terça-feira, 7 de agosto de 2018

Xadrez da estratégia de Lula para

as eleições e a socialdemocracia

'de resultados' de Haddad 

 

Luís Nassif, no JORNAL/GGN

A estratégia da direita consiste em jogar vários candidatos no ventilador e apostar no que tiver a melhor largada. Confiam que a Justiça e o Ministério Público impeçam a corrida dos adversários.  Já a estratégia do PT é complicada pois tem que levar em conta diversos fatores.      
Fator 1 – mídia e Judiciário

Basta se mencionar um candidato do PT, para o Ministério Público e a Polícia Federal sacarem do supermercado das delações premiadas uma delação qualquer, induzida ou espontânea, mas em geral apenas declaratória, para fuzilar o atrevimento.  Provavelmente foi o principal fator a definir a estratégia de Lula, de postergar ao máximo o anúncio da chapa do PT.  Lula sai candidato com Fernando Haddad de 'vice' e Manoela D’Ávila de 'regra-três'. A tática política da mídia-Judiciário já se desgastou. E Lula continuou crescendo. Agora, terá que atirar em dois, Lula e Haddad. Até agora, foram disparados apenas balas de festim contra Haddad, sem nenhum significado jurídico e político maior.

Fator 2 – as coligações

A postergação da escolha, mais a prisão de Lula, afetaram as coligações. Mas o acordo firmado com o PSB comprovou que a candidatura Lula não seria apenas simbólica. A popularidade avassaladora de Lula no Nordeste facilitou os acordos e o alinhamento dos governadores em torno de seu nome.

Fator 3 – a transferência de votos

Faltava definir o ungido. O perfil do candidato, segundo a executiva do partido, deveria ser de alguém que fosse leal e suficientemente maduro para que a candidatura não subisse à cabeça.  Dentro do PT, dois nomes eram evidentes: o ex-governador da Bahia Jacques Wagner e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.  De Wagner, dizia-se da vantagem de trazer consigo o eleitorado nordestino e a facilidade em falar para as classes mais humildes, com seu jeito paternal.  De Haddad, o fato de representar a modernidade do partido.  Deu Haddad.  Tempos atrás, o próprio Haddad andou divulgando uma proposta de dobradinha com Ciro Gomes – que não teria sido aceita por Ciro. À luz dos últimos fatos, não se sabe o que havia de real ou de manobra do PT para não expor seu candidato às feras midiáticas.

Fator 4 – riscos e possibilidade de Haddad

Não fosse petista, Fernando Haddad simbolizaria todas as virtudes que a direita definiu para a política e que não encontra em nenhum dos seus candidatos. É um filho direto da Universidade de São Paulo, formado em filosofia, economia e direito.  Suas gestões– no Ministério e prefeitura- significaram o reencontro das políticas públicas com diagnósticos modernos e resultados efetivos, um banho inédito de inovação, uma tentativa de ir às raízes dos problemas que só tem paralelo nos anos 1960, com as 'reformas de base' de Jango e as reformas institucionais do período Castelo Branco.  Por exemplo, a boa gestão sugere formas de recompensar a eficiência. O orçamento da educação impedia essas sofisticações. Haddad então criou fundos para beneficiar projetos, gestores que apresentassem resultados concretos.  Espalhados por todo o país, os vestibulares eram um desafio para a própria inclusão dos alunos. Transformou o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em um vestibular nacional, vencendo desafios tecnológicos e o boicote sistemático da mídia, disposta a escandalizar qualquer problema normal na implantação de grandes sistemas.  Havia enorme desafio para a educação inclusiva, o maior dos quais a resistência da indústria das APAEs (Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais) e das sociedades ditas beneficentes. Haddad criou um modelo pelo qual as APAEs seriam remuneradas por cada aluno que apoiassem nas escolas regulares – onde se dá a inclusão. O programa passou a atender um número crescente de alunos com deficiência, chegando aos 900 mil. Cada escola que aderiu ao sistema passou a contar com uma retaguarda de ferramentas tecnológicas do MEC para atender os alunos.  Trata-se, provavelmente, do maior feito público anônimo da História moderna do país. Tão anônimo que nem a presidente Dilma Rousseff tinha informações sobre o programa. A ponto de atender às pressões das APAEs para mudar a 'Meta 4' do Plano Nacional de Educação, que versava sobre o tema. Reside nesse 'antipopulismo' e pudor em mostrar o que faz a maior virtude e a maior vulnerabilidade de Haddad.

Fator 5 – o técnico e o político

Contra ele pesa a derrota acachapante na campanha de reeleição da prefeitura de São Paulo. No fundo, a derrota foi o antipetismo, que tem seu epicentro em São Paulo, com praticamente toda a mídia em ataques diários contra ele e com a Lava Jato do Paraná se incumbindo do trabalho sujo para João Dória Jr.  Por outro lado, sua falta de gana política – inversamente proporcional ao seu pique de gestor - impediu em diversos momentos que assumisse o protagonismo político em São Paulo.  Em dois episódios essa postura ficou nítida.  O primeiro, nas passeatas de 2013, em que ficou praticamente a reboque do governador Geraldo Alckmin. Não entendeu que a rapaziada que iniciou as passeatas poderia ser sua grande aliada.  O segundo, na crise da Cantareira. Alckmin literalmente travou em momento crucial para o Estado. Ficou catatônico enquanto a desgraça se aproximava. Era hora de Haddad juntar os prefeitos da Grande São Paulo e comandar a reação contra a seca.   Limitou-se a aconselhar Alckmin, a sugerir saídas, mas comportando-se com excesso de pruridos e de cavalheirismo, em um momento que poderia ter assumido a liderança política inconteste do estado.   De qualquer modo, dentro do PT Haddad representa a antítese dos estereótipos do petista tradicional, traçados pela mídia e pelo arco do golpe. O lado mais moderno do empresariado e das Organizações Sociais sempre teve portas abertas na Prefeitura.  E complicou-se com o PT municipal por não ceder às demandas de vereadores e lideranças.   Sem arroubos retóricos, comuns nos políticos tradicionais, jamais recuou em suas posições ou na lealdade a Lula.   Tem as opiniões fortes de Ciro Gomes, mas sem os escorregões retóricos que comprometem a carreira do primeiro.   Depois que deixou a Prefeitura, sua ida para o Insper, a universidade que concentra mais do que qualquer outra o chamado pensamento liberal, foi uma maneira de se aproximar dos liberais paulistas.   Enfim, jamais deixou de buscar espaços de mediação em um país contaminado pelos vídios da radicalização.

Fator 6 – a grande aposta

Nas próximas semanas se terá uma ideia melhor da estratégia Lula e do fator Haddad.  Até que ponto conseguirá diluir o antilulismo? Até que ponto conseguira galvanizar setores modernos para suas bandeiras civilizatórias? Até que ponto recriará espaços de mediação essenciais para interromper a marcha da insensatez no país?   E como os adversários irão se comportar?   A direita já iniciou seu festival de extravagâncias, com Alckmin e Bolsonaro disputando quem radicaliza mais o discurso. A indicação da deplorável Ana Amélia para vice de Alckmin demonstra que não há o menor risco de arejamento das ideias do ex-governador.   Por outro lado, Haddad disputará espaço com Ciro Gomes em setores social-democratas insatisfeitos com as alternativas atuais.   Enfim, é um movimento em que Lula radicaliza o discurso para as massas, mas acena para o lado moderno com a 'socialdemocracia de resultados' de Haddad.

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