre uma sociedade livre, justa e
solidária e o combate efetivo à pobreza e à desigualdade.
A PGR lembrou que o Ministério Público brasileiro atua em conjunto
com os demais órgãos do sistema internacional de direitos humanos e com órgãos
nacionais para a construção de uma sociedade inclusiva. Para Dodge, o desafio
deste século é reconhecer a centralidade do tema e sua proteção na agenda dos
estados. “A consolidação desses valores comuns é um processo em curso que se
reforça continuamente na atividade dos vários órgãos internacionais, como a
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esse repertório de hermenêutica de
direitos humanos tem revolucionado ordenamentos jurídicos, impondo modificações
em condutas administrativas, legislações nacionais e mesmo interpretações
judiciais internas”. (Site oficial do MPF - aqui).
||| Os fatos são todos
uníssonos ao afirmarem que o Judiciario brasileiro reconhece a supralegalidade
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e, portanto, a mesma
legitimidade do seu Comite, portanto, não resta outra opção ao STF e MPF que
não seja o deferimento da Liminar e exigir das instituições que a façam
cumprir. Qualquer outra decisão instalará uma insegurança jurídica
internacional sem precedentes, que colocarão em evidencia o processo de
falência de nossas instituições, desbocando em um possível colapso econômico.
Ou seja, não se trata apenas de Lula e das eleições, trata-se da manutenção da
legitimidade do Estado de direito e da democracia brasileira.
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