Reforma da
Previdência tem que acabar com privilégios e envolver a sociedade
FRANCISCO ALEXANDRE(*), no BRASIL/247
A missão da Previdência sempre foi de amparar as pessoas em
situação vulnerável na velhice. Desde o primeiro modelo a previdência sempre
envolveu o Estado e a sociedade. Na primeira experiência, na Alemanha, o modelo
foi tripartite – Estado, empresa e trabalhadores. ||| Mais de um século depois, mesmo com os avanços
tecnológicos nas relações de trabalho e de grandes mudanças nas relações entre
as pessoas e os Estados, o objetivo de garantir mecanismo para o equilíbrio
financeiro mínimo na velhice de grande parte da população permanece.
||| Contudo, a discussão atual da
Reforma da Previdência prioriza basicamente os benefícios e segmentos que menos
geram déficit para o sistema, como os trabalhadores da iniciativa privada. É
errado olhar em sentido único para cobrar a apenas um dos elos do sistema e
deixar de fora aqueles que mais se beneficiam há anos da Previdência
Pública. ||| O primeiro passo para reduzir o
déficit seria o fim das renúncias a setores econômicos que representam mais R$
50 bilhões ao ano. Reduzindo renúncias, como o do agronegócio, setor que
movimenta anualmente 23% do PIB, ou R$ 1,2 trilhão, e recolhe apenas 2,7%,
sendo de 0% a alíquota para os agroexportadores, fatia que movimenta R$ 290
bilhões ano. Isso, enquanto empresários urbanos pagam até 22%. ||| Requer solução também o déficit de mais de R$ 40
bilhões ao ano causado por pouco mais de 450 mil militares, segmento que paga
apenas 7,5% à Previdência e se aposenta em média com 48 anos idade, enquanto
cerca de 70% dos demais trabalhadores se aposentam aos 65 anos, por idade,
recebendo um salário mínimo. ||| Há
ainda os benefícios dos trabalhadores rurais incluídos no sistema de proteção
social na Constituição de 1988, que cobra definição da fonte de custeio desses
benefícios, os quais consomem outros R$ 80 bilhões dos cofres da Previdência,
valores que têm sido considerados como responsabilidade dos que contribuem para
o Sistema. O benefício dos rurais são justos e necessários, mas a fonte de
custeio não pode continuar sendo o conjunto dos trabalhadores. É uma
responsabilidade, portanto, do Estado, via orçamento anual a ser aprovado pelo
Congresso Nacional. |||
Os servidores
públicos também merecem ser destacados. Os dados mostram as disparidades das
médias das aposentadorias por segmentos, sendo no Executivo de R$ 7,5 mil;
militares R$ 9,6 mil; Ministério Público R$ 18 mil; no Judiciário R$ 26 mil e
no Legislativo R$ 28 mil. Os números falam por si e as correções pedem solução
que resolva definitivamente esse tipo de distorção. ||| As regras de benefícios em
países como Inglaterra, Canadá, EUA, Austrália e Alemanha tratam igualmente os
segurados, do setor privado ou estatal. Realidade diferente da nossa, em que a
média dos benefícios é de R$ 1.400,00, com 70% de aposentados (ou 30 milhões de
pessoas) que recebem o salário mínimo de R$ 998,00. Enquanto no setor público
temos benefícios de até R$ 39,6 mil, consumindo mais de 50% de tudo que é pago
na previdência por 1,5 milhão de pessoas, em detrimento dos mais de 35 milhões
de segurados. ||| Nos
países da OCDE, incluindo os que querem mudar a idade mínima de 65 para 67
anos, como a França e Itália, a expectativa média de sobrevida ao se aposentar
é de 19 anos. No Brasil, a expectativa de sobrevida atual é em torno de 18,
quando considerado o grupo de habitantes das regiões Sul e Sudeste. Realidade
diferente nas demais regiões, onde a expectativa de sobrevida cai para 16 anos
em média, revelando que o tempo médio de sobrevida não é o problema maior da
previdência no país. |||
Em outros países da OCDE também não há exigência de tempo de contribuição
para o benefício. Há também os que adotam benefício mínimo sem a necessidade de
contribuição como Canadá, Nova Zelândia, Austrália e França. Além do Chile, que
introduziu o benefício mínimo em 2008, sem necessidade de contribuição. Dados
disponíveis mostram ainda que o tempo de contribuição atual nos países da OCDE é
em média 36 anos, sendo projetado 38 anos de contribuição em média para o ano
de 2060. ||| O
Chile, antes considerado exemplo, iniciou novo processo de avaliação do sistema
de pensões em 2015, criando uma comissão de experts de 16 nacionais e 8 internacionais
para propor solução ao sistema de pensões chileno, vez que o atual, apenas
privado, tem se mostrado insuficiente. As propostas da comissão sugerem
aumentar os benefícios não contributivos, criar um fundo solidário, instituir
gestora de pensões controlada pelo governo e equalização de idades, dentre
outras. ||| No
Chile, o modelo criado durante a ditadura Pinochet no início dos anos 1980,
governo para o qual o atual ministro da Fazenda trabalhou, dizia-se que a
rentabilidade garantiria benefícios justos, mas o que a realidade mostrou foram
taxas elevadas de administração dos recursos, benefícios menores que o salário
mínimo daquele país – isso tendo em vista que a rentabilidade projetada das
contribuições nunca atingiu os patamares projetados inicialmente, em torno de
10% ao ano. Do mesmo modo, consomem os recursos dos trabalhadores as taxas de
administração cobradas pelas gestoras dos planos. Para se ter uma ideia, uma
taxa de administração anual de 1% consome ao longo de 40 anos mais de 20% dos recursos
poupados. ||| A
Previdência chilena passou por ajuste em 2008, quando foi instituído benefício
não contributivo de meio salário mínimo chileno, destinado a dois terços da
população mais pobre daquele país. Em 2015, a comissão instituída para discutir
soluções para o sistema (pois mesmo com a reforma de 2008 permanece inadequado)
apresentou entre as propostas para readequação do modelo a redefinição do
universo de segurando com benefícios não contributivos para 80% dos mais
pobres, bem como a instituição de contribuição patronal, tendo em vista que o
sistema somente com contribuição dos trabalhadores não é sustentável.
||| Os dados e as
experiências externas mostram que para reformar a Previdência será preciso
enfrentar situações como os desequilíbrios causados por renúncias fiscais;
cobrar de segmentos empresariais que têm alíquota diferenciadas. Além de
unificar os diferentes níveis de benefícios existentes nos poderes da
República. Isto, mais regras de transição dos segurados no sistema atual para o
sistema pós-reforma. |||
Para realizar trabalho que dê conta desses pontos é necessário diálogo
com a sociedade, envolvimento de técnicos com conhecimento do tema, avaliação
das distorções e forma de reduzi-las. Para, ao final, a reforma ser resultado
de discussão ampla e aberta sobre o que deve ser mudado. ||| Não é adequado que mudança tão
significativa para milhões de pessoas seja definida sem análise profunda dos
impactos nos segurados e, principalmente, envolver segmentos produtivos que
insistem em negar a obrigação de ser parte na solução de problemas que são de
interesse do país.
(*) Francisco Alexandre foi diretor de Administração da Previ dos funcionários do Banco do Brasil(eleito pelo voto direto dos associados) e presidente da BRF Previdência, a economia privada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário